Artistas na Sala de
Visitas
Abraham B. Sicsu
Não fazem parte de meu repertório, não consigo gostar. Grandes shows, artistas renomados, teatros lotados, estádios barulhentos, apinhados de gente, muita tietagem. Definitivamente não são para mim.
Adoro música, adoro
arte, mas me sinto excluído naqueles espaços. Preciso me sentir partícipe, o
espaço e suas características têm que fazer parte do que cultivo.
Espaços intimistas.
Meus preferidos. Salas de visitas de casas, com cheiro de morada, onde possa
ver os detalhes, onde os quadros escolhidos sejam expostos em contextos, onde
haja oportunidade de admirar a decoração e suas breguices, onde o sofá seja
puído. Neles me encontro.
Nestes sou eu. Locais
onde tomo um cálice de vinho, onde sinto o cheiro do pão e do doce, vindos da
cozinha, onde imagino os quitutes, companheiros indispensáveis, que acompanham
o momento cultural.
Tenho descoberto.
Pequenos espaços. Recife os esconde. Só para selecionados, só para curtidores,
gente que na idade avançada estruturou sua mente para os momentos de ócio e
lazer, nos quais se pode cultivar o gosto de observar detalhes.
No Poço da Panela me
encontro. Duas casas que me acomodam, me acolhem, que têm o meu jeito. Duas
experiências que procuro frequentar sempre que sou informado e posso.
Clóvis Fázio,
artista, pintor, amigo de bar. Uma casa e alguns quartos. Encontro um quintal à
antiga. Com mesas enferrujadas e cadeira de balanço. Onde um galo pode cantar
ao amanhecer. Exposições de quadros e esculturas.
Artistas novos e
famosos. Desde o próprio dono da casa, sua esposa, até Romero Andrade Lima. De
erótico ao paisagismo. Exposições que duram pouco, quinze dias no máximo. Em
breve virá outra. Momentos em que o Recife é exposto, as visões dos artistas
refletem o rio que ao lado passa, a serenidade das plantas que nos cercam no
local.
Clarissa e o Poço das
Artes. Sempre que é possível, às sextas ou aos sábados à noite, lá me refugio.
Uma sala de estar, com sofá e poucas mesinhas. Um closet apertadinho, um brechó
com roupas de grife.
A espera tradicional.
Vinho tinto, uma taça. A pizza de prosciuto de Parma, de alho ou de tomates
confitados. O queijo camembert com damasco e umas torradas incríveis.
Seleção bem cuidada
de artistas, profissionais de muito respeito. Sejam os que aqui passam ou os
que são naturais da cidade. Muita gente competente, grande qualidade. Jazz,
blues, música brasileira, música latina. Só coisa boa.
Walmir Chagas,
Geraldo Maia, músicos do Conservatório de Música e muitos outros, lá estiveram
com shows fantásticos, sempre para uma plateia pequena, 20 ou 30 pessoas, plateia
sempre fascinada e participativa.
Última sexta feira.
Um trio muito animado, “Los Guaracheros”. Argentino, austríaco e gaúcho se
juntam para comemorar a latino-americanidade. Boleros, salsas e cúmbias. Dois
tangos que me apaixonam. La Comparsita e Por Uma Cabeça, ouvia na minha casa,
meu pai era fascinado pelo ritmo.
No espaço pequeno,
dançamos, brindamos aos laços culturais que nos unem, que nos fazem latinos do
sul. Noite por demais enriquecedora. Pelo menos para a minha alma e das
companheiras de mesa.
A cidade também
apresenta diversidade de artes. Espaços para poesia. Um novo, Casa de Alzira.
Ia ter um sarau na terça feira. Lá fomos, lá nos encontramos.
Terceiro andar do
museu Afro, no Bairro do Recife. A entrada é esquisita, o elevador não
funciona, subir a pé um esforço que só depois soubemos que seria recompensado.
A sala lindíssima e
muito bem ambientada. Uma cantina, bem pequena, mas com quiches e empadas
maravilhosas. O vinho barato, mas gelado e de boa qualidade. Essa entrada no
local já me anima.
Ceronha Pontes, nossa
artista maior, e Flavinha se apresentaram. Poesias autorais para um pequeno
público extasiado. Duas canções poemas, feitas em capela, voltando à latinidade.
Canções argentina e uruguaia, de poetas que sabem mexer com a alma.
Uma escritora
convidada apresenta seu livro, Jô Freitas. Concorre ao Jabuti, é finalista.
Prêmio para uma produção independente. Baiana, mora em São Paulo, apaixonada
pelo Nordeste e sua cultura. Bom conhecê-la.
Uma noite que enche a
alma e nos faz sonhar. Os poetas vêm um mundo que quase nunca vemos. Fazem com
que sonhemos com fraternidade e felicidade, que possamos, pelo menos em mente,
construir um mundo melhor.
Olinda e as casas dos
artistas. Estas semanas estão abertas. Andar pelas ladeiras, entrando de casa
em casa e admirando trabalhos incríveis. Verdade, nem todos são tão especiais,
mas muito de excelência se pode ver.
Uma água gelada, uma
balinha de agrado, gente que faz do belo seu mundo, que tem como missão de vida
mostrar as cores e formas que podem nos fascinar. Que fica feliz em nos incluir
nesse mundo mágico.
Espaços que vão se
abrindo. Que mudam a dimensão da cidade em que vivemos. Que nos trazem
encantamento, reflexão, principalmente crença de um mundo mais pleno de força e
esperança.
E cá onde moro, é cá
que as coisas fazem sentido.
[Ilustração: Ferdinand Hodler]
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Leia também: "Muitos eus", crônica de Abraham Sicsu https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/uma-cronica-de-abraham-b-sicsu.html
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