Duro trabalho infantil
Luciano Siqueira
Todo programa assistencial como objetivo maior proporcionar aos seus beneficiários a saída do sistema e o ingresso no processo produtivo. É o espírito da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que considera a população alvo dos programas sujeito de direito e a ação governamental dever constitucional.
Isto posto, merece atenção o resultado de estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA): mesmo aumentando a freqüência escolar, o Bolsa Família – principal programa assistência do governo federal - não vem conseguindo afastar as crianças do trabalho.
Cabe examinar as possíveis causas disso. Os pesquisadores do IPEA arriscam a hipótese de que o valor pago pelo programa provavelmente não seja satisfatório, tendo em conta que o rendimento de uma criança que não freqüenta a escola e trabalha na rua é de aproximadamente R$ 226. Eles fazem uma comparação, tendo com referência os números de 2007: se numa família indigente houver, por exemplo, três filhos menores de 15 anos o valor recebido do Bolsa Família não ultrapassará os R$ 112 por mês.
Mas parece claro que na raiz do problema está a condição socioeconômica precária da família, o que nos remete à capacidade da economia em ascensão absorver trabalhadores necessitados de ocupação e de rendimento digno. Resolvida esta questão, cessaria a necessidade de explorar crianças na busca de melhora da renda familiar.
Mas, para além desse raciocínio, digamos lógico, há que enxergar a dura realidade dos que trabalham precocemente. O autor dessas linhas, em crônica de alguns anos atrás, registrou dois casos marcantes.
Estávamos no início dos anos 80, médico plantonista no Hospital João Murilo, em Vitória de Santo Antão, a 51 quilômetros do Recife, freqüentemente atendia menores acidentados no corte da cana. Marileide, negra, 12 anos, o tendão do indicador da mão esquerda rompido por um golpe de foice; Samuel, de brancura anêmica, apenas 9 anos, ferimento extenso na bolsa escrotal que espetara num fragmento de vara. Nomes e rostos marcados na memória e no caderno de anotações alimentado por emocionantes registros da atitude altiva daqueles meninos condenados a miseráveis condições de trabalho.
Para o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que conduz o Bolsa Família, há de toda sorte uma redução do trabalho infantil exatamente através da transferência de renda que o programa promove. Que assim seja, tudo bem, mas se impõe um acompanhamento mais preciso e um esforço concentrado para que melhoria de renda familiar signifique, de fato, criança exclusivamente na escola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário