Luciano Siqueira
Claro que a ideia
não vingará. Flávio Caça Rato é fenômeno pernambucano, longe da ribalta
nacional. Além disso, a convocação dos 22 jogadores que formam a seleção
brasileira é algo muito complexo, que exibe uma face pública, dissimulada; e
uma face subterrânea, marcada pelo jogo de interesses que ultrapassa em muito a
vontade dos cartolas e os humores das torcidas. A presença de determinados
nomes na lista tem a ver com patrocínios milionários, envolvendo negociatas de
todo tipo.
Hoje a coisa está
muito mais cabeluda do que no tempo em que o ditador general Médici exigiu a
demissão do técnico João Saldanha, comunista, crítico do regime militar, substituído
pelo dócil Zagalo; e a inclusão do centroavante Dario, o Dadá Maravilha, assim
alcunhado pelo próprio. O poder agora literalmente não está na boca do fuzil,
vem de outras fontes, tais como as centrais de marketing da Coca-Cola, da
Adidas e de outros poderosos patrocinadores globais.
Mas, por que sabendo
disso tudo, esse modesto torcedor bissexto acaba de postar no Twitter e no Facebook
a sugestão de se convocar Flávio Caça Rato para a seleção canarinho que vai
encarar a Copa do Mundo, quase que com a obrigação de vencer?
Por duas razões.
A primeira,
epidérmica e imediata, brota da emoção de domingo último, quando mais de 60 mil
torcedores explodiram de alegria quando nosso herói entrou em campo na metade
do segundo tempo; e foi ao delírio quando ele marcou o gol decisivo nos últimos
minutos da partida, cabeceando com a elegância e a eficiência de um Pelé. O
grito de gol e de liberdade, após seis anos de humilhação nas séries D e C,
tornou definitiva e total a identificação do torcedor que sofre na arquibancada
(tal como peleja no cotidiano pela dura sobrevivência) com o atleta que traduz,
na aparência física e no modo de guerrear em campo, a origem que inspira seu
apelido.
Flávio Caça Rato
encarna a simplicidade guerreira do pedreiro, do marceneiro, do gari, do vendedor
ambulante, do comerciário, da mulher que busca um lugar no mercado de trabalho
para garantir o sustento da família; da juventude da periferia que quer se
afirmar, da turma do pagode nos fins de semana e do hip-hop. Dai o fenômeno:
longe de ser um craque, é o grande ídolo da torcida.
A outra razão da
minha proposta se apóia no mais puro saudosismo. Fui torcedor apaixonado pelos
meus times do coração - em Natal, onde nasci e vivi até o meio da adolescência,
o América; no Recife, o Clube Náutico Capibaribe - e da seleção brasileira. Do
América, jamais esqueci uma goleada de 5 X 0 no rival mil vezes mais popular
ABC. Do Náutico, pertenço à geração do hexa-campeonato. Tempo de Nado, Bita,
Ivan, Salomão.
Hoje mal acompanho
pela TV o campeonato local. E a seleção só me interessa em competições oficiais.
Por isso sinto uma saudade
danada do tempo em que o Brasil trazia no seu elenco um craque-talismã feito
Garricha. Sinto saudade do futebol espetáculo. Sinto falta da alegria e da
emoção de antigamente. Do tempo em que o escrete verde-amarelo era a Pátria de
chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues.
Flávio Caça Rato é
povo, genuinamente povo. Garanto que iria em todas divididas. Desajeitado, mas
esperto. Simplório, porém alegre e destemido.
Existiria maior
emoção do que na partida final da Copa do Mundo, ter o gol da vitória e da
redenção do nosso maltratado futebol feito por ele?
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