03 agosto 2014

Mais para energúmeno do que para estadista

FHC e a arte de se apequenar antes e depois

Luis Nassif, em seu blog

Perguntam-me dos motivos para a implicância com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
São vários.
O principal é que tinha base de apoio no seu partido, conhecimento, descendia de família de militares que participaram de episódios centrais de formação do país; tinha formação e adesão de parcelas importantes da opinião pública para montar um governo socialdemocrata, que conduzisse reformas mas lançasse as bases de políticas sociais legitimadoras. Tinha tudo, até a assessoria luxuosa da verdadeira estadista que era dona Ruth para lançar as bases do combate à miséria.
Em vez disso, terceirizou a política econômica para os financistas do seu governo, permitiu a manutenção de políticas cambial e monetária ruinosas, mesmo após três graves crises externas. Jamais conseguiu pensar como um verdadeiro estadista. Era deslumbrado com as pompas do poder, mas não com a possibilidade de mudar realidades.
Fora do poder, poderia ter se tornado um desses sábios referenciais dos quais toda Nação necessita, os mais velhos que trabalham para mostrar rumos, para conciliar, para ajudar na construção de consensos.
Pequeno antes, manteve-se pequeno depois.
Seu artigo de hoje, no Estadão (clique aqui), é tão medíocre que merecia ser assinado por Roberto Freire – o único (repito o único!) Senador da República que, em 1999, foi contra o projeto de renda mínima proposto em comum acordo por ACM e Eduardo Suplicy.
É medíocre por ser falsamente esperto, e pela absoluta falta de respeito de FHC pelos fatos e pela sua própria biografia.
Diz o artigo:
“O que fez o PSDB quando as pesquisas eleitorais de 2002 apontavam para a possível vitória do PT?”.
1. Elevou os juros, mesmo antes das eleições, reduzindo as próprias chances eleitorais.
Coloca como se fosse um ato de desprendimento e não um gesto de desespero, ante os erros colossais cometidos pelo então presidente do Banco Central Armínio Fraga, que jogou a cotação do dólar nas alturas e quase explodiu com a economia brasileira.
Primeiro, Armínio criou o sistema de pagamento eletrônico, que passou a medir de forma muito mais intensa os movimentos de juros intrabanco e as cotações dos títulos do Tesouro. Depois, introduziu o sistema de “marcação a mercado” – pelo qual os fundos tinham que contabilizar diariamente suas cotas pelo valor de negociação dos títulos a cada dia.
Exemplo pequeno:
· um título vale 100 no momento de resgate; a taxa de juros do mercado está em 10%. Logo o valor presente do título é 90,9. Ou seja, se alguém comprar por 90,9 e levar até o dia do vencimento, receberá os 100.
· ai a taxa aumenta para 15%. Imediatamente o valor a mercado do título cairá para 86,8 – para garantir os 15% de juros no vencimento.
Mesmo que os fundos levassem os títulos até o vencimento, para receber os 100, a nova regra obrigava-os a remarcar o valor da cota de acordo com o valor de negociação diária dos títulos.
Finalmente, lançou uma operação desastrosa de vender títulos pré-fixados amarrados a hedge cambial – visando empurrar goela abaixo do mercado os pré-fixados, em uma atitude de um voluntarismo tal que nada fica a dever às medidas de Dilma Rousseff, e muito mais ruinosa.
Os investidores passaram então a comprar o pacote, a ficar com o hedge e a desovar os pré-fixados no mercado. Esses títulos eram uma parcela ínfima do estoque de pré-fixados do mercado. Mas o valor das cotas de todos os papéis dependia das negociações diárias.
Quando os pré-fixados foram desovados no mercado, houve queda de sua cotação e imediatamente todos os fundos que tinham pré-fixado em carteira foram obrigados, pela marcação a mercado, a desvalorizar o valor de sua cota. Da noite para o dia, investidores se deram conta de que havia caído o saldo de suas aplicações nesses fundos.
Foi um pânico generalizado no mercado, que ajudou a fortalecer o falso temor de que, eleito, Lula confiscaria a poupança.
Foi uma barbeiragem tão grande que em muitas cabeças passou a impressão de ter sido intencional, para espalhar o temor nas eleições que se avizinhavam.
As medidas posteriores foram mero paliativo para impedir que a economia explodisse nas mãos de FHC como consequência dessa barbeiragem.
2. Sustentou mundo afora que não haveria perigo de irresponsabilidade de Lula, pois as leis e cultura haviam mudado.
FHC baseia-se em uma versão falsa de ter conduzido a aproximação de Lula com o governo Bush Jr, conforma devidamente desmascarada aqui por pessoas que participaram diretamente das reuniões prévias. O principal homem de FHC em Washington, embaixador Rubens Barbosa, sempre acenou com fantasmas para o Departamento de Estado norte-americano.
3. Pediu empréstimo ao FMI, com previa anuência dos candidatos.
Mas é óbvio que o FMI só emprestaria com aval do futuro presidente. Não se tratou de concessão, mas de um ato de moratória, quatro anos após o anterior, devido ao fato de adiar a tomada de medidas urgentes para não atrapalhar as eleições - prática que ele aponta em Dilma, em seu artigo.
FHC termina o artigo prevendo tempos duros, de autoritarismo e repressão.
E conclui: “Vejo fantasmas? Pode ser, mas é melhor cuidado do que não lhes dar atenção”.
É por essas e outras que jamais será a figura reverencial que poderia ter sido, depois de deixar o poder.
Comprova o pior receio de Sérgio Motta quando, pouco antes de morrer, mandou um bilhete implorando: “Não se apequene”.
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Um comentário:

Anônimo disse...

FHC, o que era pra ter sido e não foi...