Cláudio Gonzalez, no portal da Fundação Maurício Grabois
Em apenas uma semana, os candidatos Aécio Neves e Marina
Silva deram diversas pistas de que não estão qualificados para manter ereta a
postura do Brasil diante de questões internacionais sensíveis. E a genuflexão
que eles ensaiam, infelizmente, indica que se eleitos não se acanhariam em
deixar a nação descalça novamente diante de um risonho Tio Sam.
No início de 2002, meses depois do
atentado terrorista às Torres Gêmeas, os Estados Unidos ainda viviam a paranoia
do reforço da segurança nacional. Neste contexto, intensificaram as revistas de
passageiros nos aeroportos e até mesmo alguns chanceleres como o brasileiro
Celso Lafer foram obrigados a tirar os sapatos ao embarcarem em voos dentro de
território americano. O Brasil protestou contra a humilhação imposta ao seu
ministro de Relações Exteriores. Washington se desculpou de forma protocolar,
mas o episódio ficou pra sempre registrado como símbolo de uma política externa
brasileira cabisbaixa e submissa aos Estados Unidos. A diplomacia dos pés
descalços.
Quando Lula assumiu o governo em 2003,
as relações exteriores do Brasil ganharam nova dinâmica, com posturas mais
altivas e soberanas, alguns enfrentamentos necessários com as grandes potências
e uma revisão estratégica da política externa, priorizando as relações com
países latinos e emergentes. Diretrizes que vem sendo mantidas no governo
Dilma.
A direita brasileira, historicamente
servil e subordinada aos interesses de Washington, nunca engoliu esta nova
política externa inaugurada por Lula. Os esperneios direitistas são frequentes,
sobretudo nos meios de comunicação. Na última semana, o discurso da presidenta
Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU deu margem para nova gritaria
equivocada da direita. A diferença, desta vez, é que as vozes mais estridentes
partiram das duas candidaturas presidenciais oposicionistas.
Marina Silva condenou o governo
brasileiro por não ter assinado um suposto “tratado internacional” que
estabelecia o compromisso de desmatamento zero de florestas até 2030. Já Aécio
Neves, além de concordar com a bronca de Marina na questão ambiental, tratou de
acusar a presidenta Dilma de “pactuar com terroristas”.
Quem acompanha os fatos da política
apenas pelas redes sociais e dispõe de pouca informação, talvez dê razão para
as críticas de Aécio e Marina em relação à política externa do governo
brasileiro. Mas basta um pouquinho de interesse em buscar informação correta e
especializada para constatar que as opiniões de Marina Silva e Aécio Neves não
passam de provas constrangedoras de submissão às diretrizes do imperialismo
estadunidense. Vamos aos fatos:
Sustentabilidade sem soberania
- O
documento que Marina Silva queria que o Brasil tivesse respaldado durante a
Cúpula do Clima das Nações Unidas não é um documento da ONU, longe disso. O tal
“acordo” contra o desmatamento, intitulado “Declaração de Nova York sobre Florestas”,
não passa de uma carta de intenções produzida por um punhado de ONGs
internacionais que conseguiu convencer apenas 28 dos quase 200 países membros
das Nações Unidas a respaldá-lo. Os outros 132 assinantes do textos são
empresas multinancionais como a Cargill (sementes e rações), a Unilever, McDonald’s,
Walmart, Nestlé, Johnson & Johnson; além de dezenas de ONGs como a suspeita
WWF, alguns governos “subnacionais” e 16 tribos indígenas. Entre os países que
assinaram a Carta estão os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Reino Unido
e mais um punhado de Nações sendo que algumas delas sequer têm florestas para
preservar. Em contrapartida, países com grandes reservas florestais como
Argentina, China, Austrália, Rússia, África do Sul, Índia e tantos outros
agiram como o Brasil e não assinaram o acordo.
Ainda que a Carta de Nova York seja
bem intencionada, ela tem dois problemas fundamentais: é fruto de um debate
fechado para o qual o Brasil sequer foi convidado a participar e, além disso,
não reconhece a possibilidade de deflorestamento legal, algo que está contido
na legislação brasileira e é importante para o desenvolvimento sustentável da
Amazônia. Portanto, o Brasil estaria pregando contra suas próprias leis
ambientais – algumas delas defendidas por Marina Silva – se assinasse a Carta.
Mesmo assim, a candidata do PSB-Rede, na pressa de fustigar o governo Dilma,
atropelou a lógica e se alinhou automaticamente às ONGs estrangeiras para
“condenar” a posição brasileira.
Não se espera outra atitude de quem
tem entre seus principais apoiadores um ambientalista como João Paulo
Capobianco, que já chegou a afirmar que a soberania do Brasil sobre a Amazônia
é relativa; e outro como o economista Mauricio Rands, que visita os Estados
Unidos a 10 dias da eleição presidencial para prometer acordos bilaterais com Washington
no caso de eleição de Marina. No fundo, esta é a agenda de Marina:
sustentabilidade sem soberania.
Multilteralismo x guerra
imperialista - Na
mesma linha, o candidato do PSDB, Aécio Neves e sua turba de seguidores nas
redes sociais, respaldados pela grande mídia, tentaram desqualificar a política
externa do governo Dilma acusando-a de apoiar o terrorismo. "A presidente propõe
diálogo com um grupo que está decapitando pessoas. Realmente, essa não é a
política externa que consagrou o Brasil ao longo de tempos",
disse Aécio Neves. O tucano tomou como base para isso a resposta de Dilma a um
jornalista que perguntava sobre os ataques americanos contra o Estado Islâmico
na Síria e Dilma respondeu que achava lamentável que se continue apostando na
guerra e não no diálogo como forma de solucionar conflitos.
Ok, todos sabemos que na campanha é
preciso simplificar a mensagem para poder espalhá-la. A campanha de Dilma faz
isso com o “vaca-tussa” dos direitos trabalhistas. Marina faz com o “direitos
são conquistas, não favores” e Aécio Neves faz a simplificação com o “Dilma
quer conversar com quem corta cabeças”. O problema, no caso de Aécio, é que sua
simplificação traduz uma mensagem mentirosa e joga no denuncismo mais tosco (no
pior estilo Veja) um tema extremamente complexo e longe da realidade dos
brasileiros.
O desavisado poderá questionar: ‘Ah, mas governos importantes
como os da França, Inglaterra, Alemanha e diversos países árabes também apoiam
a iniciativa bélica dos EUA na Síria.’ Este tipo de questionamento
ignora o básico: estes países têm interesses comerciais, internos e/ou
geopolíticos que justificam o apoio.
Não se deve ter ilusão que o fazem por
razões nobres, muito menos razões humanitárias. Respaldados por um falso
discurso de combate ao terrorismo e de proteção internacional os direitos
humanos, grandes potências têm usado os conflitos para defender interesses
mercantis, dominar territórios, subjugar populações. Foi esta denúncia que
Dilma levou aos microfones da ONU e que nossa imprensa, de forma hipócrita e
manipulada, tenta transformar em “apoio ao grupo terrorista Estado Islâmico”. O
trecho relativo ao assunto presente no discurso de Dilma fala por si:
“Não temos sido capazes de
resolver velhos contenciosos nem de impedir novas ameaças. O uso da força
é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na
persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na
trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos
conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada intervenção militar
não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos.
Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas
humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie
recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios. O Conselho
de Segurança tem encontrado dificuldade em promover a solução pacífica desses
conflitos. Para vencer esses impasses será necessária uma verdadeira reforma do
Conselho de Segurança, processo que se arrasta há muito tempo. (...) Um
Conselho mais representativo e mais legítimo poderá ser também mais
eficaz. Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à
crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos
na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando
fortemente a população civil, especialmente mulheres e crianças. Esse conflito
deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo.
Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados
– Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras
internacionalmente reconhecidas.”
A mensagem do governo brasileiro
apenas reitera princípios tradicionais de nossa política externa, como a ênfase
na diplomacia preventiva de conflitos, a prioridade aos meios pacíficos de
solução de conflitos e o respeito ao direito internacional.
Apostar na cooperação, no diálogo e no
multilateralismo para a promoção dos diretos humanos no mundo não é mera
retórica diplomática, tampouco conivência com abusos praticados por governos ou
grupos, mas sim uma visão avançada de política externa que só quem tem
convicção de sua justeza é capaz de entender, formular e aplicar tal política.
Em apenas uma semana, Aécio e Marina
deram diversas pistas de que não estão qualificados para manter ereta a postura
do Brasil diante de questões internacionais sensíveis. E a genuflexão que eles
ensaiam, infelizmente, indica que se eleitos não se acanhariam em deixar a
nação descalça novamente diante de um risonho Tio Sam.
*Cláudio Gonzalez é editor-executivo
da revista Princípios
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