Bolha
WhatsApp, fake news e engajamento dos cultos evangélicos
ganharam de lavada as eleições
Fernanda Torres, na Folha de S. Paulo
No programa de David Letterman na
Netflix, Barack Obama cita um teste realizado pela Casa Branca durante a
Primavera Árabe, que pretendia avaliar o poder de direcionamento do algoritmo
nas redes sociais. Internautas de direita, de esquerda e de centro digitaram a
palavra Egito, a fim de descobrir o que cada segmento obteria como resposta.
Os conservadores foram direcionados
para links relacionados ao terrorismo, ao jihad e à ameaça muçulmana. A busca
dos progressistas resultou em notícias que festejavam o levante egípcio como um
auspicioso despertar do mundo árabe. Já os de centro foram brindados com
inofensivos sites turísticos, que anunciavam os "Best Places to Visit in
Egypt". Vivemos isolados em bolhas de preferência, ignorando, por
completo, a do vizinho.
Quem esteve presente na manifestação
do #EleNão vivenciou uma multidão pacífica de senhoras, senhores, crianças e
militantes feministas. Os que não foram às ruas viram versões distorcidas de
meninas de peito de fora, enfiando crucifixos no meio das pernas, fumando
maconha e clamando pela volta de Satanás. A assombrosa alavancada de um
candidato a governo do Rio de Janeiro, o ex-juiz Wilson Witzel —que,
em dois dias, atingiu 39% de preferência nas urnas—, prova que os métodos de
convencimento da velha política foram parar na lata de lixo da história.
O WhatsApp, as fake news e o
engajamento dos cultos evangélicos ganharam de lavada as eleições de 2018. Num
vídeo gravado, Witzel se dirige à Polícia Militar, prometendo extinguir a
Secretaria de Segurança Pública para eliminar a má influência dos políticos nos
órgãos de policiamento investigativo e ostensivo.
A medida, acredito, receberá o apoio de
uma massa de eleitores que associam a política ao crime. Um cidadão que, fora
de sua bolha, levantar a voz em favor da secretaria de Segurança corre o risco
de ser crucificado pela conivência com a corrupção. A classe artística, cuja
opinião vem sendo inoculada pelo simples teclar de dez letras: Lei Rouanet, tem enfrentado rejeição
semelhante à da política.
No último debate presidenciável, na TV Globo, os
candidatos presentes repetiram a retórica de acusações ao PT e ao PSDB, além
das réplicas do Lula Livre. Indefesos diante da nova máquina eleitoral, eles
pareciam falar do túnel do tempo do milênio passado. Os grupos fechados do meu
celular aplaudiram o discurso de Boulos contra a ditadura militar, mas a
indignação morria ali, entre muros. A ditadura não está na pauta dos que
cresceram na redemocratização com o celular em punho. A Lava Jato e a crise na
segurança, sim.
O golpe de 1964 e o AI-5 são tão
distantes da experiência histórica dos que têm menos de 40 anos quanto Juscelino, o tenentismo e a política do café
com leite. No colégio abastado do filho de um amigo meu, todos os garotos de 18
que votaram no partido Novo migrarão para o PSL, convencidos de que a aliança
do livre mercado com a "sociedade de bem" armada trará benefícios
para o país.
Nenhum deles se preocupa com uma
possível ascensão de forças paramilitares —muito menos com a perseguição a
grupos identitários. Tudo é visto como petismo travestido de mimimi humanitário
para esconder os anos de roubalheira. O que impressiona é perceber que, assim
como na eleição de Donald Trump, os chamados progressistas, que deveriam estar
atentos ao futuro das novas mídias, permaneceram fiéis aos mesmos instrumentos
de divulgação de ideias do tempo da vovó menina.
Enquanto isso, a ultra direita vem
agindo cirurgicamente, há bastante tempo, em dois campos aparentemente
antagônicos e difíceis de serem vencidos agora: a inteligência artificial e a
fé em Cristo, em voga desde o fim da Antiguidade.
Vai
encarar?
Acesse o canal ‘Luciano Siqueira opina’, no YouTube https://bit.ly/2KURJOl
Leia mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
Nenhum comentário:
Postar um comentário