Sua tia não é
fascista, ela está sendo manipulada
Rafael Azzi,
no blog Nocaute
Saiba como a longa mão de Steve Bannon,
homem-chave da campanha de Donald Trump, contribuiu para levar Bolsonaro ao
segundo turno das eleições no Brasil usando as redes sociais da Internet.
Você se pergunta como um candidato com
tão poucas qualidades e com tantos defeitos pode conseguir o apoio quase que
incondicional de grande parte da população?
Você já tentou argumentar
racionalmente com os eleitores deles, mas parece que eles estão absolutamente
decididos e te tratam imediatamente como inimigo no mais leve aceno de
contrariedade?
Até sua tia, que sempre foi fofa com
você, agora ataca seus posts sobre política no facebook?
Pois bem, vou contar uma história.
O principal nome dessa história é um
sujeito chamado Steve Bannon. Bannon tinha uma visão de extrema direita
nacionalista. Ele tinha um site no qual expressava seus pontos de vista que
flertavam
com o machismo, com a homofobia, com a xenofobia, etc. Porém, o site
tinha pouca visibilidade e seu sonho era que suas ideias se espalhassem com
mais força no mundo.
Para isso, Bannon contratou uma
empresa chamada Cambridge Analytica. Essa empresa conseguiu dados do facebook
de milhões de contas de perfis por todo mundo. Todo tipo de dado acumulado pelo
facebook: curtidas, comentários, mensagens privadas. De posse desses dados e
utilizando algoritmos, essa empresa poderia traçar perfis psicológicos
detalhados dos indivíduos.
Tais perfis seriam então utilizados
para verificar quais indivíduos estariam mais predispostos a receber as
mensagens: aqueles com disposição de acreditar em teorias conspiratórias sobre
o governo, por exemplo, ou que apresentavam algum sentimento de contrariedade
difuso ao cenário político atual.
A estratégia seria fazer com que esse
indivíduo suscetível a essas mensagens mudasse seu comportamento, se
radicalizasse. Como as pessoas passaram a receber as notícias e a perceber o
mundo principalmente através das redes sociais, não é difícil manipular essas
informações. Se você pode controlar as informações a que uma pessoa tem acesso,
você pode controlar a maneira com que ela percebe o mundo e, com isso, pode
influenciar a maneira como se comporta e age.
Posts no facebook podem te fazer mais
feliz ou triste, com raiva ou com medo. E os algoritmos sabem identificar as
mudanças no seu comportamento pela análise dos padrões das suas postagens,
curtidas, comentários.
Assim, indivíduos com perfis de
direita e seu tradicional discurso “não gosto de impostos” foram radicalizados
para perfis paranoicos em relação ao governo e a determinados grupos sociais. A
manipulação poderia ser feita, por exemplo, através do medo: “o governo quer
tirar suas armas”. Esse tipo de mensagem estimula um sentimento de impotência e
de não ser capaz de se defender. Estimula também um sentimento de “somos nós
contra eles”, o que fecha a pessoa para argumentos racionais.
Sites e blogs foram fabricados com
notícias falsas para bombardear diretamente as pessoas influenciáveis a esse
tipo de mensagem. Além disso, foi explorado também um sentimento
anti-establishment, anti-mídia tradicional e anti “tudo isso que está aí”.
Quando as pessoas recebiam várias notícias de forma direta, e não viam essas
notícias repercutirem na grande mídia, chegavam à conclusão de que a grande
mídia mente e esconde a verdade que eles tem.
Se antes a mídia tradicional podia
manipular a população, a manipulação teria que ser feita abertamente, aos olhos
de todos. Agora, todos temos telas privadas que nos mandam mensagens diretamente.
Ninguém sabe que tipo de informação a pessoa do lado está recebendo ou quais
mensagens estão construindo sua percepção de realidade.
Com esse poder nas mãos, Bannon
conseguiu popularizar a alt right (movimento de extrema direita americana)
entre os jovens, que resultou nos protestos “unite de right” no ano
passado em Charlottesville, Virgínia, que tiveram a participação de
supremacistas brancos. Bannon trabalhou na campanha presidencial de Donald
Trump e foi estrategista de seu governo. A Cambridge Analytica trabalhou também
no referendo do Brexit, que foi vencido principalmente por argumentos
originados de fakenews.
Quando a manipulação veio à tona, Mark
Zuckerberg foi chamado ao senado americano para depor. Pra quem entendeu o que
houve, ficou claro que a democracia da nação mais importante do mundo havia
sido hackeada. Mas os congressistas pouco entendimento tinham de mídia social;
e quem estaria disposto a admitir que a democracia pode ser hackeada através da
manipulação dos indivíduos?
Zuckerberg estava apenas
pensando em estabelecer um modelo de negócios lucrativo com a venda de anúncios
direcionados. A coleta de dados e a avaliação de perfil psicológico das pessoas
tinham a intenção “inocente” de fazer as pessoas clicarem em anúncios pagos. Era
apenas um modelo de negócios. Mas esse mesmo instrumento pode ser usado com
finalidade política.
Ele se deu conta disso e sabia
que as eleições brasileiras podiam estar em risco também. Somos uma das maiores
democracias do mundo. O facebook tomou medidas ativas para evitar que as
campanhas de desinformação e manipulações ocorressem em sua rede social. Muitas
contas fake e páginas que compartilhavam informações falsas foram retiradas do
facebook no período que antecede as eleições.
Mas não contavam com a
capilarização e a popularização dos grupos de whatsapp. Whatsapp é um
aplicativo de mensagens diretas entre indivíduos; por isso, não pode ser
monitorado externamente.
Não há como regular as fakenews, portanto. Fazer um
perfil fake no whatsapp também é bem mais fácil que em outras redes sociais e
mais difícil de ser detectado.
Lembram do Steve Bannon, que sonhou
com o retorno de uma extrema direita nacionalista forte mundialmente? Que tinha
ideias que são classificadas como anti minorias, racistas e homofóbicas? E que
usou um sentimento difuso anti “tudo que está aí”, e um medo de os homens se
sentirem indefesos para conquistar adeptos?
Pois bem, ele se encontrou em
agosto com Eduardo Bolsonaro. Bolsonaro disse que o Bannon apoiaria a campanha
do seu pai com suporte e “dicas de internet”, essas coisas. Bannon é agora um
“consultor eventual” da campanha. Era o candidato ideal pra ele, por
compartilhava suas ideias, no cenário ideal: um país passando por uma grave
crise econômica com a população desiludida com a sua classe política.
Logo depois de manifestações de
mulheres nas ruas de todo o Brasil e do mundo contra Bolsonaro, o apoio do
candidato subiu, entre o público feminino, de 18 para 24 por cento. Um aumento
de 6 pontos depois de grande parte das mulheres se unir para demonstrar sua
insatisfação com o candidato.
Isso acontece porque, de um
lado, a grande mídia simplesmente ignorou as manifestações e, por outro, houve
um ataque preciso às manifestações através dos grupos de whatsapp
pró-Bolsonaro. Vídeos foram editados com cenas de outras manifestações, com
mulheres mostrando os seios ou quebrando imagens sacras, mas utilizadas dessa
vez para desmoralizar o movimento #elenão entre as mais conservadoras.
Além disso, Eduardo Bolsonaro
veio a público logo após a manifestação e declarou: “As mulheres de direita são
mais bonitas que as de esquerda. Elas não mostram os peitos e nem defecam nas
ruas. As mulheres de direita têm mais higiene.” Essa declaração pode parece
pueril ou simplesmente estúpida mas é feita sob medida para estimular um
sentimento de repulsa para com o “outro lado”.
Isso não é nenhuma novidade. A máquina
de propaganda do nazismo alemão associava os judeus a ratos. O discurso era que
os judeus estavam infestando as cidades alemãs como os ratos. Esse é um
discurso que associa o sentimento de repulsa e nojo a uma determinada
população, o que faz com que o indivíduo queira se identificar com o lado
“limpo” da história. Daí os 6 por cento das mulheres que passaram a se
identificar com o Bolsonaro.
Agora é possível compreender
porque é tão difícil usar argumentos racionais para dialogar com um eleitor do
Bolsonaro? Agora você se dá conta do nível de manipulação emocional a que seus
amigos e familiares estão expostos? Então a pergunta é: “o que fazer?”
Não adiante confrontá-los e
acusá-los de massa de manobra. Isso só vai fazer com que eles se fechem e
classifiquem você como um inimigo “do outro lado”. Ser chamado de manipulado
pode ser interpretado como ser chamado de burro, o que só vai gerar uma troca
de insultos improdutiva.
Tenha empatia. Essas pessoas não
são tolas ou malvadas; elas estão tendo suas emoções manipuladas e estão
submetidas a uma percepção da realidade bastante diferente da sua.
Tente trazê-las aos poucos para a
razão. Não ofereça seus argumentos racionais logo de cara, eles não vão
funcionar com essas pessoas. A única maneira de mudar seu pensamento é fazer
com que tais pessoas percebam sozinhas que não há argumentos que fundamentem
suas crenças e as notícias veiculadas de maneira falsa.
Isso só pode ser feito com uma
grande dose de paciência e de escuta. Peça para que a pessoa defenda
racionalmente suas decisões políticas. Esteja aberto para ouvi-la, mas continue
sempre perguntando mais e mais, até ela perceber que chegou num ponto em que
não tem argumentos para responder.
Pergunte, por exemplo: “Por que
você decidiu por esse candidato? Por que você acha que ele vai mudar as coisas?
Você acha que ele está preparado? Você conhece as propostas dele? Conhece o
histórico dele como político? Quais realizações ele fez antes que você aprova?”
Em muitos casos, a pessoa
tentará mudar o discurso para falar mal de um outro partido ou do movimento
feminista. Tal estratégia é esperada porque eles foram programados para achar
que isso representa “o outro lado”, os inimigos a combater.
Nesse caso, o caminho continua o
mesmo: tentar trazer a pessoa para sua própria razão: “Por que você acha que
esse partido é tão ruim assim? Sua vida melhorou ou piorou quando esse partido
estava no poder? Como você conhece o movimento feminista? Você já participou de
alguma reunião feminista ou conhece alguém envolvido nessa luta?”
Se perceber que a pessoa não
está pronta para debater, simplesmente retire-se da discussão. Não agrida ou
nem ofenda, comportamento que radicalizaria o pensamento de “somos nós contra
eles”. Tenha em mente que os discursos que essa pessoa acredita foram incutidos
nela de maneira que houvesse uma verdadeira identificação emocional, se
tornando uma espécie de segunda identidade. Não é de uma hora pra outra que se
muda algo assim.
Duas das mais importantes
democracias do mundo já foram hackeadas utilizando tais técnicas de
manipulação. O alvo atual é o nosso país, com uma das mais importantes
democracias do mundo. Não vamos deixar que essas forças nos joguem uns contra
os outros, rasgando nosso tecido social de uma maneira irrecuperável.
P.S.: Por favor, pesquise
extensamente sobre todo e qualquer assunto que expus aqui, e sobre o qual você
esteja em dúvida. Não sou de nenhum partido. Sou filósofo e, como filósofo, me
interesso pela verdade, pela ética e pelo verdadeiro debate de ideias.
Rafael Azzi é mestre em
Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto e doutor
em Filosofia pela PUC-RJ.
Acesse o canal ‘Luciano Siqueira opina’, no YouTube https://bit.ly/2KURJOl
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