Acreditar em quê?
Luciano Siqueira
Sim, é
verdade que muita gente no Brasil acredita que a Terra é plana – inclusive parlamentares
e supostos filósofos perfilados em torno do presidente da República, que se não
chega a verbalizar tamanha sandice, acolhe terraplanistas com todas as honras.
Agora,
pesquisa do Pew Research Center, que entrevistou
32 mil pessoas em 20 países antes da crise do novo coronavírus, revela que 36% dos brasileiros
abordados declararam dar pouco ou nenhum crédito a cientistas — a maior taxa de
respostas negativas nessa questão mundo afora.
Parece descrença na paixão finda, como no samba gravado por Beth
Carvalho: “Acreditar, eu não/Recomeçar, jamais/A vida foi em
frente...”
Mas nesse caso de descrença retrógada na ciência nada irá em frente além
do obscurantismo momentaneamente reinante no País.
Uma amiga me contou, estarrecida, diálogo com um dos médicos que atende
familiar seu internado numa unidade hospitalar do Recife.
O dito cujo, posético no seu jaleco branco, estetoscópio sobre os
ombros, simplesmente disse não acreditar que tanta gente esteja indo a óbito
vítima do novo coronavírus. Talvez uns quinze por cento, sim. O restante fica
por conta das redes de televisão sensacionalistas.
Deve ser um desses que não creem na ciência.
Acreditarão em quê, afinal?
Crenças diversas à parte, incluindo a fé religiosa nos seus diversos
matizes, ao final da segunda década do século 21 tanta gente se manter alheia e
infensa ao progresso científico assusta.
Chego a experimentar o desconforto de quem pensou um dia dedicar-se à
pesquisa científica, preferencialmente no terreno da química fundamental, mas
preferiu a medicina.
Não por descrença, obvio, mas pela experiência de um mês inteiro num
curso introdutório de novo método do ensino da química, no CECINE, Centro de
Ciências do Nordeste.
A manhã inteira pesando, observando, anotando e fazendo cálculos em
absoluto silêncio.
O laboratório parecia velório de gente rica: silêncio absoluto!
Eu que desde criança, apesar de tímido, sempre valorizei o diálogo, a
conversa olhos nos olhos, percebi que não daria para aquele ofício. Desviei-me
para a medicina, o que não seria traição à ciência, longe disso, mas me
permitiria o contato vivo com as pessoas por dever de ofício.
Pois bem. Não me fiz cientista e as responsabilidades políticas me
afastaram da prática médica, mas sigo me agarrando à ciência para entender o
mundo.
Lamento muito que tenhamos assumido o pódio da ignorância mundial
na tal pesquisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário