Com Haroldo em
Jundiaí
Luciano Siqueira
O bom dirigente não impõe; esclarece,
convence, motiva. E educa pela atitude, pelo gesto, pela palavra, pelo exemplo.
Haroldo Lima era um ótimo dirigente. Um
grande líder.
Desde a Ação Popular, no final dos anos
60 e início dos 70, e a partir do ingresso de todos nós no Partido Comunista do
Brasil em 1972, foram incontáveis encontros, diálogos e empreitadas comuns.
Ontem, sob o impacto da dor da perda,
me vieram muitas recordações das oportunidades de convivência com Haroldo, o “Zé
Antonio”.
Um líder convicto, aguerrido, sempre
disposto a encarar todo e qualquer desafio.
E também um educador — como devem ser
todos os bons dirigentes comunistas.
Entre 1973 e 1974, não me recordo
exatamente a data, tivemos um encontro de um dia inteiro em São Paulo, sob os
rigores da militância clandestina.
À época, ainda na transição da
incorporação da AP ao PCdoB, constituíamos uma direção regional com jurisdição de
Alagoas ao Ceará, Alanir Cardoso, Bosco Rollemberg, Oswald Barroso, Rui Frazão
e eu (secretário político).
Em São Paulo, após estafante viagem de
mais de 40 horas de ônibus, fui recebido por ele num ponto de rua, ao
anoitecer. No lusco-fusco, como gostava de dizer.
Ele seria naquele instante meu contato
com o Comitê Central.
Com o entusiasmo de sempre, antecipou:
— E aí “Miguel” (meu nome de guerra), tudo
firme? Não temos um aparelho disponível para conversarmos, nossa reunião vai
ser numa viagem de trem.
Eu me hospedara numa pensão no Brás e
aproveitaria a viagem para comprar roupas para revender no interior do
Nordeste. Sobrevivíamos, Luci e eu, como vendedores ambulantes.
Dia seguinte tomamos um trem até
Jundiaí, onde passamos o dia perambulando e dando conta da nossa pauta.
Nunca esqueci o seu empenho em me
mostrar muitas coisas enquanto discutíamos, chamando a atenção para o padrão de
vida de uma cidade de interior num estado rico.
Levou-me ao comércio de máquinas e implementos
agrícolas, comentando as diferenças do nível de utilização da tecnologia entre a
agricultura paulista e o que nós tínhamos então nas áreas mais atrasadas do
Nordeste.
- É o desenvolvimento desigual do
capitalismo, Baixinho!
E tome digressão teórica em linguagem simples,
perfeitamente compreensível.
Na longa viagem de volta (residíamos em
Santana do Ipanema, sertão alagoano) refleti sobre muitos detalhes do rico
diálogo com ele, impressionado com a sua capacidade de cumprir as duas tarefas
dirigentes ao mesmo tempo: a troca de informes e a discussão dos problemas em
pauta; e o esforço em despertar minha atenção para uma realidade que eu não
conhecia e me estimular a ler sobre o assunto.
Atribui-se a Gramsci a assertiva de que
um dos critérios para avaliar o desempenho de um dirigente revolucionário é a
sua capacidade de formar novos quadros.
Haroldo era um grande dirigente e tem
lugar destacado na galeria dos líderes educadores do quase centenário Partido Comunista
do Brasil.
Renato Rabelo, esse gigante que nos
lidera e nos orienta, disse ontem em emocionado pronunciamento que “esta não
era a hora de Haroldo partir”.
Realmente, no tempo difícil e arriscado
que vivemos em nosso país, Haroldo faz uma falta enorme!
E estará presente na memória de todos
nós, antigos e novos militantes, que tivemos a felicidade de conviver com ele.
— “Baixinho”, presente!
*
Leia também "Haroldo Lima: Mais de meio século de lutas" bit.ly/3slKyAb
3 comentários:
Em 1969 tive uma reunião com ele, Zé a Luiz Guedes e Valdi Dantas, eu representando a direção regional do PCBR.Não sabia do seu nome real. Só conhecia Valdibe Zé Luiz. Sempre desejei, um dia encontrar- me com ele e rememorar.Naquela época o PCdoB estava na onda do marxismo-leninismo-pensamento Mao-Tse-Tung.
Realmente, não estava na hora de Haroldo partir...
Pelo que vi neste homem, humilde e preparado pra luta, fica em minha memória sua capacidade em dividir conhecimento.
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