Passaram-se quase 150 anos, mas a essência do futebol segue a mesma
Série
da Netflix sobre origem do esporte tem equipe jogando no mesmo esquema do City
de Guardiola
Tostão, Folha de S. Paulo
Assisti, pela
Netflix, a dois dos seis capítulos da série The English Game,
produzida no ano passado, sobre as relações entre a elite industrial inglesa e
os trabalhadores. Na mesma história, a série trata do período inicial do
futebol, em 1879, na Inglaterra.
Dizem que o
futebol começou na China, há mais de dois mil anos. Ainda não aprenderam a
jogar. Na Idade Média, chegou à Europa, e os trabalhadores brincavam com a bola
no intervalo das construções das igrejas medievais. Deve ser por isso que
demoraram tanto para ficarem prontas.
Em 1863, foi
fundada em Londres a Football Association, a primeira entidade a organizar o
futebol no mundo. Foram definidos os 11 jogadores de cada lado e as 17 regras,
que continuam até hoje. Em 1872, foi realizado o primeiro jogo internacional,
entre Inglaterra e Escócia. Terminou 0 a 0. Nascia a retranca.
O futebol teria chegado ao
Brasil em 1894, trazido por Charles Miller, filho de um inglês com
uma brasileira. Ele trouxe duas bolas, uma agulha para encher a bola, dois
uniformes e dois livros de regras.
Alguns contam
uma história diferente, que o descobrimento do Brasil não foi por acaso. Cabral
estava doido para jogar uma partida de futebol e já sabia que os índios eram
bons de bola. Ao chegar perto da costa brasileira, Cabral gritou: “Bola à
vista”. O jogo terminou 10 a 1 para os índios. Deixaram os descobridores fazerem
um gol em troca de presentes. Nascia a pelada, pois os índios jogavam nus.
O árbitro da
pelada entre portugueses e índios foi Pero Vaz de Caminha. Depois do jogo, ele
escreveu ao Rei Dom Manuel I: “Em se treinando, bom futebol dá”. Aproveitou
para pedir emprego a sua família. Nascia o nepotismo e o jeitinho brasileiro.
A série The
English Game mostra no primeiro capítulo um jogo entre a elite industrial, que
dominava o futebol, como aconteceu também no início do esporte no Brasil, e os
operários. Patrões contra empregados. A equipe operária tinha contratado para
trabalhar e para jogar um craque da Escócia. Começava o profissionalismo.
Na primeira
parte do jogo, os patrões venceram com facilidade, graças a condutas escusas,
trombadas, puxões de camisa e agressões, pois não havia faltas. Aí, o craque
escocês reuniu o grupo de trabalhadores e disse: “Vamos sair da confusão. Cada
um vai para um lado, e vamos trocar passes, passar, deslocar e correr para
receber a bola”. Viraram o placar. Nascia a tática.
O craque
escocês, uma mistura de jogador e técnico, mostrou também aos companheiros a
estratégia de jogo, com 2 zagueiros, 3 no meio-campo e 5 na frente (2-3-5). Foi
o primeiro esquema tático usado no futebol, na Europa e no Brasil.
O jogo me
lembrou alguns aspectos atuais do futebol. O Manchester City costuma atuar no
2-3-5, com dois zagueiros, três no meio-campo (um volante e os dois laterais
que fecham para serem armadores) e cinco no ataque (dois pontas abertos, dois
meias ofensivos e um centroavante). Uma característica marcante do City, dirigido por Guardiola, é trocar
passes desde o goleiro, como já pedia o craque escocês aos companheiros.
Assim como o
gol confirma a eficiência de uma equipe e o drible é o símbolo do jogo
individual e da improvisação, o passe representa, em qualquer estratégia, o
futebol coletivo, a solidariedade e a organização do time. Passaram-se quase
150 anos e muitos ainda não descobriram o óbvio.
[Ilustração: Lorenzato]
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