Eletrobras e crise hídrica,
as 3 pragas do Egito a caminho
Luis Nassif, Jornal GGN
Para completar as 7 pragas do Egito,
faltam 4. A terceira já está a caminho: a crise hídrica.
As duas anteriores resultaram em
desastres. A guerra contra pandemia Covid-19 e a guerra contra a crise
econômica terminaram com derrotas acachapantes, administradas respectivamente
por Eduardo Pazuello e Paulo Guedes.
A próxima guerra, além da reconhecida
incapacidade operacional do governo, poderá ter o agravante de ser acompanhada
pela mais radical e suspeita operação da história do mercado de energia
brasileiro: a privatização da Eletrobras, acompanhada da descontratação da
energia produzida pela empresa.
Há dois mercados de energia no país.
O tradicional é da energia contratada, geração de energia de antigas
hidrelétricas, já amortizadas, cujas tarifas limitam-se a cobrir os custos
operacionais. Essa energia é vendida para as distribuidoras através de
contratos de longo prazo, garantindo uma relativa redução do custo da energia.
O segundo mercado é o livre, no qual a energia é livremente negociada.
Trata-se de um mercado bastante
volátil. Em tempos de reservatórios cheios, há geração de energia mais barata,
derrubando as tarifas no mercado à vista. Em períodos de seca, as tarifas
explodem. Em períodos normais, as tarifas são imensamente mais elevadas do que
as da energia contratada.
O Congresso está prestes a avalizar
uma das operações mais nefastas da história das políticas públicas brasileiras:
a privatização da Eletrobras. Pior: na véspera da mais grave crise hídrica dos
últimos 90 anos.
Significará uma explosão sem paralelo
nos preços das tarifas.
Ainda não caiu a ficha
da opinião pública sobre o que essa crise significa.
Vamos
por partes
Sobre a crise hídrica
Sugiro
assistir o vídeo com o debate do GGN com Altino Ventura Filho, ex-presidente da
Eletrobras, e com o professor Ronaldo Bicalho, do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Está no pé do artigo.
Altino
dirigia Itaipu na época da crise hídrica e energética de 2001. Acompanhou dia a
dia o esvaziamento da represa e a grande batalha para superar a falta de água,
em pleno processo de desregulamentação do setor, na reforma desastrosa de
Fernando Henrique Cardoso.
A
seca de agora é reflexo da redução das chuvas no período anterior. Vai chegar
no final do ano com os reservatórios a fio – isto é, escorrendo apenas as águas
que recebem, sem nenhuma sobra para acumular.
Depois, dependerá da
natureza. A próxima temporada de chuva – diz Alcino – não guarda nenhuma
relação com o que está ocorrendo. Dependerá dos caprichos da natureza. Poderá
haver chuvas torrenciais ou o prolongamento da estiagem. Havendo prorrogação da
estiagem, em 2022 o Brasil enfrentará um período similar ao da Inglaterra no
final da Segunda Guerra.
Não
se trata de um desafio pequeno. Embora gravíssima, a pandemia matou quase 500
mil pessoas, mas não afetou todos os lares brasileiros. Já a crise de energia
afetará todas as residências e todas as empresas, em um momento em que a
indústria tenta recuperar a produção.
A
gestão da crise não é trabalho para amadores. Haverá necessidade de convencer
os consumidores a reduzir o consumo, administrar a escassez, definir
prioridades – como hospitais -, administrar pressões. Haverá o conflito entre a
produção de energia e a necessidade de água para a agricultura. Haverá a
demanda de empresas eletrointensivas e a prioridade das pequenas e micro
empresas. E, especialmente, um salto no custo das tarifas, antes mesmo da
privatização da Eletrobras, devido à necessidade de se atingir o equilíbrio
financeiro dos contratos com as distribuidoras.
A privatização da Eletrobras
O
butim da privatização da Eletrobras reside em uma jogada óbvia, indecentemente
óbvia: a possibilidade de descontratação da energia gerada. A Eletrobras
administra hidrelétricas antigas, já depreciadas. No início de geração, as
usinas tinham um fator de depreciação do capital que é incorporado à tarifa.
Terminado o prazo, o único custo da usina é operacional. E o custo operacional
de usinas hidrelétricas é baixo.
O
que se pretende é simples. Adquire-se a Eletrobras pelo que ela fatura hoje,
com a energia contratada. No momento seguinte, há o fim da contratação e a
energia será jogada no mercado livre.
É uma jogada tão indecentemente
óbvia, que bastaria o Congresso não permitir a descontratação para
imediatamente a Eletrobras deixar de ser interessante. Ou seja, o ponto central
da jogada é uma explosão nas tarifas, jogadas nas costas dos consumidores.
É nesse contexto que se discute a
privatização da Eletrobras, em um processo absolutamente nebuloso. A maneira
como a Medida Provisória tramitou pela Câmara e está tramitando pelo Senado é
típica das “tacadas” – o termo que se usa quando se abre a porteira e deixa a
boiada passar.
Haverá consequências desastrosas não
só para os consumidores, mas para os políticos que patrocinarem essa loucura.
Na Califórnia, uma desregulamentação
mal conduzida acabou com o reinado do Partido Democrata e abriu espaço para um
autêntico outsider, Arnold Schwarzenegger, o “exterminador do futuro”.
Não apenas isso. O mundo está em
pleno processo de transição para a mais importante revolução energética desde a
descoberta da energia fóssil, que impulsionou a primeira revolução industrial.
Parte-se para a energia limpa, um terreno no qual o Brasil poderia ser o grande
vencedor. Essa coordenação exige o papel de uma estatal. Não haverá regulação e
agências reguladoras que conseguirão implementar novas políticas. Há a
necessidade de pesquisa em inovação. E a única empresa que investe em
laboratórios de pesquisa é a Eletrobras.
.
Veja: É
preciso cuidar agora para evitar o pior https://youtu.be/VKvI9Ht196U
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