Essa gente não sabe o que diz
Luciano Siqueira
Minha relação com o computador se iniciou sob um
clima de desconfiança. Da minha parte, claro. O amigo Eduardo Bomfim me falava
das vantagens de escrever, corrigir, apagar, retomar ao texto original... tudo
sem precisar refazer as coisas desde o início, como na máquina datilográfica ou
no caderno de anotações. E da definitiva maravilha da Humanidade, a internet:
“Numa fração de segundos, você envia uma carta para alguém no Japão, que lê e
responde no ato!”, argumentava.
Meio conservador quando se trata de abrir mão de
coisinhas simples que me dão prazer, resisti até quando pude. Deixar minhas
fichas de leitura em cartão grosso pautado, nem pensar. E aquele barulhinho
rítmico da máquina datilográfica, como viver sem ele?
Mas eis que minha filha Neguinha inicia o curso de
arquitetura e um pc passou a ocupar espaço em nosso escritório de casa. Daí
para que eu me convertesse às facilidades informáticas, foi questão de minutos.
Amor à primeira vista – irresistível.
Já se foram alguns anos e posso assegurar que, com
o computador, melhorou muito a minha capacidade de fazer inúmeras coisas ao
mesmo tempo, além de ler, anotar, escrever, imprimir, divulgar. Em reuniões,
laptop à mão, faço os registros necessários, preparo minhas próprias
intervenções – e economizo papel, no que, segundo me asseguram os
ambientalistas, ainda contribuo para a saúde do Planeta. Sem falar que me
comunico com muita gente via e-mail, pelo Twitter e Facebook e, mesmo sem muito
entusiasmo, pelo Orkut.
Tudo bem? Nem sempre. Aqui e acolá alguém tenta
meter uma cunha entre mim e a informática. Por puro preconceito, acho. “Poxa,
você não larga esse laptop!”, critica uma companheira de direção no PCdoB, ela
bem situada na política e na vida, moderníssima. Ao que retruco com ironia: “E
você não larga esse bloco de notas!”. No confronto direto, a razão está ao meu
lado.
Se estou escrevendo algo e necessito de uma
informação atualizada, basta acionar o Google que a tenho incontinenti. Um
breve diálogo com o amigo a cinco mil quilômetros de distância, o msn me
socorre na hora. Isso sem falar em minhas fichas de leitura, de há muito
alçadas ao status de arquivo informatizado. E minha biblioteca particular,
agora toda arrumadinha, com sistema de busca instalado.
Por que então gente esclarecida e sensata implica
com quem anda com um laptop a tira colo? Resistência à inovação, com certeza.
Dificuldade de alterar comportamento enraizado.
Ainda bem que as novas gerações nada têm contra.
Meu neto Miguel, quando ainda curtia seus dois anos e meio, mais ou menos, ao
receber um DVD de presente, dirigiu-se ao pc, ligou a geringonça, colocou o
disco no drive e acomodou-se na cadeira para assistir o filminho que contava
aventuras de pinguins, focas e ursos. Numa boa.
Bom, cá no aeroporto de Guarulhos, em longa espera
de um voo para Recife, li umas tantas coisas, escrevi outras, inclusive essa
despretensiosa crônica com o auxilio do meu laptop – a que rendo minhas
homenagens, parafraseando o Cristo agonizante: “Perdão, essa gente não sabe o
que diz...”. (Publicada originariamente em dezembro de 2010)
.
Veja:
O ritmo e o tom do povo nas ruas agora https://bit.ly/2UAeyfR
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