Intervenção armada: crime inafiançável e
imprescritível
Preço
a pagar por atravessar o Rubicão pode ser alto
Ricardo
Lewandowski
Ministro do Supremo Tribunal Federal e professor
titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo
Folha de S. Paulo
Em 49 a.C., o general romano Júlio César,
após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo
lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o
referido curso d’água à frente das legiões que comandava, pronunciando a
célebre frase: “A sorte está lançada”.
A ousadia do
gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse
o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi
assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo
Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William
Shakespeare.
O episódio revela, com exemplar
didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor
sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela
força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os
transgressores.
No Brasil,
como reação ao regime autoritário instalado
no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu,
no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que “constitui
crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e
militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
O projeto
de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de
Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos
autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de
subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o exercício dos
poderes constitucionais”. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de
Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de violência ou grave
ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos são sancionados
com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.
No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil recentemente aderiu e que criou
o Tribunal Penal
Internacional, tipificou como crime contra a humanidade,
submetido à sua jurisdição, o “ataque, generalizado ou sistemático, contra
qualquer população civil”, mediante a prática de homicídio, tortura, prisão,
desaparecimento forçado ou “outros atos desumanos de caráter semelhante, que
causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade
física ou a saúde física ou mental”.
E aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a
eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no
artigo 142 da Lei Maior, para a “defesa da lei e da ordem”, quando realizada
fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em
momento posterior pelos órgãos competentes.
A propósito, o Código Penal Militar estabelece,
no artigo 38, parágrafo 2º, que “se a ordem do superior tem por objeto a
prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da
execução, é punível também o inferior”.
Esse mesmo
entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos
realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar
criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que
se dispõem a transpassar o Rubicão.
.
Veja:
Convergência quanto à necessidade de ampliar as alianças https://bit.ly/3kbDHqq
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