Há em tudo
que fazemos
Fernando
Pessoa
Há em tudo que fazemos
Uma razão (?) singular:
É que não é o que qu’remos.
Faz-se porque nós vivemos,
E viver é não pensar.
Se alguém pensasse na vida,
Morria de pensamento.
Por isso a vida vivida
É essa coisa esquecida
Entre um momento e um momento.
Mas nada importa que o seja
Ou que até deixe de o ser:
Mal é que a moral nos reja,
Bom é que ninguém nos veja;
Entre isso fica viver.
[Ilustração: Daniel Pena]
Veja: Você escolhe o tema e a gente comenta https://bit.ly/2YS51Di
A militância nossa de cada época*
Luciano
Siqueira
Certa vez, como ocorre com frequência, um grupo de estudantes me entrevistou demoradamente (no meu gabinete de vice-prefeito do Recife) acerca do período do regime militar.
Perguntas
várias, curiosidade comovente, misto de surpresa diante da descoberta de fatos
dramáticos da vida brasileira (dos quais sequer suspeitavam — haviam lido
alguma coisa, adiantam, mas não tinham ainda conversado com ninguém que os
tivesse vivido diretamente); e de alumbramento, por chegarem "tão
perto" (no dizer de um deles), através do nosso relato, de coisas
"quentes" de nossa História recente.
(O bom dessas
entrevistas com jovens estudantes é isso: o despertar para o conhecimento da
História real e a descoberta do povo como protagonista).
Mas eis que, ao
término da conversa, uma jovem do rosto sardento e jeito tímido, óculos de aros
escuros, que me chamara a atenção pelo quase mutismo e pelo olhar grave,
pergunta:
- É muito mais
fácil ser militante hoje do que naquele tempo, não é mesmo?
- Não. Hoje,
sob certos aspectos, é até mais difícil.
Diante do ar
surpreendido dela e dos seus colegas, esclareci:
É certo, sim,
que a militância partidária, especialmente no Partido Comunista, naquela época,
era muito difícil. Atuávamos clandestinamente, sujeitos a privações e a riscos,
com a cabeça colocada a prêmio. A qualquer momento podíamos ser presos e
torturados, como de fato fomos; ou a ter a vida sacrificada, como muitos
companheiros tiveram, assassinados sob tortura ou em embate aberto com as
forças da repressão policial.
Porém, como a
militância é uma opção consciente, uma atitude subjetiva — era relativamente
simples justificá-la: o regime de exceção, o povo sufocado, vilipendiado e
submetido a um modelo de desenvolvimento excludente. Lutar era, assim, um
imperativo de consciência.
Hoje já não
temos nossas cabeças colocadas a prêmio. Não corremos o risco de agravos à
integridade física.
Mas, do ponto
de vista subjetivo, a militância implica encontrar respostas para uma gama
enorme de problemas teóricos e políticos — da perspectiva socialista aos
intricados assuntos relacionados com a situação política atual, a ruptura
institucional no processo de impeachment da presidenta Dilma ao arrepio da
Constituição, o retrocesso às políticas neoliberais encetado pelo interino
governo Temer e agora a regressão civilizatória intentada por Bolsonaro, e
mesmo o desgaste da esfera política aos olhos da maioria da população.
Antes sofríamos
a pressão dos tanques e das baionetas, hoje, o torpedeamento da mídia, a
complexidade do debate de ideias.
Nesse sentido,
a militância política será sempre um desafio instigante. E também uma fonte de
felicidade pessoal, quaisquer que sejam as circunstâncias — em qualquer época.
*Crônica dos meus arquivos pessoais.
.
Aqui a gente também se encontra https://bit.ly/3mlWMJ0
.
Arte é vida: Carlos Décimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário