24 outubro 2021

A estranha linguagem do futebol

É difícil compreender palavras e expressões estranhas, como 'quebrar linhas'

Nas últimas décadas, houve grande evolução científica na maneira de jogar, e isso é importante, não a nova linguagem
Tostão*, Folha de S. Paulo

 

A maioria das pessoas, geralmente jovens e adolescentes, que começam a gostar de futebol não querem apenas torcer. Querem também entender. Assim, o jogo fica mais prazeroso. Porém elas têm muita dificuldade de compreender a terminologia, as explicações técnicas e táticas, os clichês, as milhares de regrinhas da arbitragem, as incertezas do futebol e tantas outras coisas.

Mais difícil ainda é compreender algumas palavras e expressões estranhas, que não se explicam, repetidas dezenas de vezes, como "quebrar linhas", "atacar espaços", "atacar a bola", "trocação", e muitos verbos, como "espetar" e "espirrar".

Nas últimas décadas, houve uma grande evolução científica na maneira de jogar. Isso é novo, moderno e importante, não a nova linguagem.

Alguns conceitos e explicações são confusos. Em todas as equipes brasileiras e estrangeiras que atuam com três zagueiros, os três jogam em linha. Não há zagueiros na sobra nem líberos, como gostam tanto de dizer. O líbero do passado atuava atrás dos dois zagueiros, para fazer a cobertura, e se transformava em meio-campista quando a equipe recuperava a bola.

Nas equipes que jogam com três zagueiros e com dois alas, estes costumam atuar na linha do meio-campo, deixando muitos espaços nas costas. Os zagueiros tentam sair para a lateral, para fazer a cobertura, e costumam chegar atrasados.

A moda é fazer uma linha de cinco atrás (três zagueiros e dois defensores pelos lados). Poucos times conseguem, como o Chelsea, defender com cinco e avançar com muitos jogadores quando recuperam a bola. São times defensivos e ofensivos.

Com frequência, tratam o trio do meio-campo, com dois volantes em linha e um meia de ligação à frente dos dois —assim jogam quase todos os times brasileiros—, como se fosse igual ao trio formado por um volante centralizado e um meio-campista de cada lado, que jogam de uma intermediária à outra e que marcam, constroem e atacam. Assim atuam quase todas as equipes europeias.

Uma terminologia frequente no futebol é a do falso centroavante, que seria o jogador mais adiantado e que não se limitasse a atuar próximo à área, para finalizar ou para ser um pivô. Deveria ser o contrário. O verdadeiro centroavante é o que se movimenta, que participa das jogadas ofensivas e que ainda faz gols.

Habilidade, técnica e talento são tratados, muitas vezes, como se fossem sinônimos. Cristiano Ronaldo possui a habilidade de um bom jogador e uma técnica exuberante, dos grandes craques. A técnica é a execução dos fundamentos da posição, além da lucidez para fazer as escolhas certas e entender o jogo coletivo.

Vinicius Junior tem evoluído porque, além de ser bastante hábil e veloz, tem melhorado a técnica. No Brasil, adoram exaltar os meias hábeis, dribladores, velozes, mas com pouca técnica. Depois, não entendem por que não se tornaram craques. O talento é a síntese da habilidade, da técnica, da criatividade e das condições físicas e emocionais.

Cada profissão tem uma linguagem e uma terminologia, que, muitas vezes, são incompreensíveis para as pessoas de outras atividades. De vez em quando, aparece, nas coberturas policiais, um falsário, criminoso, chamado de antissocial, que, sem diploma, decora os atos e a linguagem de uma profissão para exercê-la. Soube de um que chegou a ser chefe de um setor importante de um hospital, antes de ser descoberto e preso. Dizem até que era competente.

[Ilustração: Francisco Eduardo]

*Médico, cronista, ex-jogador campeão mundia de futebol pela seleção brasileira

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