23 outubro 2021

Crônica do sábado

Máscaras que nos confundem

Luciano Siqueira



A pandemia nos obriga a usar máscaras.

Elas esquentam, incomodam — mas nos protegem, asseguram corretamente anúncios na TV.

E nos confundem.

No supermercado o velho amigo me olha, e eu a ele, ambos com ar inquiridor.

— É Luciano?

— Sim, respondo abaixando parcialmente minha máscara.

— Sou Gumercindo, cara (também afrouxando a máscara), quanto tempo!

Realmente, de máscaras nem sempre somos facilmente reconhecidos.

Nos velhos filmes do faroeste norte-americano da minha pré-adolescência, os caras punham máscaras como as de agora, que ocultam apenas parcialmente o rosto, assaltavam bancos e não eram reconhecidos.

Reconhecer de pronto implica a lembrança do olhar.

Ou você guarda na memória horas de olhos nos olhos ou mesmo breves encontros passados, ainda que fortuitos, marcantes; ou não tem jeito.

Ou o jeito é tirar a máscara... por alguns segundos e à distância.

Se não, podemos nos equivocar facilmente.

Como me ocorreu ontem, numa clínica, onde aguardava laudos de exames radiológicos.

À minha frente uma senhora de porte mediano, morena, máscara escura e olhar apreensivo. Imaginei de pronto que seria uma colega do curso médico na UFPE que não vejo há anos.

Pensei em abordá-la, mas desisti porque ela parecia também não me reconhecer.

Solicitado pela moça do guichê, pronunciei meu nome em voz alta, observando-a de soslaio.

Ela ouviu, sim; mas nem se mexeu.

Em seguida, foi a vez dela: “Senhora Maria das Dores de tal...”

Frustrei-me. Realmente não era a minha colega de Faculdade.

Apenas os olhos eram semelhantes, a face semi ocultada pela máscara.

E a emoção se foi.

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