Elias Jabbour: Taxar grandes fortunas representa menor
desigualdade
Em entrevista, o professor diz
que Lula está certo ao afirmar que colocar os ricos no imposto de renda não é
buscar equilíbrio fiscal, mas uma menor desigualdade
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Professor de
Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Elias
Jabbour diz que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está certo
ao explicar que colocar os ricos no imposto de renda não é buscar equilíbrio
fiscal, mas uma menor desigualdade social.
“Já causa um horror
estranho. E isso é um case brasileiro, porque, por exemplo, na Europa, a
taxação de grandes fortunas é uma realidade. Nos Estados Unidos, que é o país
onde todos eles se inspiram enquanto sociedade, enquanto modelo de sociedade, a
herança, por exemplo, é taxada em 40%. Aqui é 4%”, criticou Jabbour em
entrevista ao Brasil de Fato.
Para ele, também há
uma discussão que a esquerda no país precisa enfrentar. “De que quem gera
emprego no Brasil é empresário. A gente tem que parar de ouvir esse tipo de
coisa, esse tipo de afirmação, e não responder a altura. O que gera emprego no
Brasil é demanda”, disse.
Jabbour diz que tem
não tem problema em discutir equilíbrio fiscal, em discutir reforma
trabalhista, discutir reforma previdenciária, desde que o país esteja crescendo
4%, 5% ao ano, e com uma taxa de investimento de 20%, 25%.
No campo
internacional, o professor fala sobre BRICs, Mercosul, China e Estados Unidos.
“Vivemos uma era da pós-verdade. A China virou um país imperialista e os
americanos continuam sendo o país que vai trazer a paz e a estabilidade
mundial, quando é o contrário, o caos virou instrumento do governo por parte
dos Estados Unidos”, afirmou.
Confira a
entrevista na íntegra:
O governo Lula já
começa a tomar corpo. O Fernando Haddad foi escolhido para o Ministério da
Fazenda e, óbvio, gerou reações do mercado. Ele, inclusive, chegou a comentar
nos últimos dias que recebeu uma missão do Lula, de colocar os pobres no
orçamento e de colocar os ricos no imposto de renda. Qual é o tamanho dessa
tarefa?
É imensa. No sábado
retrasado, um dos principais economistas do campo neoliberal no Brasil, o
Marcos Lisboa, fez uma robusta matéria na Folha de São Paulo, explicando porque
a taxação de grandes fortunas não iria dar os resultados fiscais esperados no
Brasil.
A grande questão
que eu vejo é que, se nós entrarmos nessa discussão de que nós vamos usar a
taxação de grandes fortunas como forma de buscar equilíbrio fiscal, nós
perdemos a discussão. Eu acho que o nosso foco deve ser o que o Lula está
tentando fazer e explicar que colocar os ricos no imposto de renda não é buscar
equilíbrio fiscal, mas buscar uma menor desigualdade social no Brasil.
Até porque, todo
mundo que estuda economia sabe que o financiamento do investimento de grandes
empreendimentos no Brasil, que serão necessários para os próximos anos, não
virá dessa redistribuição de renda, mas sim de bancos públicos, de outras
fontes que não são orçamentárias.
Agora, o Brasil é
um país tão atrasado do ponto de vista do pensamento das suas classes
dominantes que o fato delas se imaginarem sendo taxadas pelos seus ganhos,
lucros e dividendos já causa um horror estranho. E isso é um case brasileiro,
porque, por exemplo, na Europa, a taxação de grandes fortunas é uma realidade.
Nos Estados Unidos, que é o país onde todos eles se inspiram enquanto
sociedade, enquanto modelo de sociedade, a herança, por exemplo, é taxada em
40%. Aqui é 4%.
Teve até uma época
que, quando o Brasil estava para entrar na OCDE (Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico) – ainda bem que não aconteceu isso -, a deputada
federal Carla Zambelli (PL) foi brincar conosco: “Olha, pro PT, a esquerda é
Foro de São Paulo, o nosso governo é OCDE”. E teve alguém que respondeu no
Twitter dela, dizendo o seguinte: “Então vamos taxar os ricos como a OCDE
taxa”.
Então, acho que é
uma grande ousadia do governo Lula, porque eu acho que você começa o
enquadramento político que pode abrir relevo para transformações mais de fundo
no Brasil, porque você vai estar quebrando o tabu, você taxar rico no Brasil é
um tabu muito grande. Qualquer coisa no Brasil ainda vira comunismo, é uma
coisa que é muito impressionante.
Mas eu acho que vai
haver essa taxação, até porque interessa aos estados hoje uma reforma
tributária, porque os estados foram altamente onerados durante o governo
Bolsonaro para bancar a redução do preço da gasolina. E isso abre caminhos para
uma discussão que está colocada, e o próprio relator do Orçamento no Senado tem
apontado para essa direção.
Eu acho que a
tarefa da reconstrução do país, e que envolve a taxação de grandes fortunas,
ela é geracional, mas também, ao mesmo tempo, nunca houve tanto espaço político
para essa discussão no Brasil, por conta da situação fiscal dos estados.
Ainda falando sobre
o Brasil, mas fazendo um paralelo com a China, vi um comentário teu nos últimos
dias sobre a dívida pública chinesa, como ela é utilizada para o
desenvolvimento do país. E a dívida pública brasileira é, talvez, um dos
principais assuntos dos liberais hoje, muitos deles que, inclusive, tiveram que
votar no Lula nesta eleição. A dívida pública brasileira é de pouco mais de 70%
do PIB e não representa um risco grande, mas o mercado tem batido nessa tecla
todos os dias. Por que?
Eu tendo cada vez
menos a acreditar que o mercado esteja preocupado com a dívida pública. É muito
claro que eles falam isso o tempo inteiro, que eles usam isso como uma cortina
de fumaça. Não é possível que eles acreditem, apesar deles produzirem artigos
científicos provando o contrário, a partir de formulações matemáticas, que um
país pode quebrar na sua própria moeda.
Eu acredito que
eles usam isso como uma tática política para que essa onda de taxação de
grandes fortunas, de lucros e dividendos, não chegue aqui no Brasil. Eles não
querem ser taxados, porque eles são convencidos de que quem gera emprego e
renda no Brasil são eles e não a demanda.
Tem também essa
discussão, que é duramente teórica, de que quem gera emprego no Brasil é
empresário. A gente tem que parar de ouvir esse tipo de coisa, esse tipo de
afirmação, e não responder a altura. O que gera emprego no Brasil é demanda.
Então eles usam isso, do meu ponto de vista, para não colocar no centro da
discussão qual é o papel deles na sociedade, de fato.
Ou seja, o papel
fiscal deles na sociedade, o papel da riqueza que eles constroem em cima do
trabalho alheio, inclusive da transferência de renda do setor produtivo para o
setor financeiro, não retorna para o setor produtivo. É como se você extraísse
a mais valia da sociedade durante X tempo, um ano, e 30% dessa mais valia da
sociedade não retornasse como o investimento e sim como o lucro e dividendo,
diretamente para o bolso de quem nada produz.
E outro ponto é que
eu acho que a esquerda, o nosso campo em particular, precisa começar a discutir
o que é uma moeda pública e o que é uma moeda privada. Por quê? Porque hoje no
Brasil a emissão monetária, ou seja, a geração de dívida, por exemplo – vamos
usar um termo meio vulgar – a emissão monetária e a precificação da
moeda, ela é responsabilidade de algumas figuras que hoje não tem nem vergonha
na cara mais.
Elas saem dos
bancos, vão para o Comitê de Política Monetária (Copom, órgão do Banco
Central), ficam lá em um mandato de dois, quatro anos, e voltam para os bancos.
E os bancos são os maiores interessados em uma taxa de retorno maior dos
títulos da dívida pública. Por quê? Porque boa parte da lucratividade dos
bancos advém desse lucro em cima da taxa de juros, da Selic.
Que foi o caso do
Paulo Guedes, por exemplo. Que foi sócio do BTG e tem contas fora do país…
Total. Então, a
moeda hoje no Brasil é anti-híbrido. Oficialmente ela é pública, mas é privada.
Enquanto que em outros países, vou falar da China, a moeda é pública, ou seja,
a moeda é vista pelo Estado, pela sociedade como um bem público. E como um bem
público, a moeda deve existir para dar retorno à sociedade sob a forma de bens
e serviços. Aqui no Brasil, não, a moeda acaba sendo uma mercadoria, um meio de
troca. Não existe uma visão mais holística, mais de conjunto do que é a moeda.
E acho que é
fundamental as esquerdas do Brasil tomarem conta dessa discussão e terem pé
dessa discussão. Porque os neoliberais nadam de braçada nesse tema da moeda. O
Marcos Lisboa colocou em termos o seguinte: “olha, como existe muita coisa que
é carimbada no orçamento, X ou Y vai para estados e municípios, então não vai
adiantar usar taxa de lucros e dividendos”. Ou seja, é um argumento muito
forte. Então, eu creio que, da nossa parte, nós devemos ter condições de
enfrentar intelectualmente esse pessoal, que são muito preparados.
A ideia do
liberalismo, que tomou conta do Brasil principalmente na Nova República, desde
os governos Fernando Henrique vem sendo a esteira principal da economia,
independente se o governo é um pouco mais progressista, ou um pouco mais
conservador. É possível virar essa chave, Elias?
Uma pergunta que
não é fácil de responder, porque no nosso campo político, por exemplo, mesmo as
pessoas muito sérias da esquerda brasileira, não vou citar nomes aqui, mas
intelectuais e tal, eles levam a sério essa questão fiscal, eles levam a sério
essa questão da dívida pública e têm isso com uma métrica, de que o país não
pode se endividar muito, tem que ter muito equilíbrio fiscal.
Os mais reticentes,
mais próximos de nós, dizem: “Olha, temos que buscar algum nível de equilíbrio
fiscal”. Só que, o que acontece? Eu tenho falado nas minhas apresentações, nas
minhas aulas, que eu não tenho nenhum problema em discutir equilíbrio fiscal,
em discutir reforma trabalhista, discutir reforma previdenciária, desde que o
país esteja crescendo 4%, 5% ao ano, e com uma taxa de investimento de 20%,
25%. Por quê? Porque você discute essas questões em um momento em que a classe
trabalhadora está numa situação de barganha maior do que a atual, por exemplo.
Então, qualquer
discussão sobre reforma tributária, sobre equilíbrio fiscal, reforma
trabalhista, reforma da previdência, ou qualquer reforma no sentido de mudar
algum marco institucional na economia brasileira, e que leva, inclusive, a mudança
da dinâmica de acumulação, ela sempre será prejudicial à classe trabalhadora
quando estamos em um estado que tem de 10% a 12% de desempregados, fora os 56
milhões de pessoas que estão pra lá e pra cá pra vender o almoço e comprar a
janta.
Vamos discutir tudo
isso, mas vamos voltar a crescer primeiro. Porque se o país volta a crescer, a
dívida pública diminuirá, inclusive, com a volta do crescimento econômico. A
história demonstra que a dívida pública nunca foi impedimento para um país
crescer, até porque para um país crescer, o Estado precisa gerar demanda para o
setor privado. Não existe caso na história em que o setor privado foi o
primeiro a investir, foi o primeiro a colocar o dele na reta.
Eu não falo isso
porque eu sou de esquerda, eu não falo isso porque eu sou “stalinista”, não
falo isso porque eu sou simpático de um Estado poderoso, nada disso. Aliás, eu
acho que existem, por exemplo, setores da economia que podem ser privatizados
para o capital privado nacional, diga-se de passagem. E outros que devem ser
estatizados. Se eu tenho uma característica como pensador, é que eu sou uma
figura completamente desprovida de qualquer dogma. Seja de direita ou de
esquerda.
A ideia da criação
de um teto de gastos, que veio no pós-golpe de 2016, contraria totalmente essa
visão de desenvolvimento que talvez o Haddad tenha começado a colocar em
prática dando essas declarações. É possível derrubar o teto e, de repente,
colocar algum marco regulatório no lugar? Ou nós vamos ter que manter essa
ideia do teto por muito tempo?
Não. Primeiro que,
nem se nós quiséssemos, seria possível manter o teto de gastos, porque ele é
insustentável. O Temer não cumpriu o teto de gastos, o Bolsonaro furou oito
vezes e estava certo, na minha opinião. É incrível ver gente de esquerda bater
no Bolsonaro porque ele furou o teto. Agora, o melhor é não ter teto nenhum,
assim como não ter meta de inflação, na minha opinião.
Agora, a correlação
de forças da sociedade no Congresso não permite que você acabe com o teto de
gastos amanhã, ou mesmo mudar a temporalidade das metas de inflação de um para
três anos, que seria fundamental para o Brasil. O que hoje se permite é a
discussão de um outro marco fiscal, algo que alivie muito essa camisa de força.
É importante que
tenhamos uma correlação de forças para mudanças profundas na dinâmica de
acumulação da economia brasileira, principalmente essa dinâmica de acumulação
que foi reinaugurada com o governo Dilma. Porque não foi somente o golpe. O que
existe em 2016 é uma mudança de dinâmica de acumulação baseada na
superexploração da mão de obra.
Essas mudanças são
geracionais. Elas não vão acontecer em quatro anos, muito pelo contrário. Em
quatro anos, dado o grau de destruição que o Estado nacional se encontra, eu
acredito que se nós mantivermos a frente ampla em pé e tivermos um candidato
competitivo para as próximas eleições, já é uma grande vitória. E evidente que
algumas ações pontuais no sentido de geração de empregos no Brasil como, por
exemplo, a retomada das 38 mil obras paradas que o Brasil tem hoje e que o teto
de gastos impede que essas obras sejam executadas. E isso pode gerar milhões de
empregos no Brasil.
O fortalecimento
dos BRICs, mesmo após os conflitos geopolíticos dos últimos anos, ainda é
possível? Qual sua relevância no mundo de hoje?
Primeiro, eu queria
fazer um comentário anterior à resposta. Hoje está todo mundo falando do Brasil
voltar ao mundo, virou até uma frase de efeito. E eu acho que nós precisamos
precificar essa volta ao mundo. Nós não vamos voltar ao mundo porque somos um
Brasil grande, um país importante, um país relevante. Nós vamos voltar ao mundo
com o preço, que deveria ser a reindustrialização do Brasil.
Nós temos que ter
clareza estratégica de observar os nossos objetivos de longo prazo e a volta ao
mundo como parte desses objetivos estratégicos. Dito isso, é evidente que os
BRICS têm relevância, mas não somente o BRICS, mas o BRICs Plus, que envolve a
Indonésia – que vai ser uma potência do século 21 -, envolve a Turquia, envolve
a Argentina, envolve a Arábia Saudita, envolve o México.
São vários países
que vão fazer parte desse bloco, que vai acabar se constituindo em um bloco
ultragemônico capaz de subverter toda aquela ordem financeira criada no âmbito
de Bretton Woods, baseado no FMI e no Banco Mundial, que hoje são instrumentos
de dominação americana no mundo.
Eu acredito que a
tendência é aumentar o papel dos BRICs, mas nós temos que ter a ideia muito
clara do que a volta do Brasil ao mundo representa, e o preço dela. Eu sou
muito pragmático com essas coisas. Para mim, o preço é a nossa
reindustrialização.
E justamente os
BRICS foram um dos catalisadores da pressão internacional dos Estados Unidos,
por exemplo, contra o Brasil e contra outros países do bloco. Se criava,
naquela época, a ideia do banco dos BRICS e uma moeda que fosse comum aos
países do bloco. Isso pode sair do papel? A ideia talvez se constituísse em um
avanço significativo em relação a dependência do dólar, por exemplo, da
Argentina.
O caso da Argentina
virou um caso clássico, ao meu ver, de que primeiro tem que haver uma união
Sul-americana de nações e que, segundo, precisa haver um processo lento,
gradual e seguro de uma unificação monetária da América do Sul. Não como essa
nos moldes da União Europeia, porque lá envolve uma unicidade de política
fiscal que desfavorece os países da periferia da Europa.
Mas acho que tem
que ser pensado isso. Acho que o Brasil tem que alcançar um grau de intimidade
com a Argentina semelhante ao grau que a China e a Rússia têm hoje, de
intimidade, de quase unidade na política externa, a ponto dessa questão
argentina, da restrição externa, da falta de dólares, ser resolvida em âmbito
regional.
Claro que a entrada
da Argentina nos BRICS é fundamental para que ela resolva os seus problemas. E
não é do interesse do Brasil ter uma Argentina enfraquecida, muito pelo
contrário, porque a Argentina ainda é nosso maior mercado de manufaturados –
acho que a China já nos passou. Nós temos que enfrentar essa questão da
integração regional, que vai salvar a Argentina e o resto do continente. Para
isso, o Brasil precisa voltar a crescer imediatamente.
Agora, essa moeda
dos BRICS, eu acredito que isso pode vir a acontecer, só que eu não sou uma
figura idealista. Eu acho que se a China continuar exportando para a América
Latina imensos bens públicos, como trens de alta velocidade, portos,
aeroportos, estradas, e nós conseguimos barganhar com a China – nós enquanto
América do Sul e América Latina – a transferência dessas tecnologias, eu acho
que vai ser algo simplesmente revolucionário nas relações internacionais,
porque os americanos vão perder completamente o protagonismo aqui na América
Latina. Mas, para isso, o Brasil precisa ter uma visão estratégica.
Os líderes dos
países da América Latina disseram durante todo o processo eleitoral, e também
depois dele, sobre a importância do Brasil para o Continente, como o Brasil
seria, de fato, um motor para o crescimento dos demais. Há a expectativa de que
o Mercosul seja fortalecido agora. Ainda há espaço para o bloco, mesmo com essa
sombra de um BRICs ampliado?
Eu não tenho
acompanhado muito o grupo de transição de Relações Exteriores, mas o Mercosul é
prioridade histórica do Brasil, desde o primeiro governo Lula. Mas eu vejo uma
disputa nessa política externa no Brasil. Eu acho que a ação de ONGs
estrangeiras, por exemplo, aqui na América Latina, como a Open Society e a
Fundação Ford, e a influência que essas fundações têm exercido nas esquerdas na
América Latina é muito forte.
E isso tem se
materializado em um discurso contra Cuba e contra a Venezuela, como é o caso do
Chile, ou os discursos que relativizam nossa soberania sobre a Amazônia. Essa
história da COP-27, do Lula ter chamado o mundo a ajudar a proteger a Amazônia,
demonstra também que existe uma disputa na política externa brasileira, muito
em função da influência que essas ONGs estrangeiras têm aqui na América Latina.
E eu falo isso não
como forma de denúncia, mas sim como constatação do quão danoso aos nossos
interesses é a existência e o funcionamento de uma Open Society aqui, dando
nomes e letras aos bois, cooptando intelectuais da esquerda, financiando esses
intelectuais e levando a uma desradicalização de muitos deles.
Na verdade, o
Brasil precisa fundamentalmente de um projeto nacional de desenvolvimento e
muitas vezes esses intelectuais, influenciados por uma linha – não vou falar
globalista, porque é muito bolsonarista – mas que não atende e não tem relação
com os interesses estratégicos do Brasil, esses intelectuais acabam pensando
mais em termos de democracia, de instituições, e menos em um projeto nacional
de desenvolvimento e em relações profundas com países como a China, a Rússia, a
Índia.
A China costumava
se manter distante, ao menos belicamente, dos conflitos geopolíticos. E isso
tem fugido à regra nos últimos anos. Ela tentou se manter neutra logo no começo
da questão Rússia x Ucrânia, mas logo depois tomou um lado do conflito. Aí veio
Hong Kong, que se tornou um problema novamente, Taiwan também. Agora, surgiram
conflitos na fronteira com a Índia, novamente. Como a China tem se colocado
geopoliticamente no mundo agora? É parte da estratégia mostrar mais força
bélica?
Não. A China apenas
está se defendendo. O caso da Índia é um caso particular, porque é um caso que
já tem mais de mil anos de problema. Mas nos casos de Taiwan e Hong Kong, a
China está apenas se defendendo. Ela não está atacando, não está ameaçando, ela
está apenas se defendendo.
Pra você ter uma
ideia, os Estados Unidos, em dez anos, construíram uma capacidade de isolar a
China de suas exportações e importações no mar do sul da China, construíram uma
força militar suficiente para bloquear a China naquela região. Então, quando a
gente fala que a China está se tornando mais agressiva, passa essa imagem de
que tem porta-aviões dos chineses no golfo do México, o que não é verdade.
O que existe é que
a China está cercada por bases militares americanas e que existe uma ingerência
direta dos Estados Unidos nos seus assuntos internos, seja Hong Kong, seja Taiwan.
Os americanos não param de vender armas para Taiwan e hoje fala-se abertamente
nos círculos do imperialismo que os americanos podem intervir em uma eventual
invasão da China sobre Taiwan.
Porque se passa a
ideia para as pessoas que o conflito entre Rússia e Ucrânia é semelhante ao de
Taiwan e China, coisa que não é verdade. Taiwan é parte da China. Apenas seis
ou sete países do mundo reconhecem Taiwan como um país independente. É o que eu
chamo de gaslighting semiótico. Apresenta-se algo pra gente e tentam te
convencer de que você está louco, que você está lendo outra coisa, que Taiwan é
um ente separado da China.
A capa da The
Economist da semana retrasada fala em “China’s covid failure”, ou seja, que
falhou a política de covid zero da China. E quando você vai ver um gráfico de
morte nos Estados Unidos, tem um milhão de mortes e seis mil na China. É chamar
a gente de louco, porque o gráfico diz outra coisa em relação à capa da
revista.
Não estou aqui
passando pano pra China, não é isso. Mas imagine você, por exemplo, se a China
começar a fazer hoje declarações de que vai apoiar um processo de independência
de Porto Rico em relação aos Estados Unidos? Você imagina o escândalo
internacional que seria isso? E a China não se mete nisso, enquanto os americanos
mandam uma delegação para Taiwan. A Nancy Pelosi foi para Taiwan e eles
continuam vendendo armas.
É a era da
pós-verdade, ou seja, a China virou um país imperialista e os americanos
continuam sendo o país que vai trazer a paz e a estabilidade mundial, quando é
o contrário, o caos virou instrumento do governo por parte dos Estados Unidos.
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