Luis Fernandes: PCdoB tem muito a contribuir no Ministério da
Ciência
Para o cientista político Luis
Fernandes, PCdoB alia “visão estratégica, capacidade de formulação e
experiência de gestão”
André Cintra, Vermelho www.vermelho.org.br
A indicação da
presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, para assumir o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) reafirma a convicção dos comunistas na
urgência de um projeto de desenvolvimento para o Brasil. Vice-governadora e
ex-secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco, Luciana foi
anunciada nesta quinta-feira (22) como ministra do futuro governo Lula, que
toma posse em 1º de janeiro.
Para o cientista
político e diretor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Luis
Fernandes, o PCdoB alia “visão estratégica, capacidade de formulação e
experiência de gestão”. A isso se soma, segundo ele, “uma orientação
estratégica governando toda essa ação – que é a necessidade de estruturação de
um novo projeto nacional de desenvolvimento para o País”.
Dirigente nacional
do PCdoB, Luis Fernandes foi secretário-executivo do MCTI e presidente da Finep
(Financiadora Nacional de Estudos e Tecnologia). Na condição de membro do Grupo
Temático (GT) Ciência e Tecnologia no Gabinete de Transição, ele afirma que a
gestão Jair Bolsonaro (PL) é responsável pelo “maior colapso” na história do
“sistema federal de fomento ao desenvolvimento científico tecnológico”.
“Temos que recompor
a capacidade de financiamento e investimento do governo federal na área e
estruturar um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a partir dessa
capacidade de investimento. Esse é um ponto que já foi atacado na transição”,
diz ao Vermelho Luis Fernandes.
A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) do Bolsa Família, aprovada nesta semana, recompôs o
Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com isso,
será possível reajustar o orçamento das agências federais de fomentos, como a
Finep e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico),
ligados ao MCTI, e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), subordinada ao Ministério da Educação (MEC).
Confira trechos da
entrevista.
Vermelho: No âmbito do
programa do governo Lula, quais são as atribuições mais relevantes do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação?
Luis
Fernandes: O MCTI tem um papel muito importante para a estruturação de um projeto
nacional de desenvolvimento – e estar sob a direção de alguém que entenda,
compreenda e valorize o papel estratégico dessa área para o desenvolvimento do
país é fundamental. O ministério é responsável pela formulação da política
nacional de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, além de
coordenar as atividades de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico no
País. Tem também um papel importante na condução e formulação de políticas
estratégicas nacionais, como o programa espacial, programa nuclear, a política
de desenvolvimento de informática e automação – portanto, a transformação
digital – e a política nacional de biossegurança.
Evidentemente, é um
ministério que não faz isso sozinho – mas, sim, em articulação com outras áreas
de governo afetas a essas temáticas, por meio do sistema nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação. O MCTI articula com os governos dos estados e dos
municípios, parceiros da sociedade civil, parceiros empresariais – e se conecta
com várias prioridades estabelecidas pelo programa de governo da chapa Lula-Alckmin,
eleita nas eleições presidenciais.
Em primeiro lugar,
ele se conecta com o desafio da reindustrialização, pois pode mobilizar
variados instrumentos de apoio. É só o MCTI que, através da Finep, opera alguns
desses instrumentos, como a subvenção econômica para empresas. O ministério
pode integrar crédito, fundos de investimento, subvenção, projetos de parceria
entre empresas nacionais e instituições de ciência e tecnologia. Pode apoiar
projetos estratégicos para montagem de complexos industriais tecnológicos em
diversas áreas, como Defesa, Saúde, Tecnologias de Informação e Comunicação,
sobretudo as orientadas para a transformação digital. Então, é um ministério
muito importante.
Vermelho: O GT Ciência e
Tecnologia denunciou um prolongado desmonte no ministério ao longo dos últimos
anos. Quais dados mais consolidados apontam para esse retrocesso?
LF: O principal
problema na área de Ciência, Tecnologia e Inovação sob governo Bolsonaro – e
isso foi claramente apontado nas conclusões do GT – é o colapso do sistema
nacional de fomento científico, tecnológico e da inovação nacional. Isso é
muito concreto.
O sistema foi
estruturado no início dos anos 1950, no governo Getúlio Vargas, com a criação
do CNPq e da Capes. A ação integrada dessas agências federais de fomento é
fundamental para o desenvolvimento científico-tecnológico nacional. Mas os
recursos disponíveis para as agências chegaram em 2022 a menos de um terço do
valor de investimento que tinham em 2015. É o maior colapso desse sistema.
Vermelho: O que o GT Ciência
e Tecnologia indica como prioridade para o MCTI? A recomposição orçamentária é
a mais urgente?
LF: Temos que recompor
a capacidade de financiamento e investimento do governo federal na área e
estruturar um sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação a partir dessa
capacidade de investimento. Esse é um ponto que já foi atacado na transição.
Parte das discussões da PEC do Bolsa Família envolveu uma ação para recompor no
orçamento de 2023 o valor integral da arrecadação do Fundo Nacional do
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT, que é o principal
instrumento de fomento da área de Ciência e Tecnologia do Brasil.
A conquista dessa
recomposição já vai criar condições muito favoráveis para a área no início do
governo Lula-Alckmin. Teremos condições de reverter, num prazo relativamente
curto, essa crise de financiamento que se materializou sobretudo no governo
Bolsonaro – mas que vem desde antes, com a aprovação da emenda do teto de
investimentos públicos.
Associado a isso,
poderemos de imediato, com a recomposição orçamentária do Ministério, garantir
um aumento do valor das bolsas pelo CNPq, em uma ação articulada com a Capes no
MEC. Isso foi tratado pelos dois GTs da transição e, portanto, poderemos
iniciar o governo Lula Alckmin praticando um reajuste – que esperamos ser
materializado – de 40% no valor das bolsas. Essas bolsas estão desde 2013 –
portanto, há quase dez anos – sem qualquer tipo de reajuste.
Vermelho: Quais outros
desafios?
LF: A questão
fundamental é recompor a estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação,
que foi totalmente desarticulada no governo Bolsonaro. Evidentemente, não era
um governo que tinha uma política nacional de desenvolvimento, muito menos uma
política de reindustrialização do País. Isso tem que ser revertido com a
formulação das bases dessa estratégia, vinculada a objetivos maiores do
desenvolvimento nacional.
Uma das ações será
a remontagem da governança do ministério, a reativação e reconfiguração dos
seus conselhos. Associada às perspectivas e aos desafios do desenvolvimento
nacional, essa ação vai preparar uma discussão ampla desse tema na 5ª
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A última edição foi em
2010, ainda no final do segundo mandato do governo Lula. Isso será retomado de
imediato.
Também propusemos
uma reconfiguração do ministério. Junto ao enfraquecimento da área e à sua
perda de visão estratégica, o MCTI teve descaracterizada a sua estrutura
organizativa, deixando de ter secretarias nacionais voltadas para ações
finalísticas da estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Com a
estrutura proposta pelo GT, o ministério volta a ter essas secretarias
nacionais – o que também deverá ser implementado de imediato.
Vermelho: O PCdoB defende um
projeto nacional de desenvolvimento, baseado justamente na reindustrialização
do País e na valorização da Educação, da Ciência e da Tecnologia. Em que medida
o debate acumulado no Partido pode qualificar a atuação do Ministério sob a
gestão Luciana Santos?
LF: O PCdoB tem muito a
contribuir na gestão do MCTI. Sua formulação estratégica está estruturada em
torno da proposta de formulação, afirmação e execução de uma nova política
nacional de desenvolvimento. Em todos os nossos debates, partimos do
reconhecimento dos impactos da sociedade do conhecimento sobre agendas do
desenvolvimento nacional. É necessário incorporar a Ciência, a Tecnologia e a
Inovação como forças motrizes e um dos pilares centrais da estruturação de um
novo projeto de desenvolvimento para o País.
Temos uma discussão
formulada sobre essa questão com proposições concretas de medidas, ações e
programas que podem ser implementados na busca da promoção da
reindustrialização do Brasil. Isso implica a identificação de setores para
estruturar com tecnologia nacional um complexo industrial tecnológico para
atender a áreas estratégicas – já mencionei aqui Saúde, Defesa, transformação
digital e Energia. O próprio desenvolvimento sustentado da Amazônia é parte de
uma agenda de desenvolvimento e integração nacional.
Há um conjunto de
ações em que temos não só formulação acumulada para subsidiar decisões como
também temos ampla experiência de gestão na área. Eu mesmo já fui secretário
executivo do ministério no primeiro governo Lula e presidente da Finep no
governo Dilma. Temos ampla participação no ministério em diversas áreas,
contribuições consolidadas. Temos experiência de gestão estadual na área.
A própria Luciana
foi secretária de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, além de prefeita de
Olinda. Combinamos visão estratégica, capacidade de formulação e experiência de
gestão. Há uma orientação estratégica governando toda essa ação – que é a
necessidade de estruturação de um novo projeto nacional de desenvolvimento para
o País. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação é peça central na
estruturação e na materialização dessa visão estratégica.
O
mundo gira. Saiba mais https://bit.ly/3Ye45TD
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