Opção alternativa
Defender políticas sociais e investimentos para crescimento econômico exige compensar uma lógica de juros e inflação, evitando a submissão ao mercado financeiro.
Abraham B. Sicsú/Vermelho
Macroeconomia é sempre complicada. Meu orientador de Doutorado, professor Belluzzo, sempre dizia que pensar a economia com a lógica da cozinha de casa vai dar besteira, é muito mais complexo, não existe essa lógica direta e linear.
Infelizmente, a popularização da área econômica pela mídia, optou por isso, nada explica efetivamente, mas os ouvintes e expectadores acreditam entender tudo e assumem “verdades” como absolutas. Um desastre que manipula multidões. Na simplificação tudo fica muito claro, todos crêem.
Quando se inicia o estudo da Economia, um dos pontos sempre abordados é a famosa Curva de Phillips. O conceito desenvolvido na década de 1960, procura mostrar uma correlação inversa entre desemprego e inflação.
A ideia básica é mostrar que há uma ligação do nível de desemprego com o patamar de inflação. Gestores públicos poderiam optar por um acréscimo na inflação para garantir um menor desemprego. Em economias abertas, em um mundo globalizado, as expectativas de mercado seriam fundamentais para definir essa correlação e possíveis índices suportáveis de desemprego ou inflação. Essa lógica ainda é orientadora para decisões, por exemplo, dos Bancos Centrais e a definição da taxa de juros básica.
A ortodoxia na economia vê na inflação o pior dos males econômicos. Manter patamares baixíssimos é fundamental. E o único remédio possível é manter uma taxa de juros básica, no nosso caso a Selic, estratosférica. É a variável básica a ser monitorada.
O paraíso para os rentistas. Ter uma taxa de juros real acima dos 7,5% ao ano um absurdo. A segunda maior em todo o planeta. Os investimentos não produtivos se valorizam e se desestimula a produção. Um desastre para o crescimento.
Schumpeter mostrou que a economia capitalista tem no crédito sua arma mais eficiente. Não só o crédito ao consumidor que estimula a demanda, mas, principalmente, o crédito ao produtor que faz com que se possa fazer investimentos antes da concentração do capital e, com isso, acelera o crescimento e dinamiza as relações econômicas.
Estamos vindo de uma época de forte retração econômica, com assustadoras taxas de desemprego, nos dois dígitos da população economicamente ativa, e desestímulo à inserção da juventude no mundo produtivo, na cidadania. Além disso, com taxas assustadoras de inflação, com índices baixíssimos de investimentos externos diretos.
Em dois anos, consegue-se reverter o quadro. O desemprego cai fortemente, se retomam investimentos, principalmente os industriais, se consegue avanços significativos no combate à fome e à pobreza.
Mas, os formadores de opinião mantém a lógica de acreditar que se está no pior dos mundos. O nível de inflação é bastante suportável, o crescimento do PIB indica rumos promissores. Quer-se mais, estagnar a economia para evitar qualquer descontrole real ou imaginário.
Agora o discurso é de um governo perdulário, com gastos públicos exorbitantes. As conquistas são ignoradas e exigem-se sacrifícios para uma população já bastante sofrida.
Isso não é o pior. Pior mesmo é a lógica de tomada de decisões do Banco Central. Vê na elevação da taxa de juros a única alternativa para manter a inflação em uma banda extremamente baixa. Com isso, desestimula os investimentos muito mais que o consumo, os dados mostram, e assume que o fundamental para a sociedade (quem disse??) é manter a inflação nesses patamares.
Um caminho que leva, só com o acréscimo da taxa aventada, a uma relação Dívida/ PIB, nos próximos cinco anos, superior 100%, mesmo que se tenha um equilíbrio primário e superávits fiscais nas contas governamentais.
Caminho que faz antever que será decretada a catástrofe da economia pelos analistas e pelo mercado financeiro. Com isso, se proporá medidas absurdas que, em última instância, significam a saída do governo da economia e medidas que penalizarão fortemente os desfavorecidos, a parcela da sociedade mais humilde.
O discurso está pronto, elevar juros para combater a inflação é para proteger os pobres. Uma grande balela. Na verdade, os únicos que ganham são os aplicadores em ativos financeiros.
Há caminho alternativo. Tem que se ter a coragem de adotá-lo.
Vindo de uma inflação de dois dígitos e crescente, qual a diferença de estabelecer, no Conselho Monetário Nacional, uma taxa média para a inflação, um ponto superior da atual. Desacelerar a queda da inflação seria normal e não traria prejuízos descomunais. É mais razoável, evitaria o conflito com o Banco Central e ajudaria a trazer a Selic para taxas muito mais razoáveis.
Os objetivos de um governo voltado para as classes menos favorecidas devem se centrar em maior nível de emprego, em aumentar os rendimentos médios, em trazer investimentos geradores de riqueza física, em aumentar a competitividade da nação, permitindo uma inserção mundial mais adequada.
Não em ficar refém de um nível de taxa básica de juros inadmissível, em seguir os desejos de parcelas da sociedade que se locupletam sem ter a mínima preocupação com a miséria e a pobreza que ainda existem.
Nessa direção, acredita-se, já que se está evoluindo bem nos parâmetros básicos, emprego, competitividade, aumento da produtividade, que o fundamental seria mudar o enfoque atualmente dado. Infelizmente, a guerra da deturpação da informação é difícil de ganhar.
Os formadores de opinião estão e estarão centrados numa lógica linear que vê no índice inflacionário a geração de todas as mazelas da sociedade. E com isso, defendem fervorosamente o aumento da taxa de juros a despeito de todos os males que pode trazer para a população.
Mude-se a lógica. Não é nenhum crime aumentar a meta inflacionária na média para 4 ou 4,5 % ao ano. Elevaria a banda. Ao mesmo tempo, admitir um déficit primário de 0,5% para dar uma folga ao governo nos investimentos necessários para aprofundar a recuperação da economia. Não só emprego, mas saúde, educação, ciência e tecnologia, além de recuperação da infraestrutura, com o novo PAC, é fundamental.
Ficar nas mãos do mercado financeiro é um desastre. Nessa direção, não deixemos de lembrar que a questão tributária não pode ser ignorada, também. Grandes fortunas têm que ser taxadas e contribuir para o desenvolvimento nacional.
O Banco Central deve introduzir celeremente um parâmetro que não deixe de ver o lado econômico, mas que se preocupe com as repercussões sociais. E esse aumento da meta de inflação pode dar sustentação a essa mudança de postura.
Uma pauta que deve ser assumida para cumprir na totalidade as promessas de campanha de um governo democrático e voltado para o social.
*Professor aposentado do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
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