Ariano Suassuna, Guerreiro do Sol
Luciano Siqueira
Ariano
Vilar Suassuna – teatrólogo, romancista, poeta, pintor, gravador, desenhista,
professor – completou 80 anos a 16 de junho passado, “bem disposto,
bem-humorado e animoso”, homenageado por gente e instituições de diversos
lugares, sempre saudado como clássico da cultura brasileira.
Irreverente,
tem dito que se soubesse que fazer 80 anos dava tanto trabalho teria ficado nos
79. O fato é que suas oito décadas de vida têm sido marcadas, ao um só tempo,
pela tragédia familiar (teve o pai, ex-governador, deputado federal e advogado
João Suassuna, assassinado no Rio de Janeiro em 1930) e pela construção de uma
obra multifacética e coerente que funde o barroco medieval ibérico com
expressões populares nordestinas.
Autor
de 14 peças teatrais (8 ainda não publicadas), 5 romances e 2 ensaios, membro das
Academias Brasileira e Pernambucana de Letras, tem obras traduzidas em inglês,
francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e polonês.
É
um fazedor de fusões e de reinvenções. De clássicos como Cervantes e Gogol,
Euclides da Cunha e Gregório de Matos, bebe influências que mescla com a
sonoridade de cantadores de desafios, aboios e cantorias e de tocadores de
pífanos e rabecas e com o cheiro do barro e o calor inclemente da terra árida
de Taperoá, sertão paraibano, onde viveu a infância e para onde retorna com
freqüência para mergulhar na releitura da própria obra.
No
romance e no teatro, assim como nas suas iluminuras (onde formas artesanais e
emblemáticas são dispostas simetricamente através de cuidadosa diagramação), e
nos versos de uma poética mágica e exata, realiza uma releitura erudita da
cultura que brota do povo.
O
Movimento Armorial, que fundou em 1970, é tudo isso em muitas linguagens -
música, dança, tapeçaria, pintura, teatro, poesia, literatura, artes plásticas
- e, segundo costuma afirmar, “uma tomada de posição em favor da cultura
brasileira”.
Algo
de base conceitual sólida que aglutinou criadores extraordinários como
multiartista Antonio Carlos Nóbrega, o músico Zoca Madureira, o gravador Gilvan
Samico, o pintor Romero Andrade Lima, o romancista Raimundo Carrero, dentre
outros.
Taperoá, Recife
Filho do ex-governador João Suassuna
(1924-1928), nasceu na então Cidade da
Paraíba (Parahyba em ortografia arcaica), hoje João Pessoa, e viveu a infância no Sítio Acauhan, em Taperoá, no Cariri paraibano. Entre 1933 e 1937,
em Taperoá, iniciou os estudos, e experimentou o seu primeiro alumbramento
(como diria Manuel Bandeira) pela criatividade improvisada de uma peça de mamulengos e um
desafio de viola, que viriam a marcar sua produção teatral e a verve
característica dos seus muitos personagens.
Nesse
período valeu-se da biblioteca que o pai deixara para se iniciar em leituras
que, segundo diz, o influenciariam fortemente. As obras completas de Monteiro Lobato. Os três mosqueteiros,
de Alexandre Dumas. De Dumas diz estar relendo pela milésima vez O Conde
de Montecristo, que considera uma obra-prima da literatura universal.
De
1942 em diante passou a viver no Recife, para estudar, tendo concluído o curso
de Direito em 1950 e o de Filosofia em 1960.
Em
1945 teve publicado no Jornal do Commercio o seu poema Noturno (São turvos sonhos,/Mágoas proibidas,/são Ouropéis
antigos e fantasmas/que, nesse Mundo vivo e mais ardente/consumam tudo o que
desejo Aqui.),
prenúncio do que César Leal, crítico literárioe poeta, mais tarde
caracterizaria, no ensaio Fontes clássicas e populares das Odes de
Ariano Suassuna, como domínio do tema e da técnica, presente também em
toda a sua obra teatral, como no clássico Auto da Compadecida.
Armorial: ibérico e sertanejo
A complexidade conceitual
contida no Movimento Armorial se expressa através de múltiplas linguagens, indo
além do texto literário, assumindo identidade visual – em traços e cores fortes
e originais.
Num álbum publicado em 2003
pela Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), o estudioso da obra de Ariano,
Carlos Newton, assinala que as iluminogravuras sintetizam a técnica da
iluminura medieval com os atuais procedimentos de impressão em off-set sobre o
papel. O resultado é um misto de figuras mitológicas e animais e personagens
que povoam o imaginário nordestino, ibérico e medieval, numa exuberância de
cores vivas em que pontificam o amarelo-ouro, o marrom, o ocre, o preto e o
vermelho.
Carlos Newton sublinha que a iluminugravura “é também
um texto ilustrado... A ilustração de cada uma delas associa episódios
descritos no respectivo poema a motivos da cultura brasileira, recolhidos tanto
em nossa arte popular quanto em nossa arte pré-histórica, a partir das
itaquatiaras do Sertão nordestino”.
É como se o texto se enfraquecesse sem a ilustração, e
esta perdesse o sentido sem o apoio do texto.
Essa fusão entre o real e o imaginário, produzindo um
todo complexo e coerente, se completa com a convivência, ora conflitante, ora
harmoniosa, entre a tragédia e a comédia presente nos seus muitos personagens –
seja o misterioso e alegórico Dom Pedro Dinis Quaderna, seja os burlescos e
surpreendentes Chicó, João Grilo, Gaspar, Caroba, Cancão, Euricão, Cheiroso,
Benedito – gente que surge do Cariri árido para, através de diálogos de
instigante simplicidade, revelar uma profética visão de mundo.
Arte e política
Embora não negue que sua arte
tem, tanto quanto conteúdo e forma revolucionários, um sentido político
explícito e um fio condutor que é a afirmação dos nossos valores nacionais,
resiste à chamada arte engajada. Talvez por isso exagere na crítica a Brecht
por fazer, segundo ele, um teatro “excessivamente reflexivo”.
Preciosismo? Pode ser. Pois
como cidadão Ariano não tem se eximido de externar publicamente suas opiniões,
participando ativamente de campanhas eleitorais de Miguel Arraes e Lula, sendo
inclusive figura de destaque no último pleito, ao lado do atual governador
Eduardo Campos, do PSB.
Em recente entrevista ao
Jornal do Commercio, do Recife, declarou-se aliado dos comunistas: “Numa
reunião importantíssima que realizaram disseram que estão procurando um
socialismo brasileiro. Deixaram de olhar pra fora, aí pela primeira vez tive
condições de me aliar mesmo, apareci no guia do Partido Comunista do Brasil,
até disseram que era uma contradição da minha parte. O que eu disse lá está
perfeitamente coerente com o que eu dizia: se eu fosse marxista, pertenceria ao
Partido Comunista do Brasil, nosso aliado na luta contra o governo antinacional
e antipopular de Fernando Henrique Cardoso.”
*Artigo publicado no jornal A Classe
Operária, em julho de 2007, a propósito do 80º. aniversário de Ariano Suassuna.
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