Um histriônico chacoalha com a democracia
Haroldo Lima, no Vermelho
Um país, como o Brasil,
não pode ficar sujeito ao desatino de um político medíocre e corrupto, como
Cunha. Uma democracia, como a brasileira, não pode ficar à mercê do revanchismo
de um responsável por furtos diversos, como Cunha. Uma chefe de Estado, eleita
por 54 milhões de eleitores, não pode sofrer a ameaça de ser apeada do seu
cargo pela iniciativa velhaca de um alucinado, como Cunha.
O Judiciário, como instituição, tampouco pode ser
aviltado vendo prosperar um processo ilegal por ser inepto, que não poderia ser
aberto porque não satisfaz a exigência básica para ter começo, que é a
definição prévia do seu rito.
Quando um homem com uma história turva, como Cunha,
volta-se contra uma mulher que tem história limpa e de luta pelo seu país, como
Dilma, quando a patifaria assume a chefia de um Poder libertado às custas de
tantas batalhas para colocá-lo contra a democracia a duras penas conquistada,
quando isto acontece, a consciência nacional se constrange, os homens e as
mulheres de bem veem-se desafiados, pois os valores estão invertidos e um
histriônico está chacoalhando a democracia.
Inversão de valores. Sim. Na quadra atual do
Brasil, a corrupção está sendo desmascarada e, às vezes, a mera suspeita leva
gente para a cadeia. Pois é nesse momento que o Ministro Teori Zavascki,
responsável no STF pela Operação Lava Jato, indagado por que não autorizava
investigação sobre Dilma, ou se iria arquivar as denúncias contra ela,
respondeu, em 7 de março de 2015 que, no contexto da Lava Jato, “a rigor, nada
há a arquivar em relação à presidenta da República”. Deu assim um atestado
formal de que, à luz da “narrativa fática” do Lava Jato, nada há contra Dilma.
Mas, dizem os golpistas, se ela não roubou, nem tem
conta na Suíça, nem escondeu patrimônios, entretanto praticou “pedaladas
fiscais”. Sob esse mote, quer-se dizer que Dilma autorizou o uso de dinheiro do
Banco do Brasil e da Caixa Econômica para pagar contas de programas para os
pobres, para que os programas não fossem fechados. O dinheiro usado seria
ressarcido aos bancos. Ora, uma lei que foi imposta no passado pelo FMI proíbe
que isto seja feito. Mas, mesmo assim, não proíbe um adiantamento de curto
prazo, para que programas populares não sejam suspensos. No passado, e por
outros motivos, presidentes como FHC e Lula também fizeram isto e não foram
molestados. Por que com Dilma é diferente?
Ademais, essas “pedaladas fiscais” apontadas contra
Dilma aconteceram no seu mandato anterior e a Constituição não permite que
chefe de Governo seja investigado por ato praticado fora do mandato em curso.
A Dilma tem um mandato legítimo. Golpeá-lo é
arrebentar com a democracia entre nós. Para o país que há pouco tempo passou
por 21 anos de ditadura, convivendo com censura, prisões arbitrárias, tortura e
morte, isto é intolerável.
Não que se chancele tudo que está sendo feito pelo
governo Dilma. Sua política econômica é de matriz neoliberal. Os juros que seu
governo pratica são imorais. Os lucros dos bancos enormes.
Suas iniciativas para a retomada do desenvolvimento
são tacanhas. Sua apatia ante a mídia hegemônica arrogante e mentirosa é
chocante. Mas o Nordeste está passando agora pelo terceiro ano de seca
consecutiva. No passado, quando tinha um ano de seca, uma sequência
interminável de saques ocorria nos armazéns das cidades interioranas. Eram os
famintos arrebatando farinha, feijão e jabá para não morrerem de fome. Durante
décadas foi assim, porque assim era a triste história do abandono do homem do
campo. Nessa seca brava que já tem três anos não houve nenhum saque. Por causa
de Lula e Dilma, sem qualquer dúvida.
Contra Dilma, a oposição golpista – que não é
toda a oposição – inspira-se em aforismo do antigo reacionário brasileiro
Carlos Lacerda, aquele que esteve à frente da campanha provocadora que levou
Vargas ao suicídio e que foi um dos articuladores do golpe de 1964. Em 1950,
com a candidatura de Vargas a presidente sendo articulada, Lacerda vociferava:
“Vargas não deve ser candidato. Se for candidato, não deve ser eleito. Se for
eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar. Se tentar
governar, deve ser deposto”. Essa é a essência do golpismo.
Quer-se tirar Dilma de qualquer jeito, arranje-se o pretexto.
Quer-se tirar Dilma de qualquer jeito, arranje-se o pretexto.
No atual momento brasileiro, a direita está na
ofensiva. Tem consciência de que precisa enganar o povo e jogá-lo contra seus
defensores. Sabe que necessita dissimular bastante para fingir que o defende,
que defende o país e que é honesta. Tudo mentira.
Mas, passamos por condições difíceis. Fruto da
pressão gigantesca de uma mídia hegemônica que tudo distorce, os valores estão
invertidos, e muita gente, às vezes inocentemente, é levada a “atribuir a
amigos os seus problemas e a inimigos as suas esperanças” (Marx).
No passado, em situação parecida, um grande
brasileiro, fundador da República, Rui Barbosa, dizia: “De tanto ver triunfar
as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto”.
Apesar desse sentimento, apesar dessa sensação, as
mulheres e os homens comprometidos com a democracia, o progresso social e a
honestidade não se acovardam, não baixam a cabeça, não jogam fora seu passado,
vão à luta. O Golpe não passará.
*Haroldo
Lima é engenheiro, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis e consultor da área de petróleo.
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