Costumes e comportamentos obsoletos demoram
décadas para mudar
Muitas
opiniões e ideias antigas impregnaram o inconsciente individual e coletivo do
futebol
Tostão, na Folha de S. Paulo
Percebo que muitas opiniões e ideias
antigas, que têm sido progressivamente mudadas e abandonadas, continuam ainda
repetidas por vários treinadores e comentaristas, mesmo pelos que estão
atualizados, ex-atletas ou não. São vícios que, por longo tempo, impregnaram a
mente e o inconsciente individual e coletivo do futebol.
As pessoas repetem compulsivamente. O
mesmo ocorre na vida social. Costumes e comportamentos obsoletos demoram
décadas para serem substituídos.
Há dezenas de exemplos. Um deles é a
excessiva dependência dos clássicos meias de ligação, centralizados, que atuam entre o
meio-campo e o ataque e que não participam da marcação. Nesta
época de contratações, são os mais desejados.
Quando um time atua mal, sempre falam
que falta um camisa 10, para "assumir a responsabilidade",
"colocar a bola debaixo do braço" e outros clichês.
Na difícil conquista do
Athletico, nos pênaltis, da Copa Sul-Americana, o que mais escutei
foi que o bom meia Raphael Veiga não fazia a transição da bola do meio-campo
para o ataque, como se ele fosse o único responsável. Mesmo assim, foi dele o
belo passe para o gol de Pablo.
Na maior parte do jogo, o Junior
Barranquilla foi melhor, criou várias chances de gol e ainda perdeu um pênalti.
Está cada vez mais frequente os rivais
sul-americanos terem mais o domínio da bola, trocarem mais passes e mostrarem
mais habilidade que os brasileiros, que priorizam a marcação, as bolas longas e
os contra-ataques.
Isso ocorreu recentemente nos jogos de
Cruzeiro, Palmeiras e Grêmiocontra River Plate e Boca e também nos amistosos
entre as seleções sub-20 do Brasil e da Colômbia. Isso é preocupante.
Enquanto os times brasileiros sonham com um
clássico meia de ligação, quase todas as melhores equipes do mundo não têm esse
tipo de jogador. Atuam com um trio no meio-campo, formado por um volante e um
meio-campista de cada lado, que marcam como volantes e avançam como meias, em
vez de ter dois volantes em linha e um meia centralizado, avançado.
Quando as grandes equipes perdem a bola, marcam com
cinco no meio-campo (três armadores e um jogador de cada lado), e, quando a
recuperam, atacam com cinco (dois dos três armadores, os dois pelos lados e o
centroavante), além do avanço dos laterais.
Dias atrás, escutei um comentarista atualizado
dizer que os volantes precisam ser rápidos para fazerem a cobertura dos
laterais. Essa é uma estratégia obsoleta. Ele não disse por que não sabe, e sim
por que escuta, há décadas, esse conceito. Repete, automaticamente.
Atualmente, a marcação pelo lado é feita pelo
lateral e pelo ponta que recua. Quando a bola é lançada nas costas do lateral,
é o zagueiro daquele lado que faz a cobertura, pois está de frente para a bola.
O volante é jogador de meio-campo. Não é apenas protetor de zagueiros e de
laterais.
Atualizar-se não é desprezar o passado nem ser
modernoso. Muitas coisas antigas continuam presentes e atuais. Às vezes, é
necessário adaptá-las à realidade de hoje. Por outro lado, há muitos conceitos
e condutas antigas, ultrapassadas, que são repetidas com a justificativa de que
são práticas de experientes profissionais.
A experiência é importante, ilumina, desde que
acompanhada por novos conhecimentos. Em muitas ocasiões, como escreveu o
memorialista Pedro Nava, "a experiência é um farol voltado para
trás". Na frente, continua tudo escuro.
Tostão
Cronista esportivo, participou como
jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.
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