23 dezembro 2018

Ai de ti, lígua pátria!


Bela e sonora, porém maltratada
Luciano Siqueira

Ouvi agorinha um repórter de rádio dizer que "para quem 'opita' por pagar o imposto parcelado..." e senti a incômoda pressão sobre meus tímpanos.

É o que acontece diariamente com profissionais da comunicação, dos quais se deve esperar, no mínimo, alguma intimidade com a gramática e o vernáculo. 

Mas o descuido é grande. Nem sei se nos cursos de comunicação se corrige a deficiência dos futuros profissionais nessa matéria.

Deviam cuidar disso.

A bela e sonora língua portuguesa brasileira é muito maltratada. Por gente de todas as esferas da sociedade.

Por exemplo, o mesmo que cronistas e narradores esportivos fazem — o uso abusivo e indiscriminado do gerúndio —, igualmente é vício cultivado em toda parte.

Quantos governantes e gestores públicos não ouvimos dizer "estaremos fazendo", ao invés de "faremos"?

Essa coisa feia e desnecessária é praticada por governadores, prefeitos, secretários, ministros e até presidentes — como o horripilante Michel Temer —, além de técnicos de futebol, cientistas de diversas áreas e assim por diante.

Coisa muito feia também é o uso inadequado do verbo haver, com essa profusão de "houveram" tais e quais acontecimentos, etc., que rigidamente não vem a ser um erro, mas se faz horrendo quando se pode muito bem dizer, corretamente e bonito, "houve".

O saudoso governador Miguel Arraes certa vez me contou que recebera uma comissão de professores da rede estadual e ficara horrorizado com os vícios de linguagem, como este, praticados pelos nossos mestres!

Fernando Sabino dizia escrever tendo sobre a mesa um dicionário e uma gramática, pois aqui e acolá se via às voltas com erros ou vícios de linguagem que tornariam suas ótimas crônicas desprezíveis, se não corrigidos a tempo.

Não se trata de repetirmos o hábito do escritor mineiro. Até porque basta hoje recorrer ao Google, essa ferramenta ao alcance de todos os que usam o smartphone, ou seja, a quase totalidade da população do país. 

Epa! Enquanto escrevo, ouço uma das emissoras de rádio do Recife e acabo de escutar que os ouvintes que "quiserem opinarem" poderão "usarem" o Twitter ou o WhatsApp. 

Sinceramente, se a jovem de voz suave e atraente tivesse dito que "os ouvintes que quiserem opinar poderão usar..." eu até me animaria a dar algum palpite sobre o assunto em tela.

Mas não farei isso de forma alguma! Quem tanto agride a língua materna não merece o prestígio da minha modesta opinião. 

Ora, se comunicação ocorre quando um fala e o outro entende, por que não nos comunicarmos corretamente respeitando o nosso idioma?

Tomara que essa gente não faça como o editor do falecido Diário da Noite, do Recife, que certa vez tacou essa manchete: "Padre viaja com raiva e não sabe".

Nem um erro gramatical nem de sintaxe. Mas uma construção infeliz sob todos os títulos, pois o leitor fora levado a acreditar que o tal padre sofria de demência, quando na verdade o dito cujo havia sido mordido por um cão hidrofóbico e tomara um ônibus para o Rio de Janeiro sem nem imaginar o risco que corria, supondo que o referido cão fosse sadio.

Posso acrescentar uma queixa?

Ei-la: insuportável é o uso exagerado de estrangeirismos, que levam a que a velha e útil "entrega a domicílio" tenha se convertido em "delivery".

Quem vai a um shopping center, então, se depara com um verdadeiro tsunami de expressões em inglês nas vitrines das lojas.

Ao bom estilo de velho Policarpo Quaresma — personagem central do clássico romance de Lima Barreto —, protesto silenciosamente evitando fazer compras onde se pratica esse tipo de macaquice. 

E fico bem comigo mesmo. Pelo menos isso.

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