Dois
Natais e um país no meio
Tudo
está parecido com o final de 1954, ano em que o Brasil também estava dividido e
irreconciliável
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
O
Natal dói. Não são todos a sentir essa dor. Depende do que a memória diz, e
como diz. Das perdas e dos ganhos. Do tempo, talvez. É uma dor vadia. Uma dor
sem lugar de doer. Está aqui, está aí, simplesmente.
O
Natal que chega me trouxe mais do que essa sensação. Há dias, para mim tudo tem
se parecido muito com o final do primeiro ano que vivi como jornalista
profissional, excitado com as descobertas naquele 1954. O país agora dividido,
dizem, desde a eleição presidencial de 2014, naquele ano era reconhecido como
dividido e irreconciliável.
Quatro
meses antes, Getúlio se matara, e os defensores de uma política de
desenvolvimento industrial e exploração própria de petróleo, contra a política
americana de retenção da América Latina, estavam apreensivos e desnorteados. Os
conservadores ocupavam outra vez o poder, e as conquistas do governo de Getúlio
ficavam ameaçadas. Não é difícil encontrar paralelos entre aquela e a atual
fase.
O
que mais aproxima os dois momentos, porém, a meu ver é o estado de ânimo dos opostos. Os abatidos na Lava Jato e
destituídos do poder reproduzem hoje os sentimentos dos golpeados com Getúlio e
retirados do poder. Situações políticas e anímicas equivalentes. Mas a direita
de 54 não desfrutou do otimismo que a vitória, por si, podia lhes dar. A
situação febril continuou. O ano entrante era esperado com inquietação pelos
conservadores, tanto mais que seria ano de eleições e o seu recente controle do
poder estaria sob risco.
A
euforia dos apoiadores populares de Bolsonaro —da qual não está claro se feita
mais de direitismo ou de mera reação aos políticos— não é correspondida no
segmento de fato e de direito representativo do conservadorismo. Por mais que
evitada a sua exposição, a insegurança sobre o próximo governo é o senso comum
no empresariado e na classe média, de sua camada central para cima.
As
muitas incógnitas do plano e do próprio Paulo Guedes, os já iniciados problemas
de comércio exterior decorrentes de política externa, e a reforma tributária
produzem um quadro de tensões que dá equanimidade aos conservadores de 54 e de
hoje.
Os
Natais se sucedem. O Brasil se repete.
A
cada leitor, ameno ou raivoso, o desejo de que viva um Natal de levezas e
sorrisos.
Acesse
o canal ‘Luciano Siqueira opina’, no
YouTube https://bit.ly/2SVup2z
Leia mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
Nenhum comentário:
Postar um comentário