Correspondência de
guerra
A Lava Jato acirra o conflito com os mesmos métodos que
acabaram por provocá-la
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
É guerra. Era previsível, omissões a tornaram inevitável. Mas, guerra
embora, promete ser benfazeja. A Lava Jato inicial e suas extensões reagem ao
retardatário entendimento, no alto Judiciário, de que combate à corrupção e
abuso do poder repressivo são coisas diferentes. A Lava Jato foi deixada livre
para suas práticas indiferentes aos limites legais e ao bom senso, com violação
de direitos civis, de exigências processuais e da ética (pessoal e jurídica). O
desgaste, porém, não a atingiu, resguardada pela “mídia”: o omisso Supremo
Tribunal Federal foi o desgastado —e afinal se assustou.
A
interpretação generalizada das prisões
encabeçadas por Michel Temer, ou do momento em que ocorrem, é a de resposta da Lava
Jato contrariada por decisões recentes do Supremo. Se às prisões
juntarmos o vazamento que atinge o ministro Luiz Fux, desencavado do depoimento
inatual de um empresário, o propósito dos recentes atos e afirmações da Lava
Jato está claro, dispensa interpretações.
Concomitante
ao despertar do Supremo vê-se, portanto, que também na “mídia”, e daí na
opinião pública, ações da Lava Jato já são identificadas com finalidades
alheias à razão jurídica. É um passo pequeno, mas é avanço na direção de
justiça. Ou, mais preciso, de menos injustiça. E não de política e sede de
poder com armas da Justiça.
A
Lava Jato acirra a guerra com os mesmos métodos que acabaram por provocá-la. O
argumento mais forte para a prisão de Temer, por exemplo, foi a continuação das
práticas corruptas. Quais são os fatos comprovantes? “Houve apenas
uma comunicação do Coaf”, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras,
palavras de uma procuradora. “Mas esse fato, de acordo com o registrado pelo
Coaf, aconteceu em outubro de 2018”. Logo, “é indicativo de que a organização
criminosa continua atuando”.
Não
é. Há cinco para seis meses, Temer ainda na Presidência, um fato foi indicativo
de algo há um semestre, não do presente. Se houve o fato então, isso não indica
a sua continuidade. A alegação central para a prisão não tem veracidade.
O
tal fato de outubro seria a tentativa do coronel João Baptista Lima, visto como
testa-de-ferro de Temer, de depositar R$ 20 milhões em espécie. É a velha
“história mal contada”. Levar essa quantia geddeliana a um banco; submetê-la na
agência à confirmação do montante, no mínimo de 200 mil notas de R$ 100, sem
recear uma complicação —um experiente como Lima não pensaria nesse plano,
quanto mais em tentá-lo.
Em
seu início, a Lava Jato plantou na “mídia” a apropriação de R$ 10 bilhões pelos
três ou quatro dirigentes da Petrobras já identificados. A conta final não
chega a 10%. Ao bando “chefiado por Temer” é atribuída a quantia de R$ 1,8
bilhão. Em dinheiro “recebido, pedido ou prometido”. Está aí uma novidade, na
soma do real com o imaginado. Pena que seja mais um truque nada sério, para uso
da “mídia”.
São
muitos os indícios de material concluído às pressas, para servir a uma
finalidade não judicial. A propósito, entre os motivos de reação da Lava Jato
estão o inquérito sobre
ataques ao Supremo e a determinação do ministro Alexandre de
Moraes de levá-lo a resultados. Inquérito e ministro muito criticados, mas
ambos se justificam. Não só agressões verbais são investigadas: embora o
Supremo prefira o silêncio a respeito, há ameaças de morte a ministros e de
violência a familiares, como objeto principal do inquérito.
Ah,
não se esqueça, em tudo isso, a gentileza da Polícia Federal. Esperou que Temer
saísse, para prendê-lo fora das vistas da família e dos vizinhos. E não de
manhãzinha. Com Moreira, pelo mesmo cuidado, não o esperaram em casa. Apenas
pararam seu carro em área de pouco movimento. Nas duas ações, nenhum policial
com metralhadora, granadas, gás e roupa sinistra. Nada como nas abordagens
espalhafatosas a Lula e outros, pelo “japonês da PF” e companheiros. Nas duas
modalidades de abordagem, a autoridade maior das operações era a mesma, o então
juiz da Lava Jato e o hoje ministro da PF.
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