Persistir na divulgação das ideias de
João Amazonas
Renato Rabelo, pcdob.org.br
Sucessor de João Amazonas na presidência do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo rende homenagem ao teórico
marxista, grande líder e “principal ideólogo e construtor do PCdoB”. “Para
lembrar sua memória, nada melhor do que persistir na divulgação de suas ideias,
especialmente nesses tempos de obscurantismo golpista, de retrocesso no ciclo
progressista que ele ajudou a construir”, orienta o ex-presidente do PCdoB e
presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo.
Amazonas foi o eminente dirigente do
PCdoB, um dos mais importantes ideólogos da causa revolucionária em nosso país,
destacado batalhador da aplicação da teoria marxista à realidade própria do
Brasil. No ano em que comemoramos os 90 anos de atividade ininterrupta do PC do
Brasil – lembramos que Amazonas foi dos líderes da terceira geração o mais
destacado dirigente comunista responsável pela construção política, ideológica
e orgânica do que se firmou como a mais antiga legenda partidária em atividade
permanente no cenário político brasileiro.
Amazonas
se destacou em momentos-chave da trajetória partidária. Foram vários os
processos de reestruturação pelos quais o Partido passou. Em todos eles João
Amazonas deu sua importante contribuição. Participou da reconstrução partidária
em 1943 e da reorganização histórica em 1962, assumiu a liderança do coletivo
dirigente, reconstituído pelo reforço que o PCdoB obteve com a incorporação da
organização revolucionária Ação Popular Marxista-Leninista e também de outros
quadros de suas fileiras originais.
João
Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar foram os principais protagonistas da
reorganização de 1962, que deu continuidade à história do Partido fundado em
1922. Isso porque entre 1957 e 1960, a segunda geração de dirigentes se dividiu
em duas correntes. Uma delas criou outra legenda, o Partido Comunista
Brasileiro, agremiação que absorveu e respaldou a fratura ideológica e moral
provocada por Nikita Kruschev, negando a trajetória heroica do Partido
Comunista da União Soviética, e adotou um programa de caráter
nacional-reformista.
A
outra corrente, em condições muito adversas, mas impulsionada por coerência e
coragem política, tomou a decisão de reorganizar a histórica legenda comunista
fundada em 1922. Esse processo se consumou com a realização da Conferência
extraordinária, em 18 de fevereiro de 1962, que assegurou a continuidade
revolucionária do Partido Comunista do Brasil, daí por diante com a sigla
PCdoB.
Logo
depois, com o desfecho do golpe militar de 1964, Amazonas e Maurício Grabois foram
também os condutores da Guerrilha do Araguaia, acontecimento destacado da
resistência armada contra o terror da ditadura militar, que se transformou numa
página heroica da história do Partido e do povo brasileiro. Os comunistas, ao
protagonizá-la, expressaram uma vez mais a radicalidade de seu compromisso com
a democracia. A resistência do Araguaia elevou o ânimo da luta geral contra a
ditadura.
Quebrou
o mito de um regime que se proclamava intocável.
Transcorridos
40 anos, a resistência do Araguaia ainda é um tema recorrente da agenda
política do país. Será uma das principais pautas da Comissão da Verdade,
recentemente criada. E esta é uma herança afirmativa a mais que o Partido
proporciona: prevenir para que, no presente e no futuro, o Estado brasileiro
não cometa novas atrocidades e crimes hediondos contra os próprios filhos da
Nação.
A
composição da terceira geração foi alterada, entretanto, pelos desfalques em
decorrência de vários dirigentes terem sido assassinados pela ditadura militar.
João Amazonas, então, assumiu a liderança principal do coletivo dirigente. De
1975 até 1985, o Partido conseguiu acompanhar a evolução do curso político e
tirar consequências do declínio progressivo da ditadura. Flexionou, no tempo
certo, sua tática de enfrentamento ao regime. Soube apontar tanto a hora da
contraofensiva quanto do desencadeamento da “ofensiva final” que ocorreu com as
“Diretas Já” e a campanha pela vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
Essa conduta ajudou a unir as forças democráticas e a começar conquistar a
democracia em 1985.
No
plano da tática política, desde o primeiro turno da memorável campanha
presidencial de 1989, João Amazonas e o PCdoB apoiaram o líder operário Luiz
Inácio Lula da Silva, e mantiveram o apoio ao PT em todas as suas futuras
campanhas presidenciais.
João
Amazonas assumiu papel relevante e predominante em momentos decisivos para
existência do Partido Comunista do Brasil. Em dois períodos de exceção política
da nossa história, a ditadura estadonovista e a ditadura de 1964, a direção
central do Partido Comunista foi atingida profundamente, tendo que ser
reestruturada. Em 1962, resultante do cume da luta ideológica, foram as ideias
revisionistas e reformistas que tentaram liquidar a essência do Partido.
No
8º. Congresso do PCdoB, em 1992, quando esteve em pauta a débâcle do Leste
europeu e da URSS, João Amazonas voltou a jogar papel importante. Afinal de
contas estava novamente em xeque a continuidade política e ideológica da
organização partidária fundada em 1922. Tratava-se de mais uma batalha de
grande envergadura, que consistiu no enfrentamento dos novos desafios teóricos
e ideológicos gestados no curso do colapso do socialismo na URSS e no Leste
europeu, e do avanço e dominância global do capitalismo na sua etapa neoliberal.
Amazonas,
já então com mais de 80 anos, dirigiu o labor teórico, ideológico e político do
coletivo de quadros e militantes para enfrentar e vencer as consequências da
derrota estratégica do campo socialista. Ele deu uma contribuição teórica
relevante, dentre outras, ao restabelecer a categoria da transição para a
construção do socialismo com particularidades nacionais. Componente importante
da elaboração teórica de Lênin que havia sido relegado pelo dogmatismo.
Amazonas, uma vez mais, cumpria tarefa determinante para a continuidade
revolucionária do Partido.
Sua
capacidade de enxergar a oportunidade dada pelas novas exigências políticas e
ideológicas teve marca de descortino histórico e partiu para o
“desengavetamento” do que de mais avançado criou-se desde então em matéria de
teoria de transição ao socialismo, em países de capitalismo relativamente
atrasados. Tratava-se das teses acerca da transição socialismo pela via do
capitalismo de Estado elaborado por Lênin nos estertores do fim da Guerra Civil
em 1921 e da implementação da Nova Política Econômica (NEP).
Amazonas
percebe, de forma precisa, que a transição ao socialismo tende a ser mais
prolongada do que a teoria convencional previa. Esta transição, a partir de
Lênin, estaria – necessariamente – marcada por etapas determinadas, etapas
estas que, segundo Amazonas, se tornariam uma lei objetiva da transição ao
socialismo. Esta prolongada transição nada mais seria do que um longo processo
de convivência entre o setor estatal e coletivizado, hegemônico, com diversas
formas de propriedade privada e estatal mista e onde a planificação e o mercado
conviveriam, com seus respectivos papéis de balizamento, regulação e mediação
das relações econômicas em seus mais diversos níveis.
A
convivência entre público e privado e entre mercado e planejamento – sob a
égide de uma superestrutura de novo tipo – seja talvez uma necessidade diante
de determinadas e complexas realidades como as do Brasil. Neste sentido, esta
notável contribuição de João Amazonas também nos orienta no sentido de uma
tática mais ampla e flexível. Mas também não menos radical. Uma estratégia
clara e precisa. Onde e como queremos chegar, conforme o Programa atual do
Partido, na sua definição de “caminho” e “rumo”. É no caminho brasileiro ao
socialismo na expressão de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, que
esta contribuição de João Amazonas ao nosso pensamento ganha concretude.
Em
dezembro de 2001, convicto da possibilidade de vitória nas eleições
presidenciais de 2002, o 10º Congresso do PCdoB aprovou uma plataforma de
“reconstrução nacional”. Nesta ocasião Amazonas defendeu decididamente que só
uma ampla frente, nucleada pelas forças de esquerda, composta por variado leque
de forças políticas e apoiada por extenso movimento social, seria capaz de
vencer e governar.
A
chapa Lula-José Alencar materializava essa diretriz e se sagrou vitoriosa. O
PCdoB, ao apoiar Lula em todas as suas campanhas e ao oferecer ideias
programáticas e diretrizes táticas que se revelaram indispensáveis, deu
contribuições relevantes à histórica vitória de 2002. Fato que o próprio Lula
já enalteceu muitas vezes publicamente, sobretudo nas referências ao papel de
João Amazonas, que não viveu para ver a vitória da campanha presidencial
consumada no final de 2002.
*Artigo publicado em razão dos 10 anos da morte de João
Amazonas, em 2012.
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