Nicolelis:
coronavírus revelou “quão fúteis eram nossas prioridades”
Para cientista que atua no
mapeamento do coronavírus no Nordeste, Brasil paga preço de Teto de Gastos e
desvalorização da ciência e saúde
CartaCapital
Os números dobram, a estatística diária de isolamento aumenta
e, de repente, cai após um burburinho de que é tudo histeria, de que a vida
deve voltar ao normal e de que há um medicamento milagroso que irá exterminar o
coronavírus do Brasil. No entanto, para uma parte da vanguarda de enfrentamento
ao coronavírus, que fica nos bastidores da pandemia, não há tempo para firulas.
“Essa novela política, esse pandemônio, é totalmente secundário. Para mim, a
pandemia é o foco.”
O autor da fala é Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro
e uma das referências da ciência nacional que, em conjunto a uma equipe de mais
de 700 colaboradores, atua no Comitê Científico para o Combate ao Coronavírus,
formado pelo Consórcio Nordeste para buscar saídas à epidemia na segunda região
mais atingida pela Covid-19 no Brasil. Ao mesmo tempo, o grupo incentiva a
união de cientistas na busca por novas formas de testagem laboratorial,
monitoramento do comportamento da epidemia e, também, uma nova visão de
sociedade no cenário pós-crise.
Nas conferências virtuais e nos laboratórios, Nicolelis
relata que há um trabalho “incansável” de pesquisadores de epidemiologia,
ciência da computação e matemáticos para prever qual cidade será o novo foco da
doença. Com um modelo de diagnóstico clínico por meio de um aplicativo,
Nicolelis relata que a intenção é aplicar uma tática de guerra contra o avanço
da covid-19: “Nós vamos criar uma Brigada de Saúde de emergência para tentar ir
onde os casos estão aparecendo. É a única forma de combater uma pandemia: você
ataca o inimigo antes dele atacar a gente”.
Em entrevista a CartaCapital,
Nicolelis explica mais sobre o trabalho do Comitê, analisa quais os efeitos
práticos da demora do Brasil em testar e orientar de maneira precisa a
população – incluindo os governadores, que devem “traduzir” os significados
técnicos obtidos por suas equipes ao povo – e deixa no ar uma provocação a uma
sociedade pós-coronavírus: quais serão as mudanças que os poderes estão
dispostos a terem para não deixarem desabastecidos seus sistemas de saúde e
tecnologia, como o Brasil e tantos outros insistem em fazer?
“A ciência, saúde e educação
têm que ser prioridade zero de qualquer governo de países como o nosso. Os
economistas têm que ir pra sala do fundo fazer conta e serem criativos para
pagar o que as pessoas de saúde, ciência e educação dizem que precisam.”
Leia a entrevista completa:
CartaCapital: Qual a opinião do senhor sobre a troca de
ministros nesse momento? Como foi a gestão do ministro Mandetta até então? E o
senhor conhece o dr. Teich?
Miguel Nicolelis: Eu
estou trabalhando em uma guerra. Estou tentando operacionalizar uma guerra. O
jogo político não tem o meu interesse. Não conheço o novo ministro, não conheço
o ministro que saiu, só sei que a resposta brasileira não foi nem perto do que
deveria ter sido. Criou-se uma mensagem confusa que desorientou a população e
nós estamos pagando muito alto por isso.
Sai seis e entra meia dúzia. É
meio absurdo você trocar uma liderança no meio de uma guerra, são poucos os
precedentes históricos, especialmente com um inimigo desconhecido e em um país
onde existem fatores de risco altíssimo. Então essa novela política, esse
pandemônio, é totalmente secundário. Para mim, a pandemia é o foco.
CC: O senhor diz que a resposta
do Brasil foi confusa e nem perto do que deveria ter sido. Como ela poderia ter
sido, então?
MN: Nós
perdemos três meses desde que a China mostrou a dimensão da coisa. Nós não
abastecemos o país de insumos, não fomos atrás de reservas de equipamentos, não
enviamos uma mensagem coerente, não ajudamos os governos dos estados
rapidamente.
A resposta foi tardia. O governo brasileiro menosprezou a
gravidade dessa pandemia. Quando a gente acordou, os EUA já tinham varrido o
mercado internacional de respiradores, o de máscaras. Trocar um ministro no
meio de uma crise dessas é perder tempo nesse innuendo, nessa novela sem
fim, com uma completa falta de empatia humana -porque eu ainda não vi um
pronunciamento do governo federal oferecendo condolências aos familiares dos
que morreram na pandemia. Nesse momento, você deveria combater o verdadeiro
inimigo, q ue é a pandemia.
CC: Como avalia a resposta dos
testes no Brasil? É esse o caminho a seguir, como seguiu Alemanha e Coreia do
Sul?
MN: Esse
é o caminho inicial dos países que deram conta da pandemia rapidamente. Hong
Kong, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, todos foram encontrar os pacientes
suspeitos. Testaram, isolaram esses pacientes, deram todo o cuidado e impediram
que eles transmitissem a doença.
O governo só tem dois testes: o
teste rápido, que é mais impreciso, e o RT-PCR, baseado em uma técnica mais
sensível que dá resultados mais confiáveis, e que o Brasil tem condições de
produzir, mas ainda faz muito pouco.
O problema agora é pegar o trem
andando: é como se o trem estivesse passando na estação a 50 km/h e você tá na
estação e vê que o trem não vai parar, e você tem que se agarrar a algo. A
produção mundial de testes está no limite, têm vários aproveitadores entrando
no mercado com testes que não são confiáveis, com 30% de sensibilidade – os
testes que serão usados confiavelmente são de 60%. Quem vai produzir? Quem vai
entregar? Qual será a logística? São problemas gigantescos que deveriam ter
sido equacionados meses atrás.
CC: Diversos cientistas têm
corrido contra o tempo para desenvolver um teste efetivo para ser produzido em
massa no Brasil, inclusive com custos menores. Existem possibilidades
promissoras no cenário atual?
MN: Nós
temos pesquisadores na área de moléstias infecciosas, imunologia, sorologia,
que são reconhecidos internacionalmente. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)
deveria ser considerada um patrimônio da humanidade, na minha opinião, porque é
um centro de referência internacional – não é à toa que a OMS (Organização
Mundial da Saúde) a reconheceu como um dos lugares que podem receber amostras
para estudar o vírus.
Eu não tenho a menor dúvida da
genialidade dos pesquisadores do Brasil, e as pessoas estão trabalhando que nem
loucas. É gente de todas as faixas etárias e níveis acadêmicos trabalhando.
Essa é a grande esperança nesse momento, e essa grande esperança, de certa
maneira, revelou quão fúteis eram as nossas prioridades antes da pandemia.
A primeira lição é que essa
visão neoliberal de tirar dinheiro da pesquisa básica, dos centros de pesquisa
e sistemas de saúde públicos é um dos maiores fatores que nos colocou nessa
situação. No mundo do futuro, essas áreas têm que ser priorizadas porque elas
são fundamentais, porque elas nos permitem evitar eventos cataclísmicos – não é
o caso desse – que podem levar à extinção da espécie. Se, no meio dessa
pandemia, acontecer algo a mais com grandes repercussões, a coisa começa a
ficar feia para nós.
Os
números dobram, a estatística diária de isolamento aumenta e, de repente, cai
após um burburinho de que é tudo histeria, de que a vida deve voltar ao normal
e de que há um medicamento milagroso que irá exterminar o coronavírus do
Brasil. No entanto, para uma parte da vanguarda de enfrentamento ao
coronavírus, que fica nos bastidores da pandemia, não há tempo para firulas.
“Essa novela política, esse pandemônio, é totalmente secundário. Para mim, a
pandemia é o foco.”
O autor da fala é Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro e uma das
referências da ciência nacional que, em conjunto a uma equipe de mais de 700
colaboradores, atua no Comitê Científico para o Combate ao Coronavírus, formado
pelo Consórcio Nordeste para buscar saídas à epidemia na segunda região mais
atingida pela Covid-19 no Brasil. Ao mesmo tempo, o grupo incentiva a união de
cientistas na busca por novas formas de testagem laboratorial, monitoramento do
comportamento da epidemia e, também, uma nova visão de sociedade no cenário
pós-crise.
Nas conferências virtuais e nos
laboratórios, Nicolelis relata que há um trabalho “incansável” de pesquisadores
de epidemiologia, ciência da computação e matemáticos para prever qual cidade
será o novo foco da doença. Com um modelo de diagnóstico clínico por meio de um
aplicativo, Nicolelis relata que a intenção é aplicar uma tática de guerra
contra o avanço da covid-19: “Nós vamos criar uma Brigada de Saúde de
emergência para tentar ir onde os casos estão aparecendo. É a única forma de
combater uma pandemia: você ataca o inimigo antes dele atacar a gente”.
Em entrevista a CartaCapital,
Nicolelis explica mais sobre o trabalho do Comitê, analisa quais os efeitos
práticos da demora do Brasil em testar e orientar de maneira precisa a
população – incluindo os governadores, que devem “traduzir” os significados
técnicos obtidos por suas equipes ao povo – e deixa no ar uma provocação a uma
sociedade pós-coronavírus: quais serão as mudanças que os poderes estão
dispostos a terem para não deixarem desabastecidos seus sistemas de saúde e
tecnologia, como o Brasil e tantos outros insistem em fazer?
“A ciência, saúde e educação
têm que ser prioridade zero de qualquer governo de países como o nosso. Os
economistas têm que ir pra sala do fundo fazer conta e serem criativos para
pagar o que as pessoas de saúde, ciência e educação dizem que precisam.”
Leia a entrevista completa:
CartaCapital: Qual a opinião do
senhor sobre a troca de ministros nesse momento? Como foi a gestão do ministro
Mandetta até então? E o senhor conhece o dr. Teich?
Miguel Nicolelis: Eu estou trabalhando em uma guerra.
Estou tentando operacionalizar uma guerra. O jogo político não tem o meu
interesse. Não conheço o novo ministro, não conheço o ministro que saiu, só sei
que a resposta brasileira não foi nem perto do que deveria ter sido. Criou-se
uma mensagem confusa que desorientou a população e nós estamos pagando muito
alto por isso.
Sai seis e entra meia dúzia. É
meio absurdo você trocar uma liderança no meio de uma guerra, são poucos os
precedentes históricos, especialmente com um inimigo desconhecido e em um país
onde existem fatores de risco altíssimo. Então essa novela política, esse
pandemônio, é totalmente secundário. Para mim, a pandemia é o foco.
CC: O senhor diz que a resposta
do Brasil foi confusa e nem perto do que deveria ter sido. Como ela poderia ter
sido, então?
MN: Nós
perdemos três meses desde que a China mostrou a dimensão da coisa. Nós não
abastecemos o país de insumos, não fomos atrás de reservas de equipamentos, não
enviamos uma mensagem coerente, não ajudamos os governos dos estados
rapidamente.
A resposta foi tardia. O
governo brasileiro menosprezou a gravidade dessa pandemia. Quando a gente
acordou, os EUA já tinham varrido o mercado internacional de respiradores, o de
máscaras. Trocar um ministro no meio de uma crise dessas é perder tempo nesse innuendo, nessa
novela sem fim, com uma completa falta de empatia humana -porque eu ainda não
vi um pronunciamento do governo federal oferecendo condolências aos familiares
dos que morreram na pandemia. Nesse momento, você deveria combater o verdadeiro
inimigo, que é a pandemia.
CC: Como avalia a resposta dos
testes no Brasil? É esse o caminho a seguir, como seguiu Alemanha e Coreia do Sul?
MN: Esse
é o caminho inicial dos países que deram conta da pandemia rapidamente. Hong
Kong, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, todos foram encontrar os pacientes
suspeitos. Testaram, isolaram esses pacientes, deram todo o cuidado e impediram
que eles transmitissem a doença.
O governo só tem dois testes: o
teste rápido, que é mais impreciso, e o RT-PCR, baseado em uma técnica mais
sensível que dá resultados mais confiáveis, e que o Brasil tem condições de
produzir, mas ainda faz muito pouco.
O problema agora é pegar o trem
andando: é como se o trem estivesse passando na estação a 50 km/h e você tá na
estação e vê que o trem não vai parar, e você tem que se agarrar a algo. A
produção mundial de testes está no limite, têm vários aproveitadores entrando
no mercado com testes que não são confiáveis, com 30% de sensibilidade – os
testes que serão usados confiavelmente são de 60%. Quem vai produzir? Quem vai
entregar? Qual será a logística? São problemas gigantescos que deveriam ter
sido equacionados meses atrás.
CC: Diversos cientistas têm
corrido contra o tempo para desenvolver um teste efetivo para ser produzido em
massa no Brasil, inclusive com custos menores. Existem possibilidades
promissoras no cenário atual?
MN: Nós
temos pesquisadores na área de moléstias infecciosas, imunologia, sorologia,
que são reconhecidos internacionalmente. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)
deveria ser considerada um patrimônio da humanidade, na minha opinião, porque é
um centro de referência internacional – não é à toa que a OMS (Organização
Mundial da Saúde) a reconheceu como um dos lugares que podem receber amostras
para estudar o vírus.
Eu não tenho a menor dúvida da
genialidade dos pesquisadores do Brasil, e as pessoas estão trabalhando que nem
loucas. É gente de todas as faixas etárias e níveis acadêmicos trabalhando.
Essa é a grande esperança nesse momento, e essa grande esperança, de certa
maneira, revelou quão fúteis eram as nossas prioridades antes da pandemia.
A primeira lição é que essa
visão neoliberal de tirar dinheiro da pesquisa básica, dos centros de pesquisa
e sistemas de saúde públicos é um dos maiores fatores que nos colocou nessa
situação. No mundo do futuro, essas áreas têm que ser priorizadas porque elas
são fundamentais, porque elas nos permitem evitar eventos cataclísmicos – não é
o caso desse – que podem levar à extinção da espécie. Se, no meio dessa
pandemia, acontecer algo a mais com grandes repercussões, a coisa começa a
ficar feia para nós.
A ciência, saúde e educação têm que ser prioridade zero de qualquer governo de
países como o nosso. Os economistas têm que ir pra sala do fundo fazer conta e
serem criativos para pagar o que as pessoas de saúde, ciência e educação dizem
que precisam. Você ter um país com uma PEC de Teto de Gastos… isso custa. O
outro lado dessa equação é o número de mortos. Os países que apostaram na
ciência e não a destituíram de seu devido lugar estão ganhando a batalha contra
o vírus. Os países do processo inverso, incluindo os EUA, estão perdendo feio.
CC: O senhor integra o Comitê
Científico do Consórcio Nordeste, que estuda como o coronavírus se comporta na
região. Atualmente, o Nordeste é a segunda região mais atingida pela epidemia:
vocês já encontraram um porquê?
MN: Uma
análise epidemiológica detalhada vai levar tempo. Eu não sou o especialista,
mas tenho falado com gente brilhante, como o Antônio Lima, chefe da
epidemiologia de Fortaleza, que me alimenta de informações todos os dias. A
minha hipótese é que Recife, Salvador, Natal e Fortaleza se transformaram em
grandes focos pela entrada de voos internacionais e pela demora em restringir o
espaço aéreo brasileiro, como outros países fizeram – outro absurdo que
demonstra a falta de conhecimento mínimo do governo federal.
Além disso, você tem áreas
metropolitanas com alta densidade demográfica. Logo depois do decreto de
quarentena do governador Camilo Santana (PT-CE), você vê o efeito em 4 ou 5
dias da curva achatando em Fortaleza. Mas, pela transmissão comunitária, você
teve a infecção se espalhando dessas capitais para o interior.
Por isso, nós estamos fazendo
recomendações para os governadores para trancar o Nordeste: diminuir totalmente
o trânsito de ônibus intermunicipais e estaduais, reduzir ao máximo o fluxo de
carros para o interior e, combinando com os dados georreferenciados que teremos
pelo nosso aplicativo, nós vamos poder dar informações diárias, como se fosse
uma previsão do tempo: “amanhã, cidade X vai se transformar no novo foco.
Cidade X tem que parar de ter trânsito de automóvel saindo da cidade, tem que
aumentar o distanciamento social.”
CC: Pode falar mais sobre esse
aplicativo?
MN: Aqui
no Comitê Científico, desenvolvemos um aplicativo em que a população relata os
sintomas e a gente, na falta dos testes massivos, usa do diagnóstico clínico.
Iremos ligar essa informação com modelos matemáticos em tempo real para
visualizar onde estão aparecendo os casos confirmados do ponto de vista
clínico. O paciente mais grave irá receber uma chamada telefônica de um médico
para orientá-lo e dizer qual é a unidade de saúde mais próxima. Para isso, nós
vamos criar uma Brigada de Saúde de emergência, para tentar ir onde os casos
estão aparecendo. É a única forma de combater uma pandemia: você ataca o
inimigo antes dele atacar a gente.
Também criamos uma plataforma
virtual, chamada Projeto Mandacaru, que já tem mais de 700 colaboradores, entre
brasileiros e estrangeiros, que estão nos fornecendo subsídios. Estamos fazendo
um casamento da ciência, com virologista conversando com cientista da
computação, engenheiro de tráfego e com gente da telecomunicação. Já nos
primeiros dias dessa plataforma, nós começamos a criar uma análise
multidimensional do coronavírus no Nordeste, e isso é algo novo: começamos a
calcular a possibilidade de espalhamento e o risco para o sistema de saúde de
todas as microrregiões do Nordeste.
Temos informações da malha
rodoviária, do fluxo de trânsito e os dados sobre a distribuição dos leitos de
enfermaria e de UTI. Tudo será conectado de maneira que possamos fornecer em
tempo real uma visão panorâmica de qual cidade está sendo afetada e quais os
troncos rodoviários que podem explicar o espalhamento, o que irá guiar as decisões
dos governadores.
CC: Na avaliação do senhor, o
Nordeste tem tentado unir forças regionais contra possíveis desmandos do
governo federal, já que o presidente Jair Bolsonaro tem embates políticos com
os governadores da região?
MN: O
Comitê Científico não tem nenhuma disposição política porque o vírus não tem
ideologia. O governo federal tem que ajudar os estados, tem que mandar muito
mais dinheiro para os estados do Nordeste do que está mandando, porque o Brasil
não tem só a região Sudeste. Tem a Região Norte, que está entrando em colapso,
como é o caso de Manaus e Macapá. E não existe nenhum bairrismo nas nossas
decisões – tanto é que estamos trabalhando com pessoas de todas as regiões do
Brasil e com pesquisadores estrangeiros.
Isso aí é algo que você tem que
perguntar para os governadores. Não tenho interesse em me envolver com isso,
porque todos os políticos do mundo deveriam se dar conta que todos os cálculos
eleitorais que eles fazem deveriam ser jogados na lata do lixo. O mundo que
eles conheciam acabou. O mundo que nós vivemos hoje é outro mundo, e o mundo
que viveremos depois dessa pandemia é outro. Se eu posso aconselhar qualquer
pessoa nesse mundo, é dizer que a temática é outra: é salvar vidas, é amenizar
o sofrimento. E, no Brasil, essa não é uma tarefa trivial, pois esse é um país
sem uma rede de esgoto universal.
Outro dia, a gente soltou um
estudo mostrando que o vírus sobrevive nas fezes até 30 dias depois da pessoa
não ter mais o vírus nas vias respiratórias. O que isso significa em um país
com uma quantidade enorme de pessoas sem acesso ao saneamento? Outros vírus
sobrevivem em fezes também, não é algo novo, mas, dada a letalidade desse
vírus, você saber de um dado desses é fundamental.
A resposta imunológica das
pessoas tem sido muito fraca, e eu tenho conversado sobre isso com colegas
infectologistas, porque pode ser um fator limitante no desenvolvimento das
vacinas ou mesmo no uso do plasma das pessoas infectadas que sobreviveram.
São detalhes biológicos que
precisam ser compilados, amarrados, traduzidos e explicados não só para os
governadores, mas para a população. Porque o cara pensa: ‘Pô, eu tô em casa
porque mandaram, perdi meu emprego, minha família tá sem recursos: como é que
vou justificar isso para mim mesmo e para meus filhos?’.
CC: O que precisamos fazer,
daqui para a frente, para superar o coronavírus?
MN: No
momento, a recomendação mais fundamental é o distanciamento social, eu não
tenho a menor dúvida. O mundo inteiro está tomando as medidas certas. Eu queria
saber o que existe de diferente aqui… e eu sei: existe uma completa negação da
ciência, da medicina.
Os caras saem dando drogas e
medicamentos que não têm a menor eficácia para as pessoas, com a justificativa
de que precisam “salvar um paciente” – mas você vai salvar como, se irá induzir
a pessoa a um ataque cardíaco? Tem professor titular da Faculdade de Medicina
da USP (Universidade de São Paulo) dando entrevista para jornais dizendo que os
cientistas levam “muito tempo” para demonstrar a eficácia das drogas. Ele
queria o quê? Que liberássemos drogas a esmo, para ele justificar os absurdos
que eles preconizam?
No Comitê Científico, tem
também um comitê de direitos humanos, justiça e segurança que, entre outras
funções, discute o cenário futuro. O que vai acontecer? Quais serão as
implicações geopolíticas e para o Brasil a longo prazo? O que essa pandemia tem
mostrado sobre o modelo civilizatório que criamos no planeta, que é essa
globalização da economia e do capital sem a globalização da gestão política?
Mostrou a dificuldade que é você não poder produzir o que precisa no seu país,
por exemplo. Esse é o objetivo. Nós estamos mostrando como a ciência
responde. A ciência não tem bairrismo, regionalismo, isso não existe. Talvez a
ciência possa dar uma lição aos economistas e políticos do pós-pandemia sobre
como a humanidade deveria funcionar.
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