Com recessão à porta, governo não tem plano para a economia
Paralisado, governo se perde em
disputa política. Sem as medidas necessárias, impactos da pandemia na economia
e na vida da população serão piores.
Mariana Branco, portal
Vermelho
O Brasil está prestes a mergulhar em uma recessão que pode ser a
maior da história. As projeções mais otimistas falam em queda de 3,34% do
Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e riquezas produzidos em um país) e
as mais pessimistas em uma contração de 10,1% da atividade
econômica. A pandemia do novo coronavírus, claro, é o principal motivo. Mas a
crise política e a lentidão do governo para apontar soluções e tomar medidas
pioram consideravelmente o cenário.
É o que avaliam especialistas
consultados pelo Vermelho. Para eles, o
governo federal ainda não compreendeu a magnitude do que está por vir e por
isso segue perdido em disputas políticas e propostas insuficientes, como o
Pró-Brasil, um programa de estímulo econômico com financiamento público que
ainda não saiu do campo das intenções e sofre com fogo amigo, bombardeado pelo
próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, e por sua equipe.
O Executivo também se melindrou
com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do plano de socorro aos estados e
municípios, que graças à pandemia devem ter perdas monumentais na arrecadação
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Impostos sobre
Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Paulo Guedes quer contrapartidas, para
segurar os gastos. Por isso, o governo negocia com o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), condicionar o auxílio da União ao congelamento de salários
de servidores públicos por um ano e meio.
Segundo Paulo Kliass, doutor em Economia e especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental, a paralisia do governo deve-se a uma
disputa interna sobre qual deve ser a estratégia econômica. Há um choque entre
o projeto eleitoral de Jair Bolsonaro para 2022 e a obsessão de Guedes pela
agenda de cortes de gastos.
“Do ponto de vista do cálculo
político, Bolsonaro está pensando em 2022. E está sendo convencido de que [para
ter chances na disputa] tem que ser um governo de realização, que mostre ação
para a população. Se ele quiser se contrapor às imagens que infelizmente
teremos de aumento de mortes, de penúria em razão da pandemia, precisa mudar a
política econômica na essência”, avalia.
O problema é que, para dar uma
guinada na política econômica, Bolsonaro precisa ou convencer Paulo Guedes, ou
abrir mão de mais um superministro e desagradar ao mercado. “O Paulo Guedes
está procurando os grandes meios de comunicação para dizer que [o programa
Pró-Brasil, idealizado pelo chefe da Casa Civil, general Braga Netto] é
estatismo, intervencionismo. O Braga Netto não pode se opor abertamente, porque
senão derruba o ministro da Economia. Então, está fazendo um trabalho de
convencimento [de Jair Bolsonaro] nos bastidores”, afirma Paulo Kliass.
O economista avalia que congelar salários, achatando o poder de
compras das famílias, é mais uma medida recessiva – que vem somar-se à
suspensão de contrato de trabalho e à redução de salário e jornada, com o
governo compensando os trabalhadores sobre o valor do seguro-desemprego em vez
do valor do salário. “Qualquer país capitalista do mundo percebeu que é preciso
romper com o austericídio. O consumo, a atividade econômica, afundam mais. É
preciso oferecer renda à população necessitada, empresas e ter um programa de
investimento público em áreas estratégicas”.
Para Kliass, é irrealista
contar com o investimento privado pós-pandemia. “[As empresas] não terão
dinheiro. E, quem tem dinheiro, não terá interesse em trazer dinheiro para cá
nessa situação”.
Insolvência
Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp, que,
sem a ajuda da União, a situação de estados e municípios deve se deteriorar
muito. “Alguns estados já vinham com as contas comprometidas devido ao
endividamento e à queda de arrecadação com a crise de 2014, 2015. O Rio de
Janeiro deve ter uma perda da ordem de 50% da arrecadação do ICMS, mais uma
queda significativa dos royalties [do petróleo]. Alguns estados vão ficar em
situação de insolvência. As finanças subnacionais [de estados e municípios] vão
precisar de muito mais atenção que o governo acredita que deve dar. A situação
ainda ficará bem mais crítica”, analisa.
Ele prevê, ainda, que com o
impacto da pandemia sobre micro e pequenas empresas, haverá uma mudança na
estrutura ocupacional, reduzindo muito a capacidade de criação de empregos
formais do país. O economista ressalta que políticas adotadas pelo governo,
como liberação de crédito para pequenos empresários e pagamento do auxílio
emergencial a microempreendedores individuais, não estão chegando aos
destinatários. “Não estão desenhadas de forma adequada para chegar à base. Se
não houver ação pública em relação a isso, não vai se resolver por si só”,
destaca.
A falha em tomar as medidas
necessárias, diz, compromete a própria quarentena. “Como o governo não
organizou as linhas de ajuda, as pessoas são forçadas a retomar as atividades,
bem no momento em que está aumentando a curva de contágio”. Para Marco Rocha, a
ação do governo deveria se apoiar sobre três pilares: socorro a estados e
municípios, linhas de crédito e renegociação de dívidas para pequenas empresas
e, por fim, um programa de reativação da demanda.
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