23 julho 2020

Aliados na diferença


A divergência tática está na estratégia
Luciano Siqueira

Errado quem pensa que no processo cumulativo de uma frente ampla em defesa da democracia antes há que se celebrar a união de todas as forças de esquerda.

Nunca foi assim.

Basta ver que em nossa história recente, quando do lance final que derrotou a ditadura militar, a vitória de Tancredo sobre Maluf no Colégio Eleitoral -, da Aliança Democrática, então constituída justamente para inverter a correlação de forças, correntes à esquerda se omitiram, inclusive o então ascendente PT.

Não funciona, portanto, nem aqui nem alhures, esse roteiro esquemático. Porque prevalecem, em alguns partidos, incompreensões e mesmo uma concepção da luta jamais vitoriosa, mas suficiente para encarcerá-los no ciclo estreito e estéril do principismo.

Ao quase centenário PCdoB, especialmente do início dos anos sessenta em diante, a compreensão arguta e astuciosa da luta destinada a corroer as bases do adversário principal não tem faltado. É uma das marcas de sua lucidez tática.

Não são poucos, entretanto, no dramático cenário de agora, que se perguntam sobre o porquê da rejeição, pelo PT e pelos seus principais líderes, a uma conjugação de forças ampla indispensável para isolar, enfraquecer e derrotar o governo Bolsonaro de tantas desgraças.

Afinal, Lula se elegeu e governou por oito anos quando, enfim, adotou a amplitude e a pluralidade para alcançar a maioria.

Dilma se elegeu e se reelegeu nesse mesmo diapasão. Sofreu o impeachment em parte quando se descuidou da correlação de forças real.

Onde está, afinal, o cerne da discórdia?

Está no programa partidário, vale dizer, no projeto estratégico – uma diferenciação importante entre comunistas e petistas.

O PT – pelo menos suas correntes internas majoritárias - vislumbra como objetivo estratégico a reconquista do governo central, ainda que o Estado mantenha a sua essência, escala de poder suficiente para alterar o sentido de políticas públicas em favor da maioria da população, dentro dos marcos do bom funcionamento das instituições democráticas.

Nada errado nisso, porém insuficiente – nas atuais circunstâncias críticas do mundo, sobretudo - para a superação da prolongada crise estrutural da sociedade brasileira, que frustra necessidades e aspirações do povo, enfraquece as salvaguardas da soberania e mina gradativamente as bases do Estado nacional.

O PCdoB peleja igualmente nessa trincheira, mas mirando o plano mediato propugna reformas estruturais progressistas – tributária, agrária, urbana, educacional, midiática, judiciária; fortalecimento do SUS, instituição de um Sistema Nacional de Segurança Cidadã, enfeixadas num plano nacional de desenvolvimento – que, uma vez conquistadas mediante ampla e prolongada mobilização social, proporcionarão substancial elevação no padrão de vida material e espiritual do povo e o alcance de uma consciência social avançada, apta a vislumbrar a própria superação do sistema dominante.

Para tanto, urge deter o desmonte gradativo do Estado democrático de direito pelo bolsonarismo.

Não cabe simplesmente aguardar que a situação se agrave e se crie, dois anos e meio à frente, ambiente eleitoral favorável a um a nova vitória das forças progressistas.
Muito cartesiano para que dê certo.

Aí está a diferença de fundo. O que não invalida a aliança, digamos, estratégica entre os dois partidos – momentaneamente díspares nas intenções táticas.

Alianças partidárias implicam objetivos claros e bom senso https://bit.ly/38kNhAO 

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