Por onde andará Miss
Lene?
Cícero Belmar*
Todos sabemos, ou pelo menos
desconfiamos, do tipo de música que mais se ouve no Brasil. Mas era preciso um
estudo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) para se botar
fé na informação.
O
sertanejo é o gênero mais tocado no país. O levantamento não é recente, tem um
ano. Levou em consideração a execução pública de músicas em plataformas de
streaming, shows, rádios e locais com música ao vivo.
Em
resumo: 56% de todas as músicas tocadas em shows e eventos são sertanejas,
seguidas do chamado forró universitário, que tem 17% das execuções. Se
preferirem, é o forró nutela, não o de raiz, o velho pé-de-serra.
Já no
streaming (plataformas digitais) a preferência nacional é parecida: de cada 100
músicas tocadas, 37 são do sertanejo. Na sequência, vem o pop (com 30 canções),
e o dance (um número que corresponde a 8% das execuções).
Como
pesquisa é o retrato de um momento, caso seja repetida o resultado pode variar.
Mas, está acima de qualquer suspeita, pois o Ecad é uma organização privada que
fiscaliza a execução de músicas em espaços públicos, para arrecadar e
distribuir os direitos autorais.
As
conclusões não chegam a surpreender. Nas entrelinhas, o estudo diz que essas
são as músicas apropriadas para o consumo ligeiro que nossos dias impõem. São
coerentes com essa necessidade de usar produtos descartáveis.
Há
quem acredite que os sons musicais têm a ver com o comportamento das pessoas.
Ou que uma coisa influencia a outra. A força da música no que diz respeito a
influenciar um padrão de comportamento é o que eu chamo de meia verdade. Não dá
para atribuir essa responsabilidade única e exclusivamente a uma manifestação
artística.
Isso
equivaleria a dizer que ficamos aptos a agir, ou a deixarmos de fazer alguma
coisa, na vida cotidiana, quando escutamos um tipo de música. É discutível.
Para
muitos a música também tem um componente de filosofia, da estética do ouvinte.
Pode ser. Música denota idéias e gostos, sem dúvida. Mas, vamos e venhamos.
Devemos ter cuidado para não estereotiparmos: já ouvi dizerem que certo tipo de
música é coisa de marginal, que outra é típica dos cafonas e por aí vai.
A
defesa de uma estética, de uma vanguarda, de um estilo, na minha opinião, está
muito mais ligada às atitudes do compositor, do artista, do que à música. Essa,
muitas vezes, surge como subproduto do mercado (que aproveita para vender um
comportamento, uma dança, um tipo de roupa etc).
Volta
e meia o mercado fonográfico lança artistas que ganham as mídias durantes dois,
três anos, para ajudar a encher o porquinho dos executivos. Quem se lembra, por
exemplo de Miss Lene?
Frankislene
Ribeiro Freitas era uma cantora cearense dos anos 1980, que quando colocava uma
touquinha de crochê, virava Miss Lene. Era presença obrigatória em todos os
programas da televisão brasileira. Fez sucesso com as músicas Quem É Ele? e
Deixa a Música Tocar. O que terá acontecido a Miss Lene?
O
mercado, para mim, seria o grande vilão. As gravadoras sempre lançaram artistas
para fazerem sucesso meteórico e músicas descartáveis. Ocupam espaços, fazem
dinheiro, e a sociologia ainda acha que eles vão modificar uma geração.
Lembro
que até um dia desses quem mandava no pedaço era a axé-music. Antes, foi o
romântico. É como já dizia o profeta: tudo passa.
*Cícero Belmar é
escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças
de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana
de Letras.
A vida pede muitos encontros e muitas realizações https://bit.ly/2XypaLe
Nenhum comentário:
Postar um comentário