19 julho 2020

Marcas do tempo

Minha cinquentenária prisão política!
Chico de Assis


“Comemoro” hoje “50 anos de cadeia”. Enquanto os fiéis entoavam seus cânticos pelas ruas do Recife, em homenagem à padroeira da cidade, Nossa Senhora do Carmo, os salões do antigo DOPS, de triste memória na R. da Aurora, se transformavam em palco sangrento para a prática impune de crimes hediondos.

O pau de arara era armado na própria sala reservada ao delegado responsável pela Delegacia de Defesa Social (espécie de subsidiária do DOPS, comandada então pelo facinora José Silvestre) e os interrogatórios e torturas físicas se praticavam nos próprios salões da especializada (usados às vezes durante o dia para atendimento ao público).

O ano retrasado (2018), neste dia, eu estava em Moscou, acompanhando a tentativa da nossa seleção em busca do hexa (infrutífera, como se sabe, “PORQUE HEXA É LUXO”! Kkk). De lá, além da enriquecedora experiência de percorrer animadamente terras russas — onde se implantou a primeira tentativa prática de efetiva revolução socialista, embora desqualificada no curso posterior da História — me restaram incipientes versos que reproduzo aqui:

“Moscou esqueceu. as lágrimas
e se abriu num só riso franco
de varandas russas
entreabertas em gritos
emblemáticos de alegria
supostamente entalados
como soluços rebentos
nas cicatrizes do tempo!”

No ano passado, estava em Portugal. Depois de concluída instigante visita à chamada “cidade invicta do Porto”, fui chegando em Coimbra, onde comprovei a veracidade da letra da canção que diz que

“Coimbra é uma lição
De sonho e tradição
O lente é uma canção
E a lua a faculdade
O livro é uma mulher
Só passa quem souber
E aprende-se a dizer saudade...”

Embora sem as importantes conotações históricas da viagem feita em 2018, a do ano passado tb me deixou enlevado em sensações que me permitem lembrar com serenidade os fatídicos momentos vividos 50 anos atrás. E até — com efetiva bonomia — arriscar um começo ou fim de poema mais ou menos assim:

No entrechoque dos tempos
ao repassar o que vivi
uma pergunta sobrevive:
onde é que fui mais livre?”

Este ano, contudo, cá estou em Recife, em meio a essa inusitada pandemia, que me fez reprogramar tudo o que havia planejado fazer em termos de viagem (não fosse ela, eu provavelmente estaria conhecendo a Nova Zelândia) e me recolher ao único local onde podemos ficar em segurança nesses tempos pandêmicos: nossa casa!

Deixo um fraterno e grande abraço em todos, que conduz a certeza de que o ódio nao vencerá e de que “só o amor
consolida/só o amor glorifica/só o amor humaniza”.

Abaixo o neofascismo que infelizmente nosso povo elegeu em pleito direto e democrático, se bem que, felizmente, já esteja dando sinais evidentes de arrependimento.

Abaixo todo tipo de ditadura — à direita e à esquerda!

E viva a liberdade
— como sempre, “sonho/senda/sanha da multidão”.

[Ilustração: Edvard Munch]

A vida pede muitos encontros e muitas realizações https://bit.ly/2XypaLe

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