Europa descobre um novo narcótico por semana
Foram registradas 53 drogas antes desconhecidas em 2019, mostra relatório
Ana Estela de Sousa Pinto, Folha de S. Paulo
A
criatividade dos traficantes foi além de encontrar novas rotas num mundo
bloqueado pela Covid-19 e chegou às próprias drogas, mostra relatório da
União Europeia.
A cada semana, um narcótico
antes desconhecido é descoberto pelo sistema de alerta do Centro de
Monitoramento Europeu de Drogas e Adição (EMCDDA, na sigla em inglês): em 2019 foram
53 as moléculas ou preparações que apresentam risco suficiente para entrarem no
relatório, divulgado no dia 22.
Durante a
pandemia, com casas noturnas fechadas e festas proibidas, houve queda no
consumo de drogas chamadas sociais, como o ecstasy, mas o centro detectou
“maior procura por substâncias novas, como benzodiazepínicos”, possivelmente
impulsionada pela escassez das mais conhecidas.
Entre as descobertas da última
década, as mais sintetizadas foram as canabinoides, que emulam o efeito da
maconha —em sua versão vegetal, a droga é a mais consumida entre todas: 1 em
cada 10 adultos tinha usado cânabis na França e na Espanha, nos 12 meses
anteriores ao levantamento europeu.
Mas as
inovações são amplas, e chegam às ruas europeias todos os anos mais de dez
classes diferentes das chamadas NPS (novas substâncias psicoativas), entre elas
os opioides, causadores de quase 90% das 8.300 mortes anuais por overdose
registradas no continente.
Em 2019, foram detectados pela
primeira vez oito novos opioides sintéticos não controlados, alguns de grupos
novos.
Por serem muito mais potentes, as versões
sintéticas facilitam o tráfico, afirma Rachel Christie, analista da área no
EMCDDA: volumes menores equivalem a muito mais doses.
Um exemplo é
o carfentanilo, tranquilizante para elefantes 80 vezes mais potente que a
heroína, afirmou ela à Folha, em entrevista
para a série Estado Alterado.
A tendência mais recente foi a
das catinonas, conhecidas como “sal de banho” e semelhantes às anfetaminas. No
último ano, elas foram 36% das NPS apreendidas, deixando as canabinoides, com
28%, em segundo lugar.
As 53 novas drogas
identificadas se juntam a outras 740 já monitoradas pelo EMCDDA desde 1997.
Mais de 400 ainda estavam no mercado no último ano.
Embora
registrem as apreensões e identificações de NPS, só 11 países europeus
acompanham seu consumo, que apresenta índices bem menores que o de drogas
tradicionais.
Nos 12 meses anteriores à
pesquisa, a porcentagem de pessoas de 15 a 34 anos que havia usado uma nova
substância variou de zero, na Suécia, a quase 2%, na Polônia.
Canabinoides sintéticos foram
consumidos por 0,3% dos jovens espanhóis e 0,6% dos italianos, e cresceram
relatos de uso de óxido nitroso (gás hilariante) e de novas benzodiazepinas.
Além disso, foram encontrados
três laboratórios produzindo catinonas dentro da União Europeia, na Espanha, na
Holanda e na Polônia.
Por não estarem descritas,
reguladas nem controladas, as NPS circulam despercebidas por mais tempo, o que
levou à criação de uma rede de 30 sistemas nacionais (os 27 países-membros da
UE, mais Reino Unido, Turquia e Noruega) com a Europol.
Também foi
incluída a Agência Europeia de Medicamentos, já que muitas novas drogas são
moléculas que estavam sendo desenvolvidas como medicamentos, mas não foram
aprovadas pelos órgãos reguladores.
Em outros casos, como no das
benzodiazepinas, as novas moléculas são vendidas como versões falsas de
medicamentos ansiolíticos regulares (como alprazolam e diazepam). Desde 2015,
21 dessas substâncias foram descobertas pelo centro.
O sistema de alerta internacional
é acionado quando a polícia de um país apreende uma substância não
identificável e suspeita que seja uma droga.
Se as análises confirmarem que
é um novo narcótico e ele estiver circulando em quantidade significativa, passa
a ser computado como uma NPS, e o centro repassa suas características a todos
os outros países, para que eles também sejam capazes de rastreá-las e
apreendê-las.
As novas
substâncias preocupam principalmente por causa da potência. Canabinoides, por
exemplo, por serem mais baratos e mais fortes que a maconha, se espalharam por
prisões europeias e chegaram a provocar mortes.
A potência também é uma
preocupação do centro em relação à cânabis botânica: haxixe e maconha têm agora
o dobro de THC (substância psicotrópica presente na cânabis) do que há uma
década, afirma o relatório.
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