21 julho 2021

No mundo da usura

A incrível leniência com as criptomoedas

Luis Nassif, Jornal GGN

 

É inacreditável a maneira como autoridades reguladoras do mundo estão tratando o fenômeno das bitcoins e seus sucedâneos. Não há nada que explique sua existência, a não ser a enorme liquidez internacional, que transformou os mercados em um imenso cassino.

Qual o tratamento que se dá ao bitcoin? Moeda, definitivamente não é. Uma moeda tem que ter, necessariamente, um garantidor de última instância, um país, um banco central, uma fonte perene de receitas.

Os bitcoins não têm nada. Não tem nem parâmetro para precificação. Se um bilionário, como Elon Musk, anuncia que aceitará bitcoins na venda de seus carros, o valor explode. Se, no momento seguinte, diz que não vai aceitar mais, o valor desinfla. Como considerá-la adequada como reserva de valor com tal volatilidade e falta total de parâmetros para analisar seus ciclos?

De certo modo, tenta-se emular o padrão ouro para o bitcoin. Daí o conceito de mineração, que é de uma piração total. Minerar bitcoin consiste em colocar computadores para processar algoritmos, da mesma maneira que garimpeiros buscavam ouro.

É uma analogia maluca. O ouro tornou-se padrão exclusivamente devido a um acordo entre bancos centrais, para impedir a volatilidade das moedas nacionais. Ou seja, seu papel consistia exclusivamente em criar um parâmetro universal para o alinhamento universal dos preços nacionais e como agente coordenador do câmbio – dos negócios entre moedas de países distintos.

O que não se dão conta é que o ouro só existiu como padrão devido à concordância dos estados nacionais e à articulação entre os bancos centrais dos diversos países.

Tendo o dólar – garantido pelo governo americano -, o renminbi – garantido pelo governo da China -, o euro – garantido pela União Europeia -, sendo esses grupos de países dominantes no comércio internacional, a troco de que se aceitaria a substituição dessas moedas por bitcoins?

Portanto, instrumento de troca, o bitcoin não é.

O único mercado no qual o bitcoin – e seus assemelhados – é dominante é o do crime organizado e o da lavagem de dinheiro. É evidente que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma ação articulada policial em todos esses mercados, assim como houve contra os paraísos fiscais. E, quando isso ocorrer, não haverá para onde fugir porque, no final da linha, sempre haverá um banco regulado para o dinheiro ser rastreado.

Hoje em dia não há dados públicos oficiais sobre nada que se refere a esses mercados, nem preços, nem volumes negociados, nem a identidade dos investidores.

O fato de ser um bicho estranho provocou um vácuo regulatório nos Estados Unidos, o epicentro desse fenômeno. Por lá, há uma enorme fragmentação da regulação, com a confusão histórica entre união e estados, cada qual com suas entidades regulatórias e bancos centrais. 

Essa confusão faz com que a SEC (Comissão de Valores Mobiliários) trate o bitcoin como mercadoria. Outros tratam como títulos. Ele não é nada disso, é apenas uma ficção especulativa, como tem sido o comércio de antiguidades, o de imagens computadorizadas e outras loucuras provocadas pelo excesso de liquidez e redução dos juros de títulos públicos.

Essa mesma falta de definição permitiu a expansão dos CDS (seguro criado para garantir financiamentos habitacionais). E os órgãos reguladoras só passaram a atuar depois da grande explosão de 2008. 

Veja: A CPI continua botando mais caroço para o indigesto angu de Bolsonaro https://bit.ly/3dkvSvC

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