A revolução solar
Ronaldo Correia de Brito*
Minha revolução solar aconteceu
às 13 horas e 42 minutos de hoje. Isso significa que os astros se alinharam
igualzinho às 9 horas da manhã, do domingo 01 de outubro de 1950, quando eu
nasci na fazendo Lajedo, município de Saboeiro, região dos Inhamuns, Ceará.
Depois de perderem tragicamente
uma filha e um filho, meus pais me aguardavam com ansiedade.
Às 7 horas mamãe entrou em
trabalho de parto e, duas horas depois, eu soltava os primeiros berros,
semelhante aos bezerros, borregos e cabritinhos.
Fui banhado numa cuia, onde
depositaram os ouros da casa, me auspiciando riqueza. Os cordões e anéis eram
todos fabricados nas ourivesarias de Juazeiro do Norte, com uma liga fraca de
ouro quatorze. Mesmo assim, não tenho motivos para queixar-me.
A astróloga recomendou que eu
meditasse no instante da conjunção. Sentei-me e lembrei de um rio da infância,
o Jardim, que corria nas terras dos meus avôs maternos. À margem dele, num ano
de cheia, Pedro Zacarias de Brito, o avô, foi encontrado morto com apenas 42
anos. A vida não foi bastante para se chorar essa perda.
Mas o riozinho era puro encanto
e felicidade. Tinha vários remansos, o maior deles coberto por ingazeiras,
cajazeiras, oiticicas e juremas. Até vir estudar no Recife, passava minhas
férias escolares boiando em suas águas frias, nu como cheguei ao mundo, pleno
de felicidade e gozo. Em volta, um pomar de limeiras, laranjeiras, goiabeiras e
bananeiras nos convenciam de que o paraíso existe.
Fui expulso por um anjo.
Sempre que viajo ao Crato,
visito o Boqueirão, que já não pertence à minha família, mas o Jardim continua
correndo pelo mesmo leito. Não é fácil chegar ao remanso onde eu me banhava. Um
primo e amigo, Assis Gonçalves, que teima em continuar nas terras agora
improdutivas e abandonadas, me leva em visita ao meu lugar sagrado.
Não é fácil chegar. Não existe
caminho, precisamos romper espinheiras e, no inverno, os longos trechos
inundados pelas cheias. Assis Gonçalves é paciente e cheio de pilherias. Brinca
e debocha da minha falta de traquejo com o mato.
Perdi tudo, desculpo-me.
Na última vez que visitamos o
Jardim, no mês de fevereiro antes da pandemia, o lugar estava mais belo do que
nunca. Isolado do mundo, pouco acessível, parecia fixado numa pintura a óleo.
Sabiás, patativas, azulões e outros pássaros sobreviventes cantavam. Fomos
tomados pela comoção. Assis se aproximou de mim, tocou o meu ombro e me disse:
– Toda essa beleza fica
guardada, sem que vejam. Ninguém mais passa aqui e o silêncio corre solto. Pra
quem a natureza se apronta?
Para mim?
Sabendo que havia traído minha
inocência, chorei.
*Médico, dramaturgo, escritor
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