16 outubro 2021

Crônica do sábado

A revolução solar

Ronaldo Correia de Brito*

 

 

Minha revolução solar aconteceu às 13 horas e 42 minutos de hoje. Isso significa que os astros se alinharam igualzinho às 9 horas da manhã, do domingo 01 de outubro de 1950, quando eu nasci na fazendo Lajedo, município de Saboeiro, região dos Inhamuns, Ceará.

Depois de perderem tragicamente uma filha e um filho, meus pais me aguardavam com ansiedade.

Às 7 horas mamãe entrou em trabalho de parto e, duas horas depois, eu soltava os primeiros berros, semelhante aos bezerros, borregos e cabritinhos.

Fui banhado numa cuia, onde depositaram os ouros da casa, me auspiciando riqueza. Os cordões e anéis eram todos fabricados nas ourivesarias de Juazeiro do Norte, com uma liga fraca de ouro quatorze. Mesmo assim, não tenho motivos para queixar-me.

A astróloga recomendou que eu meditasse no instante da conjunção. Sentei-me e lembrei de um rio da infância, o Jardim, que corria nas terras dos meus avôs maternos. À margem dele, num ano de cheia, Pedro Zacarias de Brito, o avô, foi encontrado morto com apenas 42 anos. A vida não foi bastante para se chorar essa perda.

Mas o riozinho era puro encanto e felicidade. Tinha vários remansos, o maior deles coberto por ingazeiras, cajazeiras, oiticicas e juremas. Até vir estudar no Recife, passava minhas férias escolares boiando em suas águas frias, nu como cheguei ao mundo, pleno de felicidade e gozo. Em volta, um pomar de limeiras, laranjeiras, goiabeiras e bananeiras nos convenciam de que o paraíso existe.

Fui expulso por um anjo.

Sempre que viajo ao Crato, visito o Boqueirão, que já não pertence à minha família, mas o Jardim continua correndo pelo mesmo leito. Não é fácil chegar ao remanso onde eu me banhava. Um primo e amigo, Assis Gonçalves, que teima em continuar nas terras agora improdutivas e abandonadas, me leva em visita ao meu lugar sagrado.

Não é fácil chegar. Não existe caminho, precisamos romper espinheiras e, no inverno, os longos trechos inundados pelas cheias. Assis Gonçalves é paciente e cheio de pilherias. Brinca e debocha da minha falta de traquejo com o mato.

Perdi tudo, desculpo-me.

Na última vez que visitamos o Jardim, no mês de fevereiro antes da pandemia, o lugar estava mais belo do que nunca. Isolado do mundo, pouco acessível, parecia fixado numa pintura a óleo. Sabiás, patativas, azulões e outros pássaros sobreviventes cantavam. Fomos tomados pela comoção. Assis se aproximou de mim, tocou o meu ombro e me disse:

– Toda essa beleza fica guardada, sem que vejam. Ninguém mais passa aqui e o silêncio corre solto. Pra quem a natureza se apronta?

Para mim?

Sabendo que havia traído minha inocência, chorei.

*Médico, dramaturgo, escritor

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