'Se você forçar e conseguir rir, insista, porque pode
acabar se alegrando de verdade', afirma psiquiatra
Médico
Daniel Martins de Barros lança o livro 'Rir é Preciso' no qual revela do que e
por que rimos, e aponta o papel na evolução e os benefícios para a saúde de uma
boa risada
Constança Tatsch, O Globo
O
psiquiatra Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, valoriza o poder do riso desde a
infância e percebeu o impacto quando ele sumiu atrás das máscaras. Durante a
pandemia, publicou o livro “O lado bom do lado ruim”, pela editora Sextante.
Mas passado o pior lado da Covid-19, com a vacinação em massa e a diminuição
dos casos, é hora, segundo ele, de refletir “como a gente vai se reconstruir,
se reerguer e voltar a ficar bem”. Nesse espírito, publica neste mês, pela
mesma editora, o livro “Rir é preciso”, no qual ele aborda a importância do
riso para a saúde, a comunicação e a própria evolução humana.
Para quem
acha que anda difícil sorrir, ele aconselha tentar, mesmo que comece meio
falso: “se você forçar e conseguir rir, vale insistir um pouco porque pode
acabar se alegrando de verdade”. Veja os melhores trechos da entrevista:
O que é o riso?
O riso é reflexo da
história pessoal e também da humanidade, é uma forma de comunicação que a
seleção natural imprimiu, um sinal de que está tudo bem. É uma expressão que ao
mesmo tempo revela algo sobre nós, comunica e modula o comportamento do outro.
As emoções em geral são assim, o choro também é um sinal do que você está
sentindo e que interfere no comportamento do outro.
O sorriso tem significado diferente?
Nem sempre é verdadeiro.
O sorriso é um sinal.
A gente se cumprimenta, você sorri porque está tudo bem e estamos tentando nos
conectar. Esse é o sorriso sincero, genuíno, mas o ser humano desenvolveu a
capacidade de controlar a musculatura, pelo menos da boca, embora não do canto
dos olhos, que só enruga quando a risada é verdadeira, e passou a ser também um
sinal de que eu quero que esteja tudo bem. Ou seja, quando eu sinto que está
tudo bem isso se reflete no sorriso. Agora, se por algum acaso eu não sinto
isso mas quero te passar esse sinal, também posso sorrir. É um sorriso não
genuíno, mas também não é, necessariamente, mentiroso. Pode ser protocolar, de
educação.
Rir
é próprio dos humanos?
Quando a
gente estuda o os grandes primatas, que são mais próximos de nós, tipo bonobos
ou gorilas, dá para ver o esboço do que parece ser um sorriso. É uma
movimentação labial, às vezes com um som repetitivo “puf puf”, um arfar, que
surge no contexto em que eles estão brincando de brigar, fazendo cócegas,
correndo atrás do outro. Os bichos têm um gestual para mostrar que não estão
ameaçando o outro, que estão brincando, que está tudo bem. Isso nos grandes
primatas evoluiu para o rosto, para esse protossorriso, e no ser humano, que
desenvolveu mais a motricidade da face, a linguagem, evoluiu para a risada
propriamente dita.
Você falou em seleção natural. Essa
comunicação teve um papel evolutivo?
A risada é uma
maneira de você transmitir para o bando inteiro de forma muito rápida e eficaz
que está tudo bem. Pode ver que o riso é contagioso. Imagina que o sentinela
viu uma ameaça, uma sombra, um barulho. Ele dá aquele berro, todo mundo fica
meio tenso. De repente ele diz que foi só alguém que tomou um tombo e dá risada.
Essa risada vai repercutir no bando e todo mundo se tranquilizará.
Quando a gente ri é
porque a nossa emoção baixou. O riso e a emoção são como água e óleo, onde um
está o outro não. Quando você está com um problema e consegue rir dele, você
também diminui o seu sofrimento. O riso é terapêutico nesse sentido, porque ele
consegue mostrar outro lado da situação, outra perspectiva, e desarma um pouco
a tristeza, o medo, a ansiedade, a angústia, e assim por diante.
E aquelas pessoas que riem em momentos
inapropriados? Ao receber uma má notícia ou ao ser parado pela polícia, por
exemplo.
É o seu cérebro
tentando te tranquilizar. Normalmente isso acontece quando você é pego
desprevenido numa emoção, de repente vem uma onda e você não está preparado pra
lidar com aquela subida rápida de emoção e o seu cérebro fala “não, calma, não
é pra tanto” e vem o riso de nervoso. Só que se for para a polícia é “calma, só
que não”! Acaba preso por desacato (risos).
Por que algumas pessoas acham muita
graça em uma coisa e outras não?
Existem diferentes
tipos de humor e aquilo que a gente vai achar engraçado vai mudar de acordo com
a nossa idade, contexto, personalidade e história de vida. Criança, por
exemplo, acha mais graça de comédia pastelão, para adulto é mais previsível,
mas elas têm um repertório mais pobre de situações de vida. Depois vem a graça dos
jogos de linguagem, o trocadilho, que a criança um pouco mais velha, que está
começando a dominar a linguagem, acha bem interessante. Existe o humor
nonsense, que você ri da falta de sentido, e quem tem uma personalidade mais
aberta a novidades, por exemplo, tende a achar mais graça. Já uma pessoa mais
conservadora não vê tanta graça no humor nonsense. Existe também o humor da
quebra de regras, mais transgressor, de questionar valores, que os jovens
tendem a gostar mais.
A risada é uma
maneira de a gente tentar lidar com as nossas dores, o nosso sofrimento: para a
criança tem a piada com cocô ou xixi, o adolescente faz piada com sexo, para o
adulto tem piada com adultério, com finanças, para o idoso tem piada com
morte... Aquilo que nos preocupa ou incomoda é tema de piada.
No entanto, o
humor mudou muito nas últimas décadas. Antes se faziam piadas que hoje não
cabem mais. Consegue explicar isso?
O humor muda conforme
muda a sensibilidade. Quando algo mobiliza demais nossos afetos e é visto como
grave, triste ou ameaçador, se diz: “isso aqui é sério, disso não se ri”. Por
outro lado, quando você acha que não tem transgressão nenhuma, que não cutuca
nada nem ninguém, também não tem graça, aí é só uma explanação dos fatos. O
humor é uma violação benigna. É uma violação, mas você consegue mostrar que é
brincadeira.
Mas o que tem graça
foi mudando. Hoje ninguém pensa em fazer uma piada sobre estupro. Como piada de
preto, de gay. A questão dos prejuízos, da discriminação, do racismo, da falta
de oportunidades, da violência, cresceu na sociedade e isso é tão grave que não
dá para rir, não tem mais graça. Quando a gente faz piada de valores ou
instituições que estão constituídos, como o homem branco hétero, o banco, a
igreja, eles não vão ser prejudicados, está apontando falhas, supostamente
podendo até melhorar o funcionamento.
As pessoas se sentem mais livres para
brincar quando se trata do próprio grupo, não?
Quando eu rio para
você, você ri para mim, a gente ri junto e fecha um grupo. Está falando a mesma
linguagem, compartilhando os mesmos pressupostos, chegando às mesmas
conclusões, estamos nos divertindo juntos. Isso dá uma conexão que, para mim, é
o que está por trás de todos os benefícios do riso. Mas quando você faz isso às
custas de alguém de fora, o que está fazendo é fechar o grupo para esta pessoa
e ela está sendo excluída. E se sentir rejeitado, excluído, é emocionalmente
muito pesado.
O riso faz bem à saúde?
A risada diminui o
nosso estresse. O riso é uma mensagem tranquilizadora, que nos relaxa. E a
gente sabe que o estresse contínuo é prejudicial para a saúde. Então, o riso
previne esse desgaste. Vários estudos mostram que se o estresse diminui, a
eficácia do nosso sistema imunológico aumenta. Você produz mais
imunoglobulinas, por exemplo, que são substâncias associadas ao combate de
infecções. E esse efeito de relaxamento também tem propriedades analgésicas.
Quando você está rindo você tolera melhor a dor, física e, obviamente, a
emocional também, porque você está pensando menos naquilo, está sofrendo menos
com o problema. Então, do ponto de vista de saúde, eu brinco que o riso não é o
melhor remédio porque ele não cura nada. Mas ele é um excelente adjuvante
porque ajuda em tudo.
Se a pessoa forçar o riso, ele acaba
vindo? Vale tentar?
Você consegue fingir
que está rindo, mas é diferente de você rir a risada que balança a pança,
quando você ri emocionalmente. No entanto, o cérebro e o corpo têm uma ligação
de mão dupla. Então, quando você está alegre você sorri. Por outro lado, quando
você sorri você está transmitindo para o cérebro a mensagem de que está alegre.
Mal comparando é igual a respirar. Se você fica ansioso, você respira muito
rápido. Se está tranquilo, respira devagar. Então se você voluntariamente se
forçar a respirar devagar você se tranquiliza. Você hackeia o cérebro. É mais
ou menos isso: se você forçar e conseguir rir, vale insistir um pouco porque
pode acabar se alegrando de verdade e conseguindo dar uma melhorada pelo menos
por um breve período. O riso não é uma pílula mágica mas traz bons alívios
temporários.
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