Eleições 2022:
'voto envergonhado’ em Lula ou Bolsonaro pode decidir o pleito?
Com a proximidade das eleições e em meio a um
pleito fortemente polarizado, um tema em particular vem despertando interesse
de especialistas e da imprensa: o voto nos candidatos mais bem cotados à
presidência — Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — poderia
estar subnotificado?
Luis Barrucho, BBC Brasil
Alguns passaram a descrever esse fenômeno como "voto
envergonhado" ou até "amedrontado", ou seja, eleitores deixariam
de expressar sua preferência quando questionados em sondagens eleitorais por
"vergonha" ou "medo" — em linha com uma teoria de
comunicação de massa conhecida como "espiral do silêncio" e usada
para descrever a formação da opinião pública.
Segundo essa
teoria (leia mais no fim desta reportagem), o indivíduo tende a omitir
sua opinião quando ela contraria a opinião dominante, por medo de isolamento
social.
As últimas
pesquisas mostram Lula à frente de Bolsonaro nas intenções de voto, com
possibilidade de vitória do petista ainda em primeiro turno.
O cientista
político Antonio Lavareda, que é presidente do Conselho Científico do Ipespe
(Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) e ligado à
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), foi o primeiro a levantar essa
hipótese, com vantagem para Bolsonaro.
Já Felipe
Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest, diz exatamente o contrário:
que há subnotificação de votos a favor de Lula. E que isso se dá por
"vergonha" que parte do eleitorado sente ao votar no petista. Nunes
diz que três estudos realizados por ele e sua equipe comprovam esse voto
"envergonhado ou amedrontrado".
Por outro
lado, Márcia Cavallari, do Ipec, e Luciana Chong, do Datafolha, embora
reconheçam a 'espiral do silêncio' como fenômeno da opinião pública, sobre a
qual dizem haver vários estudos, afirmaram que não encontraram evidências de
subnotificação de votos em nenhum dos candidatos.
Todos
ressalvaram que isso só poderá ser verificado com exatidão depois das eleições.
Vantagem para
Bolsonaro
Lavareda
sugeriu a possibilidade de subnotificação de voto a favor de Bolsonaro como
possível explicação para a discrepância entre os resultados das recentes
pesquisas de intenção de voto presenciais e por telefone. Em ambas, Bolsonaro
aparece atrás de Lula, porém, na primeira modalidade, a diferença entre os dois
candidatos é maior.
Ele diz
acreditar que eleitores do atual presidente, especialmente entre as camadas de
menor renda e escolaridade, nas quais Lula tem intenção de voto muito maior,
estariam mais suscetíveis a omitir a preferência pelo atual presidente, quando
questionados presencialmente sobre em quem votariam, diante de amigos ou
vizinhos. Por outro lado, por telefone, ficariam mais "relaxados"
para dizer a verdade.
"Alguns
indivíduos, quando têm uma opinião sobre um assunto relevante, mas discrepante
da maioria do seu grupo social, omitem essa atitude ou preferências para evitar
entrar em conflito e ficar apartado do respectivo grupo", explica, em
entrevista à BBC News Brasil.
"Minha
hipótese é que isso pode acontecer entre pessoas de baixa renda, nas quais Lula
tem três vezes mais intenção de voto do que Bolsonaro, sobretudo em pesquisas
presenciais. Nas pesquisas telefônicas, isso não ocorre ou se dá com muito
menor intensidade. Esse eleitor que fica ressabiado em expressar sua preferência
conflitante com a preferência do grupo tem que 'confessar' essa preferência em
público, e isso pode produzir algum constrangimento", acrescenta,
reforçando de que se trata apenas de uma "suposição" e que não há
dados concretos que a comprovem.
Leia também: Estive na UTI, mas já estou nas ruas -
lutando https://bit.ly/3xn8CXR
Mas se essa
hipótese realmente for verdadeira, o mesmo não poderia acontecer com eleitores
de Lula entre os mais ricos, nos quais Bolsonaro tem intenção de voto maior?
"Sim,
claro. Mas a magnitude disso, em termos relativos, é muito menor. Há muito
menos eleitores nas camadas mais altas da população do que nas camadas mais
baixas, portanto, o impacto porcentual nas pesquisas de intenção de voto é bem
menor", pondera.
Lavareda
destaca ainda que não se trata de um "voto envergonhado".
"A minha
hipótese é que não é envergonhado. É um voto de um cidadão em uma eleição
altamente polarizada como essa prefere resguardar suas opiniões e atitudes para
si próprio, para evitar acentuar conflitos em seu grupo social. Não é um voto
envergonhado; o eleitor não tem vergonha de ter aquela preferência. Ele omite a
preferência. É a espiral do silêncio e não espiral da vergonha",
argumenta.
"Na
percepção desse eleitor, ele é minoritário demais e há muita intolerância para
um comportamento discrepante do que é modal no grupo", acrescenta.
Lavareda diz
ainda acreditar que as manifestações de 7 de setembro "podem ter
eventualmente "liberado" esse voto oculto entre as pessoas de menor
escolaridade e renda. Ao reforçarem uma percepção de sua forte presença na
sociedade".
"Mas
esses 38% de pesquisa posterior a elas devem nos deixar alertas para essa
hipótese (de subnotificação)", ressalva.
O percentual
citado por Lavareda consta em uma pesquisa recente do Ipespe que perguntou
"quando o assunto é eleição [você] evita dizer em quem vai votar, diz apenas
se perguntado, ou fala abertamente quem é seu candidato?"
Do total de
entrevistados, 38% responderam que evitam dizer quem vai votar; 19% dizem
apenas se perguntados, 38% falam abertamente quem é seu candidato e 5% dizem
não ter candidato ou não sabem ou não responderam.
E entre os
que evitam dizer em quem vão votar, a maior parte (41%) tem Ensino Fundamental
e ganha até dois salários mínimos (42%).
Vantagem para Lula
Felipe Nunes,
da Qaest, pensa diferente.
"Não
haveria por que o eleitor de Bolsonaro confessar o voto numa direção em 2018 e
agora ter motivo para escondê-lo", acrescenta.
"Fizemos
estudos que mostram que o eleitor do Lula não tem a mesma facilidade que o
eleitor do Bolsonaro de expressar sua preferência em seu candidato, o que
explicaria porque vemos uma diferença tão grande nas ruas, por exemplo, em
relação a manifestações."
"Ele tem
vergonha de votar no Lula, ou até medo. Muito por causa dos escândalos de
corrupção em que o PT esteve envolvido. Já o eleitor de Bolsonaro é muito mais
verbal; ele 'aparece mais', o que dá a falsa impressão de que as pesquisas de
intenção de voto não estão captando a vontade do povo", explica.
Nunes
ressalva que esse comportamento do eleitorado petista "não tem a ver com
renda".
Ele lembra
que numa pesquisa da Quaest de abril sobre quem o entrevistado preferia que
vencesse as eleições, 31% deles expressavam abertamente a preferência por
Bolsonaro e que 30,7% preferiam o atual presidente como vencedor. Ou seja, não
haveria voto "envergonhado" em Bolsonaro em 2022.
Mas a mesma
pesquisa mostrou naquele momento que 41,8% dos entrevistaram expressaram
abertamente preferência pela vitória de Lula, enquanto que 42,8% preferiam o
candidato do PT fosse presidente outra vez.
"O
aumento de 1 ponto percentual favorece a tese de que, se houver voto
"envergonhado" nesta eleição, ele tem mais chance de ser do eleitor
de Lula do que de Bolsonaro", assinala Nunes em artigo desta quarta-feira
(21/9) intitulado
"Entre o voto envergonhado e o voto amedrontado" e publicado pela
Revista Piauí.
No texto,
Nunes recorre à teoria da "espiral do silêncio" para afirmar que, em
sua visão, o "enquadramento moralista" adotado por eleitores de
Bolsonaro ao falarem de Lula, "com ênfase sobretudo no tema da corrupção,
estaria incentivando apoiadores de Lula à autocensura".
"Tanto o
medo quanto a propensão à autocensura do voto são maiores entre eleitores de
Lula do que entre os de Bolsonaro. Assim, além do voto "envergonhado"
— em razão da incapacidade do eleitor de Lula de expressar sua preferência num
ambiente de cobrança por uma posição socialmente desejável contra a corrupção
-, identificamos uma autocensura causada também pelo medo de intimidação social
ou mesmo de violência", conclui Nunes no artigo, escrito em parceria com
Frederico Batista, professor da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte
e pesquisador visitante da Quaest.
Sem subnotificação
No entanto,
outras diretoras de institutos de pesquisa eleitorais ouvidas pela BBC News
Brasil, embora reconheçam a 'espiral do silêncio' como fenômeno da opinião
pública, sobre a qual dizem haver vários estudos, afirmaram que a hipótese
levantada por Lavareda não é corroborada, por enquanto, por dados concretos.
Leia também: Metade dos eleitores que podem mudar
de voto rejeita Bolsonaro https://bit.ly/3dkEGoz
"Tenho
colocado nos meus questionários em quem você votou no segundo turno de 2018 e
não há subnotificação de eleitores bolsonaristas", diz Márcia Cavallari,
CEO do Ipec, instituto fundado por parte da equipe que atuava no antigo IBOPE.
Segundo ela,
institutos de pesquisa normalmente usam métodos para tentar minimizar a
possibilidade de subnotificação de eleitores, ora por meio de "perguntas
de controle, de comportamento eleitoral no passado" ou "pedindo ao
entrevistado para votar secretamente, num tablet, sem ele ter que falar ao
entrevistador em quem ele está votando".
"Esse
fenômeno ('espiral do silêncio') é muito antigo e sempre foi estudado; há
mecanismos de minimizar isso, mas isso não impede que aconteça. Mas não sabemos
se está acontecendo agora".
Luciana
Chong, diretora do Datafolha, acrescenta que, por enquanto, não há dados que
comprovem subnotificação de votos.
"Temos
um aplicativo que simula a urna eletrônica no qual o entrevistado pode
reproduzir o voto dele. Realmente, não há dados que me indiquem que isso
(subnotificação) possa estar acontecendo. O que faz é sempre ter alguns
mecanismos para tentar entender isso melhor", diz.
"Sempre
fazemos esse controle e não percebemos isso em outras eleições. Parece algo
residual até agora. Mas cada eleição é diferente".
Ou seja, só
teremos a certeza sobre a subnotificação de votos após as eleições.
'Espiral do silêncio': a teoria
A 'espiral do
silêncio', aludida pelos especialistas, é uma teoria da ciência política e
comunicação de massa desenvolvida nas décadas de 60 e 70 pela alemã Elisabeth
Noelle-Neumann.
Segundo essa
teoria, a vontade das pessoas de expressar suas opiniões sobre questões
públicas controversas é afetada pela percepção — amplamente inconsciente — que
elas têm dessas opiniões como populares ou impopulares.
Em outras
palavras: a percepção de que a opinião de alguém é impopular tende a inibir ou
desencorajar sua expressão, enquanto a percepção de que é popular tende a ter o
efeito oposto.
Noelle-Neumann
decidiu estudar o que levou à surpresa das eleições federais alemãs de 1965. E
fez uma descoberta surpreendente sobre a pesquisa eleitoral realizada durante a
campanha daquela ocasião.
Meses antes
do dia da eleição em setembro de 1965, ela e sua equipe do Instituto Allensbach
de Pesquisa de Opinião Pública lançaram uma série de pesquisas destinadas a
analisar as opiniões políticas do eleitorado durante a campanha.
De dezembro
de 1964 até pouco antes do dia das eleições, os resultados da pesquisa sobre as
intenções de voto dos eleitores permaneceram praticamente inalterados. Mês após
mês, os dois principais partidos, o governista União Democrata-Cristã - União
Social-Cristã (CDU-CSU) e opositor Partido Social-Democrata da Alemanha (SDP),
estavam empatados, com cerca de 45% da preferência do eleitorado cada um.
Sendo assim,
seria impossível prever qual partido tinha mais probabilidade de vencer a
eleição.
Leia também: Venceremos o medo, sim! https://bit.ly/3DvBwsL
Porém, nas
últimas semanas da campanha, a situação mudou repentinamente, com os resultados
da pesquisa mostrando uma virada de última hora em favor da CDU-CSU. A
porcentagem de entrevistados que disse que pretendia votar na CDU-CSU subiu de
supetão para quase 50%, enquanto a parcela que pretendia votar no SDP caiu para
menos de 40%. No final, o resultado da eleição confirmou o que as pesquisas
haviam indicado: a CDU-CSU venceu com 48% dos votos, contra 39% do SDP.
Curiosamente,
enquanto as intenções dos eleitores permaneceram inalteradas ao longo de muitos
meses, suas expectativas em relação ao resultado da eleição mudaram
drasticamente durante o mesmo período. Em dezembro de 1964, a porcentagem de
entrevistados que esperava a vitória do SDP era quase a mesma que a parcela que
esperava uma vitória da CDU-CSU. Mas, então, os resultados começaram a mudar: a
porcentagem de entrevistados que esperava uma vitória da CDU-CSU aumentou
continuamente, enquanto o SDP perdeu terreno.
Já em julho
de 1965, a CDU-CSU estava claramente na liderança em relação às expectativas
dos eleitores e, em agosto, quase 50% esperavam que o partido venceria. No
final da campanha, um número considerável de ex-apoiadores do SDP ou eleitores
indecisos votaram no partido que acreditam que sairia vitorioso.
Noelle-Neumann
investigou as causas sobre por que isso poderia ter acontecido. Ela suspeitou
que uma visita da rainha Elizabeth 2ª à Alemanha em maio de 1965, durante a
qual ela foi frequentemente acompanhada pelo chanceler alemão democrata-cristão,
Ludwig Erhard, pode ter criado um clima otimista entre os partidários da CDU,
levando-os a proclamar publicamente suas convicções políticas. Como resultado,
os partidários do opositor SDP podem ter (erroneamente) concluído que as
opiniões de seus oponentes eram mais populares do que as suas e que, portanto,
a CDU venceria.
Os
partidários do SDP foram, portanto, desencorajados a articular publicamente
suas próprias opiniões, reforçando a impressão de que a CDU era mais popular e
mais provável de ser vitorioso.
Isolamento social
Segundo a
teoria proposta por Noelle-Neumann, a maioria das pessoas tem um medo natural —
e principalmente inconsciente — do isolamento social que as leva a monitorar
constantemente o comportamento dos outros em busca de sinais de aprovação ou
desaprovação.
Para a
cientista política alemã, a fim de evitar esse isolamento, tendemos a nos
abster de expor publicamente nossas opiniões sobre assuntos controversos quando
percebemos que isso vai atrair críticas, desprezo, chacota ou outros sinais de
desaprovação.
Por outro
lado, quando sentimos que nossas opiniões serão bem-recebidas tendemos a
expressá-las sem medo e às vezes de uma forma bastante intensa.
Começa,
assim, um processo em espiral: o campo dominante se tornando cada vez maior e
mais autoconfiante, enquanto o outro campo se torna cada vez mais silenciado.
É a 'espiral do silêncio'.
Na visão de
Noelle-Neumann, contudo, a popularidade real de uma opinião não determina
necessariamente se ela acabará por predominar sobre opiniões opostas. Ou seja,
uma opinião pode ser dominante no discurso público mesmo que a maioria da
população realmente discorde dela, desde que a maioria das pessoas acredite
(falsamente) que essa opinião é impopular e se abstenha de expressá-la por medo
de ficar isolada.
O objetivo de
Neumann, com sua teoria, era descrever mais amplamente a formação de opinião
coletiva e a tomada de decisões da sociedade em relação a questões controversas
ou moralmente carregadas.
E entender
como os meios de comunicação de massa — e, por que não, as pesquisas de
intenção de voto — podem influenciar no comportamento da opinião pública.
Veja: Pedir o voto faz a diferença https://bit.ly/3QUTNTT
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