Coluna Prestes chega aos cem anos, lembrada pela força do seu legado histórico
Neste dia em 1924, Luís Carlos Prestes partiu de Santo Ângelo (RS) em coluna militar pelo país, expondo as fragilidades da República Velha e abrindo caminho para a Revolução de 1930
Cezar Xavier/Vermelho
O cenário político e social no Brasil dos anos 1920 se encontrava em um estado de ebulição, marcado pela insatisfação crescente nas fileiras militares e pelo descontentamento com a estrutura política da República Velha. Esse período viu emergir o movimento tenentista, um conjunto de levantes que procuravam romper com o sistema político vigente, dominado pelas oligarquias estaduais e simbolizado pela política de “café com leite”. Entre os eventos mais emblemáticos desse movimento, destaca-se o surgimento da Coluna Prestes, uma marcha revolucionária liderada pelo capitão Luís Carlos Prestes, que ecoaria por anos na história política do país.
Em 28 de outubro de 1924, Prestes, então comandante do 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, uniu forças com outros revoltosos. O grupo tinha o objetivo de se encontrar com remanescentes da Revolta Paulista de 1924, que havia sido duramente reprimida, em uma tentativa de dar continuidade ao levante iniciado por militares em São Paulo. Assim nasceu a Coluna Prestes, oficialmente conhecida como a 1ª Divisão Revolucionária, ou Coluna Miguel Costa-Prestes.
Ao longo de dois anos, a Coluna percorreu aproximadamente 25 mil quilômetros pelo Brasil, reunindo em seu auge cerca de 1,5 mil integrantes. Partindo do Rio Grande do Sul em outubro de 1924, passou por 13 estados brasileiros, travou 53 combates e derrotou 18 generais do Exército brasileiro durante dois anos e três meses. Entre eles, estavam jovens militares e civis, incluindo cerca de 50 mulheres, que defendiam uma ampla gama de reivindicações, como o voto secreto, educação pública e gratuita para todos, e o combate à miséria e às injustiças sociais. O movimento simbolizava a crítica aos valores republicanos esquecidos e a uma política centralizada em interesses oligárquicos.
Apesar de sua longa marcha e de uma luta constante, a Coluna Prestes não conseguiu derrubar o governo do então presidente Artur Bernardes. No entanto, o movimento expôs as fragilidades do sistema da República Velha e enfraqueceu a política do “café com leite”, abrindo caminho para a Revolução de 1930, que levaria Getúlio Vargas ao poder.
Um movimento inovador e desgaste natural
Os tenentes da Coluna não pretendiam apenas reformar o governo; queriam transformá-lo em um sistema mais inclusivo e menos corrupto. A longa caminhada pelos sertões brasileiros levou os militares a estabelecer contatos com populações rurais e fortalecer a adesão de novos combatentes. Registros históricos indicam ações em favor dos mais pobres, como a destruição de processos judiciais movidos por coronéis contra pequenos agricultores, além da soltura de presos e distribuição de medicamentos. Essas atitudes visavam não apenas ajudar as comunidades locais, mas também enfraquecer a propaganda governista, que retratava os revolucionários como inimigos da pátria.
Ainda assim, após uma longa jornada e constantes combates, o desgaste foi inevitável. O objetivo inicial de derrubar Artur Bernardes perdeu força quando seu mandato se aproximava do fim, em novembro de 1926. Sem uma organização política concreta e com uma adesão popular limitada, a Coluna Prestes encerrou suas atividades, sem cumprir seus objetivos, mas deixando uma marca duradoura na história brasileira.
O legado e a ascensão de novos líderes
O movimento tenentista não terminou com a dispersão da Coluna Prestes. Ele inspirou a formação de novas lideranças e alimentou a insatisfação popular com a República Velha, o que mais tarde se consolidaria no movimento de 1930, liderado por Vargas. A figura de Luís Carlos Prestes, posteriormente apelidado de “Cavaleiro da Esperança”, se tornaria um ícone revolucionário. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro, Prestes se manteve ativo na cena política até o fim da vida, passando por períodos de exílio e de perseguição durante o Estado Novo de Vargas e a ditadura militar instaurada em 1964.
Outros líderes da Coluna seguiram caminhos distintos. Miguel Costa, outro importante comandante da Coluna, permaneceu ativo na política de São Paulo, mas sua figura acabou obscurecida pela proeminência de Prestes e de Vargas. Alguns ex-integrantes da Coluna, como Filinto Müller e Juarez Távora, mudaram de ideologia ao longo dos anos e aderiram ao campo conservador, ocupando cargos de destaque durante o Estado Novo e a ditadura militar.
Reflexo na história política do Brasil
A Coluna Prestes encerrou seu percurso, mas suas demandas ecoaram no imaginário nacional e nas transformações políticas que viriam nas décadas seguintes. O movimento tenentista mostrou que o modelo político da República Velha era vulnerável, incapaz de atender às demandas populares e suscetível à corrupção e ao clientelismo. Esse enfraquecimento do sistema tradicional pavimentou o caminho para o fortalecimento do governo central e uma maior intervenção do Estado nos assuntos sociais, elementos que se tornariam marcas do governo Vargas.
Ao final, a Coluna Prestes se estabeleceu como um símbolo de luta por justiça social e modernização do Estado brasileiro, deixando um legado de resistência que perduraria como uma lembrança constante do potencial transformador das forças populares no Brasil.
[Ilustração: Cândido Portinari]
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