03 junho 2025

Enio Lins opina

A piratização das praias alagoanas se impõe apulso como espoliação descarada
Enio Lins   

DRAMA CADA DIA mais preocupante, voltou a ser abordado pela Tribuna Independente em sua edição do dia 31 de maio: a anarquia imobiliária que assola litoral alagoano, bagunça particularmente catastrófica em Maceió e orlas adjacentes. Em matéria assinada pelo jornalista Wellington Santos, o problema é atualizado em sua gravidade crescente.

DURANTE CINCO SÉCULOS, a ocupação do litoral brasileiro seguiu mais ou menos o mesmo riscado: nas áreas rurais, as fazendas estendiam cercas até a beira do mar. No caso nordestino, alagoano no particular, extensas plantações de coqueiros substituíram a vegetação nativa inapelavelmente extinta pelo colonizador. Nas áreas urbanas tiveram como regra, praticamente geral, o distanciamento dos lotes privados da areia da praia, separação marcada por algum tipo de via pública.

EXCEÇÕES FORAM FEITAS para quem sobrevivia do mar. No caso nordestino, alagoano no particular, algumas vilas de pescadores e os ancoradouros das jangadas eram nas areias das praias, onde repousavam antes de irem e virem das ondas, rolando sobre toras de coqueiro. E assim os séculos foram se passando, consagrando como público o acesso à praia. E as leis, sempre mutáveis, foram sacramentando esse uso consuetudinário.

DIZEM-NOS AS INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS: “No Brasil, as praias são de uso público desde a Lei Federal nº 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Esta lei estabelece que as praias são bens públicos de uso comum do povo, com livre e franco acesso a elas e ao mar”. Complementam: “Antes da Lei nº 7.661/1988, as praias eram consideradas terrenos de marinha, e a sua utilização era mais restrita. A Lei de 1831, por exemplo, determinava que a partir do preamar médio, até 15 braças craveiras (33 metros), eram considerados terrenos de marinha, tornando-se assim defesos ao uso comum de todos e estipulava critérios de aforamento para determinados usos privados”. Apois era assim, ad saecula saeculorum: o público tinha prioridade na beira do mar. Era assim, agora não mais.

NOS ÚLTIMOS ANOS, a ganância da especulação imobiliária de alto luxo e a conivência dos poderes públicos estão subvertendo essa prática secular e o privado mandou à privada o antes consagrado pelo direito consuetudinário. Ao povo nega-se a praia. Mas o povo será obrigado a participar do pagamento dos custos (altíssimos) dessa privatização – piratização, posto ser ainda ilegal, pois a tal Lei Federal nº 7.661/1988, teoricamente, segue em vigor. Antes mesmo da tramitação da aberração apelidada de Lei Neymar, trambolho descrito pelas IA como “a Lei da Privatização das Praias (PEC 3/2022), determinando a transferência de terrenos de marinha para estados e municípios, causou controvérsia e foi associada a Neymar, que é sócio de empreendimentos que pretendem desenvolver projetos imobiliários no litoral nordestino. O jogador e seus parceiros negam que a PEC tenha qualquer ligação com o projeto”. Nessa explicação, reconheça-se alguma razão, pois essa sanha de piratizar o litoral brasileiro (e nordestino no particular) é muito anterior ao interesse do craque cai-cai e seu pai-pai pelas preciosas e paradisíacas praias do Nordeste (e de Alagoas no particular).

EM MACEIÓ E ADJACÊNCIAS desnuda-se, escandalosamente visível até sob as mais rigorosas miopias, o avanço assustador da piratização das praias urbanas. Por exemplo: de Guaxuma em diante, ao Norte, alguém tem conhecimento de algum vestígio de vias públicas separando o mar dos arranha-céus que brotam à beira-mar? E como bem lembra o oceanógrafo Gabriel Le Campion, entrevistado por Wellington Santos, os outdoors oferecem vastos loteamentos litorâneos ao Norte e ao Sul da capital com acesso exclusivo à praia com tal desfaçatez que “não é mais pé na areia, agora já é pé na água”.

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