Entrevista à repórter Bruna Serra
Circunspecto, cortês,
discreto, distinto, elegante, meticuloso. Todas essas palavras constam no
dicionário como sinônimos de “diplomático”. Ao longo dos últimos 12 anos, foi
com muita diplomacia que o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira (PCdoB),
desenvolveu uma técnica única que o levou a um modelo de vice considerado por
muitos como o ideal.
Graças a este estilo, é o primeiro a cumprir a função por três
mandatos na capital. Esteve no cargo por oito anos (2001-2009) ao lado de João
Paulo (PT) e, desde 1º de janeiro, como o vice de novo prefeito, Geraldo Julio.
“Aprendi que vice pode ser útil, primeiro, se não atrapalhar. E,
segundo, se ajudar. Há muitas formas de ajudar o prefeito. Uma delas é
preservar a liderança dele. É impossível governar sem contrariar interesses. Há
muitas situações dentro do governo e na relação com a sociedade que é possível
um vice - desde que solicitado pelo prefeito - ajudar a resolver, evitando que
o desgaste chegue ao nono andar da Prefeitura”, receita, referindo-se ao
pavimento onde fica o gabinete do prefeito.
Luciano Roberto Rosas de Siqueira, 65, ganhou fama como político
conciliador. Sua voz é rouca e na entonação ressalta os pontos que lhe
interessam no discurso. Conta que a formação marxista foi a grande responsável
por moldar sua capacidade de fazer concessões, a maioria delas o levaram para
caminhos jamais imaginados.
Siqueira diz, por exemplo, nunca ter desejado a vereança. Fez a
concessão em 2008 para cumprir missão do partido, embora, na época, quisesse
mesmo disputar a Prefeitura como sucessor de João Paulo. “Tínhamos 42
candidatos (a vereador) numa chapa própria e eu que nunca recusei tarefas no
partido, coloquei duas condições: que ouvíssemos todos que já haviam iniciado a
campanha. Se um só fosse contra, eu não seria candidato”, disse, antes de
falar, vaidoso, sobre sua liderança no PCdoB.
“Como sou um dos mais antigos no partido, conheço a militância toda.
Era natural que militantes se motivassem a vir para a minha campanha. Disse
então que a segunda condição seria: ninguém sairia de onde estava. E me elegi
(vereador), fui até o mais votado da nossa frente”, lembrou Siqueira, enquanto
organizava de forma metódica dois grafites em tons de mostarda em cima de um
bloco de anotações que repousava sobre a mesa de seu escritório político, no
Espinheiro.
Em outubro de 2008, Siqueira concedeu entrevista ao JC em que
garantiu não cogitar a possibilidade de deixar o cargo Câmara. Mas não foi o
que aconteceu. Em 2010, quando o PCdoB já estava bem mais próximo ao PSB do que
do PT, lançou-se candidato a deputado estadual.
Ele diz que, mais uma vez, atendeu a um chamamento do partido. Aí
veio 2012. “Estava muito bem na Assembléia e já tinha dito ao partido que ao
encerrar o mandato esperava que o PCdoB não precisasse mais de mim. Aí surgiu
essa indicação de vice (de Geraldo). É um paradoxo que a minha militância seja
sacudida pelas missões que o partido me coloca. Mas em condições normais, teria
concluído os meus mandatos”.
Entre um gole e outro de água, Siqueira fez algumas pausas na
entrevista. Numa delas, se debruçou sobre a mesa repleta de fotos da mulher,
Luci, e das duas filhas. Ele diz que o vice de Geraldo será diferente do de
João Paulo. “Mais vivido como quadro político. Porque de 2009 para cá, muita
água passou por debaixo desta ponte”.
Siqueira gosta de caminhar às cinco da manhã com a esposa e é um
homem das redes sociais. Seu iPhone não para de vibrar. São chamadas, mensagens
de Facebook e Twitter. É fã do microblog.
“Todas as manhãs posto um poema antes de caminhar”. Indagado sobre
que função irá exercer na nova “vice”, ele relembra a despedida. “No dia em que
fui embora da Prefeitura (2008), visitei todos os andares, cumprimentei todos
os funcionários. Fui muito paparicado naqueles oito anos. As pessoas dizem que
fui um vice atuante. Devo isso a João Paulo, que me delegou tarefas. O modo
como vou participar será decorrência do que o prefeito determine”.
Por fim, destaca: “É uma coisa inusitada, não é? Um cidadão ter sido
vice-prefeito duas vezes, que até então não havia tido na história do Recife, e
agora ser vice pela terceira vez!”.
“SOMOS OS MESMOS”, DIZ SOBRE JOÃO PAULO
A parceria começou quando Luciano Siqueira exercia seu primeiro
mandato de deputado estadual (1983-1986). João Paulo era sindicalista. Os dois
se descobriram nos piquetes das fábricas. O comunista passou quase 20 anos sem
disputar eleições. Exercia funções na direção do PCdoB. Foi seu “amigo-irmão”
quem o trouxe de volta às disputas.
“Voltei a participar de eleições por insistência do PT e de João
Paulo, em 2000. Nós demoramos muito a aceitar o convite, porque não estava nos
nossos planos uma disputa eleitoral”, rememora Siqueira. Em 2012 o PCdoB também
demorou para dizer ao PT que a parceria seria desfeita. Os petistas perdiam ali
o ex-parceiro seduzido pelo governador Eduardo Campos (PSB).
Em 2000, Siqueira defendia que o PSB ocupasse a vice de João Paulo.
“Chegamos a especular, quem sabe, colocar uma figura como Ariano Suassuna. Era
uma eleição difícil. Mas o PT insistia no meu nome”, diz.
O caso, mais uma vez, guarda semelhanças com 2012. Foram todos à
direção nacional do PCdoB. “Me recordo que numa conversa com o então presidente
do partido, João Amazonas, ele disse: ‘Vou te liberar. Você participa da
campanha e depois ajuda a convencer o PT a apoiar Carlos Wilson no segundo
turno’”, relembra.
Siqueira afirma que na campanha de 2012 conversou semanalmente com
João Paulo, seu oponente na disputa. O comunista na chapa de Geraldo Julio
(PSB) e o ex-prefeito na vice de Humberto Costa.
“Quando ficamos sabendo que nos enfrentaríamos como vices, nos
falamos por telefone e combinamos de manter contato. Nós conversamos durante
toda a campanha. Não houve sequer uma rusga. Como eu acho que com Humberto
também não”, pondera.
Nos bastidores, o PT se ressente de ter perdido para o PSB um aliado
antigo. Quando deixou a PCR junto com João Paulo, em 2008, Siqueira queria
mesmo ser o candidato a prefeito. “A raiz dessa proposta estava na percepção de
que a escolha do companheiro João da Costa tinha um quê de traumática no PT e
não convencera plenamente os aliados”, disse. Mas terminaram desistindo.
“Minha candidatura poderia dividir, porque uma parte do PT
sinalizava que poderia me apoiar. O PTB de Armando havia com muita antecedência
assumido um compromisso com João Paulo de apoiar o candidato que ele indicasse,
mas um pedaço do PTB me apoiaria. Ao PSB jamais pedimos apoio porque não
queríamos criar problemas entre Eduardo e o PT. Mas parte do PSB também queria
nos apoiar. Que candidatura é essa que vai dividir quando o DNA do PCdoB sempre
foi de unir? Refletimos e retiramos”, pontua, garantindo que os “amigos-irmãos”
permanecem os mesmos depois da batalha sangrenta que foi a eleição de 2012.
JC - O que foi fundamental para o PCdoB não acompanhar o PT em 2012?
LUCIANO SIQUEIRA - Nas atividades de campanha lancei mão de uma imagem para tornar mais fácil a compreensão. Uma analogia: nós somos famílias muito amigas e havíamos planejado fazer uma viagem juntos. Quando se aproximou do tempo de fazermos a viagem, se descobriu que uma das famílias estava envolta numa tremenda briga.
Nós, do PCdoB, nos aproximamos para ajudar, solidariamente. Não
chegamos nem a colocar os pés na calçada da casa onde mora o PT porque do lado
de fora nós só ouvíamos os gritos. Um acusando o outro. Um se referindo ao
outro em linguagem absolutamente depreciativa. Foi o que aconteceu na prática.
Eu, Renildo Calheiros e outros companheiros que têm relações de confiança e
amizade com pessoas do PT nos aproximamos.
E eu nunca vi na minha militância membros de um partido, sobretudo
de esquerda, se referindo uns aos outros na linguagem e nos termos em que eu
ouvi e vi o PT fazer.
Então, era legítimo preservando a analogia que faço, quem vai querer
viajar junto com uma família que está brigando? Eu cheguei a dizer numa das
longas conversas com Humberto, dizer numa conversa de uma manhã na casa de
Armando Monteiro. Eu disse: “Humberto, você sabe do apreço e da confiança que
nós temos por você, agora nessas circunstâncias sua candidatura está
inapoiável”.
Usei esse neologismo. Porque não era ele individualmente. Era a
confusão que estava na retaguarda. Disse: “faz 19 dias, Humberto, que você foi
indicado pela direção nacional do PT e o PT não se uniu ainda aqui. Como é que
nós outros vamos administrar isso?”
JC - O que o PCdoB propunha para unir a Frente Popular?
LUCIANO - Cinco pontos para discutir. Primeiro, atualizar as propostas para o Recife porque em quatro anos muita coisa já mudou. Definir uma estratégia e fazia parte da estratégia contornar o imbróglio do PT, no pressuposto de que nós todos iríamos apoiar um candidato do PT e o PT por moto próprio já sangrava.
Já estava metido numa confusão inexplicável para a opinião pública
com aquela prévia que houve, que foi anulada, com a nova prévia que não
aconteceu. Na hipótese de irmos juntos, nós queríamos contornar isso. Como? Nós
queríamos discutir isso.
Discutir o vice. Porque se o candidato fosse João da Costa nós
entendíamos que naturalmente deveria ser Milton Coelho, mas mesmo que fosse
outro nome do PT, mesmo que permanecesse o PSB indicando, os outros partidos
queriam discutir. E o último ponto era justamente como abordar a eleição de
vereador, chapão, chapinha.
Você sabe quantos pontos desses foi possível conversar com o PT?
Zero. Expus para Humberto, para João Paulo, para Pedro Eugênio. Por que? Não
era desatenção. Eles estavam de tal maneira envoltos na crise interna que
sequer discutiam essas coisas.
JC - O PCdoB observava erros na campanha petista?
LUCIANO - É muito difícil
falar da realidade de outro partido. Mas o PT se precipitou muito. Pedro
Eugênio, Humberto, disseram nos jornais que o PT iria com uma chapa puro
sangue. Antes de que alguns partidos tivessem se definido. Se auto isolaram
muito precipitadamente.
Então ficou inviável ficarmos com o PT. Mas nós colocamos desde o
início que nós entendíamos que eram duas candidaturas oriundas da Frente
Popular. Que deveriam ter uma relação fraterna entre si porque uma apoiaria a
outra num eventual segundo turno.
JC - Mas o que não houve foi relação fraterna...
LUCIANO - Porque, na minha
opinião, os erros táticos do PT levaram a um confronto aberto. Os erros do PT
são desde o nascedouro da candidatura de Humberto até a linha de campanha. É
impressionante que companheiros experientes, a começar pelo próprio candidato,
tenham iniciado a campanha apelando para o que nós poderíamos chamar de fatores
exógenos.
Qualquer criança versada em política e na teoria militar sabe que
para o Exército ganhar uma batalha, um ponto de partida é contar com as
próprias forças. E a partir disso agregar todas as forças que possam se aliar e
neutralizar o adversário. A campanha de Humberto começou com a tese de uma
traição do PSB. Esse discurso de traição do PSB estava a anos luz de distância
do eleitorado. Ninguém compreende isso.
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