A hora da política
André Singer, na Folha de S. Paulo
O prefeito Fernando Haddad indicou o caminho certo. Diante do crescimento do conflito causado pelos "rolezinhos", estimulou as partes a conversar. Como ficou claro em junho passado, atitudes extremadas só levarão ao desgaste da autoridade pública, com aumento da tensão social já visível nas grandes metrópoles.
O problema é que não há solução fácil no horizonte. Não basta disposição para o diálogo quando interesses materiais e simbólicos começam a se opor de maneira radical. Os jovens que estão deixando os centros de compra em pânico podem não saber, mas explicitam um confronto crescente entre ricos e pobres no Brasil.
Soa contraintuitivo que tal enfrentamento se intensifique justo quando os de baixo estão melhorando de vida e a desigualdade cai. Ocorre que, tendo saído da condição em que mal era possível enxergar a perspectiva do dia seguinte, as camadas pobres adquiriram uma energia extra.
Movimentos de ascensão sempre impulsionam novas expectativas. Os metalúrgicos, que lideraram as grandes greves de 1978 a 1988, tinham sido beneficiados pelo forte crescimento dos anos do "milagre econômico". Acresce que, desta feita, a melhora nas condições de consumo deu aos jovens brasileiros acesso a aparelhos informatizados. Assim, passaram a fazer parte da variada onda mundial de manifestações facilitadas pela existência de redes instantâneas.
Do outro lado, segmentos de classe média têm reagido com verdadeiro ódio às tímidas mudanças do último decênio. Uma atitude segregacionista, que estava encoberta pela relativa passividade dos dominados, veio à tona quando os estratos antes excluídos começaram a ocupar aeroportos, frequentar clínicas dentárias e a encher as ruas de carros.
Visto em retrospecto, é óbvio que chegariam aos shoppings. Note-se que, por razões quase territoriais, o primeiro embate se dá entre zonas sociais contíguas. Não por acaso, os locais até aqui escolhidos para os "rolezinhos" estão longe do centro. Essa vizinhança produz reações às vezes violentas por parte dos frequentadores, uma vez que envolve também um desejo de diferenciação. Mas não se subestime a intensidade do contragolpe caso a confusão se espalhe para as chamadas áreas nobres.
Dada a situação de disputa que está posta, a única solução positiva, isto é, em que todos ganhem, passa pelo aumento da riqueza geral, com maior distribuição de renda e forte investimento público onde é mais justo. Porém, como no plano da economia a pressão vai no sentido de diminuir o ritmo e apertar o gasto governamental, caberá à política resolver a quadratura do círculo.
Se não o fizer, haverá uma longa e dolorosa guerra distributiva no país.
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