Eleição de Marina seria a vitória de um
modelo diplomático alinhado aos EUA, similar ao que tivemos nos anos 90, diz
embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Darío
Pignotti, Carta Maior
“Os estrategistas dos
Estados Unidos seguramente estão de acordo com as diretrizes da política
externa defendida pela candidata Marina Silva. Se ela for eleita, será a
vitória de um modelo diplomático similar ao que tivemos nos anos 90”, declarou
à Carta Maior o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-secretário-geral do
Itamaraty no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Junto do ex-chanceler
Celso Amorim e do assessor Marco Aurélio Garcia, Pinheiro Guimarães integrou a
troika responsável por planejar de diplomacia com sotaque nas relações Sul-Sul
aplicada entre 2003 e 2010. Premissas que “tiveram continuidade a partir de 2011
durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, que adotou medidas muito
corretas sobre o Mercosul e contra a Inteligência norte-americana no escândalo
da NSA, e resistiu às pressões para a compra de aviões de guerra
norte-americanos”, afirmou Pinheiro Guimarães.
No programa de governo
apresentado uma semana atrás por Marina, foram formuladas propostas em alguns
casos antagônicas às dos governos de Dilma e Lula, além de formular críticas
enredadas ao que define como uma diplomacia “ideologizada” e “partidarizada”
durante as três gestões petistas.
Embaixador, estamos
diante do risco de serem restaurados princípios diplomáticos que dominaram a
segunda metade dos anos 90?
Considero que a
candidata Marina Silva encarne a anulação do progresso conquistado nestes 12
anos. Ela e os setores que representa buscam outro modelo de inserção
internacional. Um pensamento que se traduz no propósito de enfraquecer o
Mercosul com o pretexto de torná-lo aberto ao mundo.
Será o fim de qualquer
aspiração de uma diplomacia independente?
Até agora, a única vez
que escutei Marina falar de independência foi para mencionar a independência do
Banco Central (risos).
Washington aposta em
Marina ou Aécio?
Não estou em Washington
para dizer o que pensam. Agora, há interesses dos Estados Unidos que foram
prejudicados durante os governos de Lula e Dilma, e é claro que o candidato de
que mais gostavam era o Aécio.
A Embaixada
norte-americana adotou um perfil muito discreto nas eleições, mas isso não deve
se confundir com o fato de estarem alheios ao que acontece. Quando o Aécio fica
fora do jogo, os Estados Unidos se inclinam para a Marina, por pragmatismo e
porque ela representa o oposto ao PT. Além disso, é alguém sem quadros próprios
e, segundo dizem, tem bons contatos nos Estados Unidos, e que demonstrou estar
aberta para desmontar o Estado, reduzir sua capacidade e autonomia
internacional. Interessa aos Estados Unidos que o Mercosul sejam desmontado e
que projetos da era tucana sejam retomados, não nos enganemos: nestas eleições,
está em jogo a retomada do processo privatizador, parcial ou total, da
Petrobras, do Banco do Brasil e do BNDES.
Como a Marina
implementaria esse desmantelamento do Mercosul?
Avalio que possa começar
com a eliminação da cláusula que obriga os países do Mercosul a negociar
conjuntamente acordos de livre comércio com outros blocos. Este ponto, que até
agora não conseguiram derrubar, é uma cláusula que vem desde o Tratado de
Assunção (assinado em 1991, na formação do Mercosul).
E depois de terminada
esta limitação, o que aconteceria?
Uma vez eliminada essa
cláusula, o caminho estará aberto para a assinatura de acordos do Brasil com a
União Europeia, sem a participação dos outros quatro integrantes do Mercosul.
Mas se a cláusula continuar em pé, seria igualmente perigoso um pacto entre
todo o Mercosul e a União Europeia. E essa negociação, que já se iniciou mas
avança lentamente, provavelmente será acelerada durante o governo de Marina.
Quais consequências um
acordo com a UE traria?
Muitas, uma delas é a
redução considerável das tarifas [de importações] industriais europeias
afetando nossas fábricas. Defendo faz tempo que esta aproximação, que agrada os
economistas da Marina, é o passo inicial rumo ao fim do Mercosul.
Vou resumir assim: a
assinatura de um acordo entre os dois blocos significará uma extraordinária
vantagem para empresas europeias que poderão exportar para cá sem que cobremos
taxas, enquanto não haverá grandes benefícios para os exportadores sul-americanos.
E acrescento que se este
acordo acontecer, afetará outra instituição fundamental do Mercosul, que é a
Tarifa Externa Comum, fixada para terceiros países. Se isto acontece, a união
aduaneira é pulverizada, qualidade central do Mercosul. E uma vez que chegarmos
à hipotética assinatura do pacto de livre comércio com os europeus, os Estados
Unidos reaparecerão.
De que maneira?
Os meios e os grupos de
interesses brasileiros que se sentirem representados pela Marina só falam de um
acordo com a União Europeia por oportunismo, pela boa imagem dos europeus, que
seriam maravilhosos, educados, que nos abririam as portas do primeiro mundo.
Uma retórica para ocultar que o acordo será prejudicial para nós. Quem quiser
saber o que nos espera com esse acordo que pergunte aos gregos e aos espanhóis
como a velha Europa é tratada.
Agora tudo isso nos leva
ao começo desta conversa, que são os Estados Unidos. Por quê? Porque uma vez
assinado o pacto UE-Mercosul, no outro dia, Washington vai querer igualdade de
condições comerciais que europeus conquistaram, exigindo de nós um acordo de
livre comércio. Os Estados Unidos nunca se esqueceram do espírito da ALCA (Área
de Livre Comércio das Américas).
MAR DEL PLATA, NOVEMBRO
DE 2005
No começo da década
passada, FHC sancionou Pinheiro Guimarães por ter se oposto publicamente à
assinatura da ALCA, que seria enterrada durante a Cúpula das Américas,
celebrada em novembro de 2005 no balneário argentino de Mar del Plata, graças a
uma frente formada pelos presidentes Lula, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo
Morales, apoiados por outros líderes sul-americanos diante de um atônito George
Walker Bush e de seu aliado, o mexicano Vicente Fox, ex-gerente da Coca Cola
com um grande bigode.
A tese da ALCA pode ser
recriada com outro nome. É possível que a Marina, FHC e a inteligência
neoliberal reciclem o projeto?
Tudo me leva a pensar
que o projeto norte-americano de integração hemisférica comercial, de
eliminação de barreiras, de sanção de um sistema de leis que privilegiam suas
multinacionais etc continua em vigor. É preciso prestar atenção na Aliança do
Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile).
Entendo que os Estados
Unidos se preparem para retomar essa proposta em caso de a Marina ganhar.
Porque suas posições sobre política externa refletem as aspirações se setores
empresariais, de banqueiros e grandes meios de comunicação que demonstraram
certa saudade da dependência colonial.
Com Marina voltaremos ao
passado anterior ao encontro de Mar del Plata?
A candidata parece estar
muito aberta a essas ideias. Mas o interessante é que ela não está sozinha.
No seu entorno, se
expressa esse espírito anterior à reunião de Mar del Plata. Eu me refiro ao
professor André Lara Rasende, ao professor Eduardo Giannetti da Fonseca, à
senhora Maria Alice Setúbal (Banco Itaú). Além disso, me parece natural que
depois do primeiro turno (5 de outubro) se somem outras pessoas com pensamento
similar e que hoje estão junto do candidato Aécio. Estou falando o professor
Armínio Fraga, do professor Pedro Malán.
DILMA REELEITA
O senhor acredita que,
apesar da subida de Dilma, a Marina será a futura presidenta?
Não, pelo contrário,
acredito que, apesar de toda esta comoção, a presidenta Dilma será reeleita.
Acredito que, ao longo destes dois meses, as ideias da ex-senadora vão ficar em
evidência.
Neste caso, quais seriam
os objetivos de sua política externa em um segundo mandato?
Em primeiro lugar,
deve-se mencionar que sua política externa não teve diferenças coma de Lula,
apesar de Dilma não ter o mesmo estilo de fazer política externa. Trabalho para
reforçar os BRICS, impulsionou o banco dos BRICS, foi firme a favor da entrada
da Venezuela no Mercosul, apesar de os Estados Unidos terem manifestado
abertamente seu interesse em substituir o governo venezuelano, postura que
encontra eco na grande imprensa brasileira, no FHC e nos dirigentes tucanos
No segundo mandato, a
presidenta deveria ter como objetivo reduzir a vulnerabilidade externa do país,
a dependência de capitais especulativos para o pagamento da dívida e tudo isto
cria um círculo vicioso que aumenta as taxas de juros. É falso, é um mito que
as taxas sobem para combater a inflação.
Ou seja, as alianças
diplomáticas devem continuar, mas são necessárias mudanças na estratégia
econômica internacional?
Sim, e está completo o
comentário dizendo que em um segundo governo a presidenta Dilma terá que trabalhar
para diversificar nosso comércio exterior, para reduzir nossa vulnerabilidade
comercial devido ao crescimento das exportações de produtos primários cujos
preços não somos nós quem decidimos. Quando digo diversificar penso em base
para reforçar exportações industriais porque o Brasil corre o risco de seguir
rumo a uma especialização regressiva na produção agropecuária e mineral,
acompanhada de uma contração do setor industrial, aliada a uma atrofia de sua
capacidade tecnológica.
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