Luis Nassif, no Jornal GGN
Há 157 dias está no Supremo o pedido de julgamento do presidente da
Câmara Eduardo Cunha. O decano nunca se pronunciou.
No domingo, mais de 300 deputados deram o mais indigno show público já
registrado na Câmara Federal. O decano se calou.
O país está prestes a ser governado por um vice-presidente envolvido na
Lava Jato e por um presidente de Câmara que só não vai preso por leniência do
Supremo. O decano se resguarda e nada diz.
Mas é capaz de sair a público garantindo manchetes, batendo boca com
frases divulgadas em um grampo ilegal. Ou, como ocorreu ontem, criticar a
presidente por denunciar o golpe do impeachment. Sustenta que não há golpe
porque todos os procedimentos legais estão sendo seguidos.
Ouso dizer que o decano Celso de Mello, do STF, é um blefe.
Tem algumas das condições necessárias para um juiz: a idoneidade, a
ponto de sequer receber advogados das partes, a vida asceta, o apego aos
estudos.
Mas faltam-lhe virtudes essenciais a um grande juiz, especialmente a
capacidade de discernimento e a isenção. E um deslumbramento ingênuo – e tolo –
de não resistir aos holofotes da mídia, e dos celulares das redes sociais, para
pronunciamentos “para a história”.
Celso de Mello tem a erudição. É capaz de rechear um julgamento sobre
roubo de pirulitos com dezenas de citações dos “saudosos” (ele sente saudades
de todos os juristas mortos). Mas terá dificuldades de analisar o caso e fazer
justiça. Ou, então, dificuldade em analisar um caso contrariamente às suas
preferências pessoais.
Seu conhecimento enciclopédico não está a serviço do discernimento. Na
economia, seria um cabeça de planilha: o sujeito capaz de montar planilhas
complexas, séries estatísticas enormes, correlacionando índices de forma incorreta.
Tome-se a questão do golpe.
O papel do STF no impeachment pode ser sintetizado de maneira simples e
irretorquível:
1. O constituinte definiu o presidencialismo
como forma de governo. Depois houve confirmação por plebiscito.
2. O parlamentarismo permite o voto de
desconfiança. Tendo maioria qualificada, a oposição vota e derruba o gabinete.
Não haveria uma hecatombe política, nem um desrespeito ao voto do eleitor,
porque caberia ao presidente negociar um novo gabinete com o Congresso.
3. Já no presidencialismo não existe o voto de
desconfiança.
4. O que separa o presidencialismo do
parlamentarismo, portanto, são exclusivamente as condições jurídicas para a
aprovação do impeachment, previstas na Constituição. Caso contrário, bastaria juntar
um número qualificado de deputados para derrubar o presidente.
5. Se exige fundamentação jurídica
constitucional, quem é o guardião da Constituição para conferir se os
pré-requisitos estão presentes? O Supremo, é evidente. Se o Supremo não julgar
a constitucionalidade do impeachment, na prática estará atropelando a vontade
popular em dois pontos centrais: a forma de governo escolhida, o
presidencialismo, e uma presidente eleita pelo voto popular.
Aí vem o decano e questiona as acusações de golpe, porque os
procedimentos estão sendo seguidos. Por procedimentos, entendam-se os ritos
definidos pelo Supremo. Ou seja, privilegia a forma em detrimento do conteúdo,
do mérito.
Pergunto, qual o nome que se dá ao ato do advogado que foge das questões
de mérito para se ater a questões de forma? Chicana, se não me engano.
Vou buscar o significado no Dicionário Informal:
“Jurídico: dificuldade criada, no decorrer de um processo judicial, pela
apresentação de um argumento com base em um detalhe ou ponto irrelevante”.
Aplica-se ao decano?
Voltando aos sofistas, sabe-se que duas paralelas só se encontram no
infinito. A opinião de Celso de Mello encontrou-se com a de Dias Toffoli na
celebração da legalidade do impeachment. Apenas os dois. Donde se conclui que o
decano terminou convergente com a maior humilhação que o terrível Lula infligiu
ao Supremo.
O legalista e o ex-militante tornaram-se parceiros no maior estupro
cometido contra a Constituição brasileira desde a sua promulgação.
Paradoxalmente, o maior elogio que recebeu foi em forma de ofensa: os
ataques de Saulo Ramos mostrando que, depois que deixou de ser seu assessor
para se tornar Ministro do STF, Celso resistiu às suas pressões.
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