Luis
Fernando Verissimo, no Jornal GGN
Um
governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o
conservadorismo, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza
do poder real
Gosto
de imaginar a História como uma velha e pachorrenta senhora que tem o que
nenhum de nós tem: tempo para pensar nas coisas e para julgar o que aconteceu
com a sabedoria — bem, com a sabedoria das velhas senhoras. Nós vivemos atrás
de um contexto maior que explique tudo mas estamos sempre esbarrando nos
limites da nossa compreensão, nos perdendo nas paixões do momento presente. Nos
falta a distância do momento. Nos falta a virtude madura da isenção. Enfim, nos
falta tudo o que a História tem de sobra.
Uma
das vantagens de pensar na História como uma pessoa é que podemos ampliar a
fantasia e imaginá-la como uma interlocutora, misteriosamente acessível para um
papo.
—
Vamos fazer de conta que eu viajei no tempo e a encontrei nesta mesa de bar.
—
A História não tem faz de conta, meu filho. A História é sempre real, doa a
quem doer.
—
Mas a gente vive ouvindo falar de revisões históricas...
—
As revisões são a História se repensando, não se desmentindo. O que você quer?
—
Eu queria falar com a senhora sobre o Brasil de 2016.
—
Brasil, Brasil...
—
PT. Lula. Impeachment.
—
Ah, sim. Me lembrei agora. Faz tanto tempo...
—
O que significou tudo aquilo?
—
Foi o fim de uma ilusão. Pelo menos foi assim que eu cataloguei.
—
Foi o fim da ilusão petista de mudar o Brasil?
—
Mais, mais. Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais
poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma
plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma
tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do
que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo,
uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com
a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo.
Um
pouco surpreso com a eloquência da História, pensei em perguntar qual seria o
resultado do impeachment. Me contive. Também não ousei pedir que ela
consultasse seus arquivos e me dissesse se o Eduardo Cunha seria presidente do
Brasil.
Eu
não queria ouvir a resposta.
Luis
Fernando Verissimo é escritor
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