Luis Nassif, Jornal GGN
Pouco antes de morrer, o presidente
da Editora Abril, Roberto Civita, aproximou-se de banqueiros paulistas.
Conseguiu do Itaú-Unibanco uma sobrevida para a empresa.
Um dos banqueiros, mais ideológicos,
fez uma última tentativa para manter vivos a Abril e o Estadão. Lançou a ideia
de criação de uma fundação que assumisse as duas empresas. Chegou-se,
inclusive, ao nome de André Lara Rezende para presidente.
A ideia morreu quando foram abertas
as contas de ambas as empresas: eram economicamente inviáveis.
Agora, está próxima do fim a aventura
da mais relevante editora de revistas do país.
O crescimento inicial foi fruto da
intuição - e dos contatos norte-americanos - do patriarca Victor Civita, que
por aqui aportou com a retaguarda dos grupos Disney e Time-Life, quando os
americanos se deram conta que a legislação restritiva brasileira não permitiria
participação direta no país e as parcerias com o Departamento do Estado
conferiam à mídia papel relevante nas disputas ideológicas do continente,
decorrentes da Guerra Fria.A partir dos anos 70, houve um impulso grande no
grupo, graças à visão de Roberto Civita. Por incrível que pareça, para quem
acompanhou a decadência de Veja, Civita foi um grande editor, inclusive
na escolha dos diretores de redação que ajudaram a forjar a glória da empresa.
Lançou a revista Realidade, das grandes reportagens, trazendo os maiores nomes
da época, Milton Coelho da Graça, Luiz Fernando Mercadante, José Hamilton
Ribeiro. Depois, foi buscar Mino Carta no Jornal da Tarde para lançar a 4 Rodas
e a Veja. Surgiram as revistas femininas, a Playboy. E fascículos que marcaram
época.
A Abril tornou-se uma editora
imbatível, inclusive valendo-se de sua força política para obter favores
oficiais graúdos, como os incentivos para a rede Quatro Rodas, dados pela
ditadura, e os canais de TV a cabo pelo governo Sarney.
As mudanças tecnológicas - Dentre os editores
brasileiros, nenhum foi mais antenado que Roberto Civita com as mudanças na
mídia. Entendeu o papel da TV a cabo, lançando a TV A, dos satélites como difusores
de sinal e da própria Internet, através do lançamento da BOL. Teve experiências
bem-sucedidas com produção, com a TV Abril e com a MTV. Sempre foi o primeiro a
imoprtar no país as últimas ondas do mercado norte-americano.
A visão de futuro não foi acompanhada
de uma estratégia financeira adequada. Uma a uma as experiências fracassaram
pela falta de executivos adequadas e por uma praga que assola empresas quando
surgem tecnologias matadoras.
Sempre que aparecia uma tecnologia de
corte, a ATT criava uma empresa à parte, independente, pois sabia que se fosse
desenvolver dentro da própria empresa, a empresa velha mataria a nova.
A Microsoft não aprendeu a lição.
Quando surgiram os sistemas operacionais para tablets e celulares, incumbiu a
divisão do Windows de desenvolve-los. E os pais do Windows para computadores
não quiseram amputar funções para adaptar o sistema aos mobiles. Perdeu o bonde
para a Apple e o Google.
Uma a uma, as inovações da Abril
foram sendo boicotadas pelos executivos do papel, receosos de perder espaço
para os novos setores.
Foi assim com a TV Abril, com a TVA,
com a BOL.
O erro da BOL - Um alto executivo da época me contou,
certa vez, o boicote sofrido por Antônio Machado que, depois de uma brilhante
passagem pela Exame, foi incumbido de colocar em pé o portal da Abril.
Houve alguns erros iniciais, como o
de pretender montar uma verdadeira central telefônica para atender as chamadas,
em vez das parcerias com pequenos provedores do interior, como fez a UOL. E
também a ideia da padronização das revistas, transformando a BOL em uma enorme
revista padronizada. Nada que não pudesse ser corrigido, sem tirar da BOL o
mérito do pioneirismo e do maior acervo de publicações da jovem Internet
brasileira.
De nada adiantou. Civita acabou
aceitando a proposta de Luiz Frias de juntar as duas operações, da UOL e da
BOL, dando a gestão para o sócio.
Pouco tempo depois, Luiz montou uma
parceria com grupos da Portugal Telecom visando diluir a participação da Abril.
De um dia para outro anunciou um aumento de capital e, apanhado de surpresa,
Civita não conseguiu acompanhar a Folha e acabou diluído. A velha raposa sendo
passado para trás pelo jovem empreendedor.
A mesma falta de visão ocorreu com a
tentativa mais recente de apostar de novo na Internet, através do portal Abril
e da Veja.
Certa vez, um talentoso desenvolvedor
brasileiro, que havia criado uma rede corporativa de primeiro nível, me contou
que tentou vender a rede para a Abril utilizar em seus portais.
Antes que concluísse a história, pedi
para adivinhar o resultado:
- Um dos executivos da Abril rejeitou
sua proposta dizendo que a aposta da editora, agora, era em revistas de
quadrinhos de baixo custo para a nova classe C.
Ele se espantou:
- Como você sabe?
Porque, na mesma época, a IBM enviou
para a Abril altos executivos da IBM norte-americana, para oferecer ferramentas
para utilização em portais da Internet. E a resposta foi a mesma.
A aposta na educação - Restava à Abril
apelar para a força política da Veja. A partir dos anos 90, Civita
assumiu a supervisão direta da revista, envolvendo-a cada vez mais em jogadas
políticas e comerciais.
Nos tempos de Mino Carta e da dupla
Roberto Guzzo-Elio Gaspari, os diretores alertavam Civita quando poderia
ultrapassar os limites do jornalismo para atender aos interesses políticos e
comerciais do grupo. A partir dos 90, entraram diretores cada vez mais
submissos e sem envergadura jornalística para se contrapor às ordens do chefe.
E aí foram lambanças sucessivas.
Sem conseguir avançar em nenhuma
frente digital, a Abril concentrou esforços na parte educacional. Adquiriu
editoras que vendiam livros didáticos preferencialmente para o MEC (Ministério
da Educação) e cursos apostilados para estados e prefeituras, valendo-se da
força política da Veja e da estrutura de vendedores de assinaturas para
tentar se impor. As escolas eram procuradas por vendedores que convenciam
diretores a escolher os livros da Abril na cesta oferecida pelo MEC.
Na gestão Tarso Genro, fechou-se essa
porta. O MEC passou a divulgar catálogos dos livros selecionados e a proibir o
uso de vendedores. Civita ficou possesso e chegou a telefonar para Tarso Genro,
ameaçando-o com uma capa se insistisse na nova política. Não conseguiu
intimidar o Ministro.
Seguiu-se uma fase de investimentos
intensos no ramo educacional. Uma a uma foram sendo vendidas as empresas
coligadas e o dinheiro investido na compra de cursos, para a montagem de um grupo
educacional, não apenas com recursos próprios, mas com financiamentos
bancários.
Mais uma vez, Civita quebrou a cara
pela má escolha de executivos. A presidência do grupo foi entregue a conhecido
CEO, conhecido pela megalomania. As compras foram efetuadas por preços muito
acima dos de mercado. Em plena corrida da Abril, um concorrente me descreveu a
estratégias a cegueira de Civita, de não avaliar os preços dos bens adquiridos.
- As contas não fecham de maneira
nenhuma.
As loucuras aconteceram em todos os
quadrantes, com a empresa se endividando para apostas irrealistas. Como a
proposta para João Dória Jr., para a venda do controle da Casa Cor, uma
proposta tão absurdamente alta que o próprio Dória duvidou da sanidade do
grupo.
A aposta na direita - Restou a Civita o
último berro, a identificação talentosa da nova tendência da opinião pública,
de ir para a direita e para teses de intolerância. Trouxe dos Estados Unidos o
padrão Rupert Murdock que foi testado pela primeira vez na campanha em defesa
das armas.
Com o sucesso obtido, radicalizou.
Mais e mais Veja foi se transformando em um lago de detritos, em um esgoto a
céu aberto, inventando capas inverossímeis, vendendo-se para jogadas
comerciais, como a de Daniel Dantas, aliando-se ao crime organizado de
Carlinhos Cachoeira, para garantir o suprimento semanal de escândalos,
praticando crimes de opinião, perdendo a cada edição o contato com os fatos e
com o jornalismo.
Seu último feito foi liderar um pacto
de cartelização da mídia em 2005, que matou qualquer veleidade de jornalismo da
parte deles e que tornou a imprensa a maior ameaça à democracia brasileira e à
estabilidade política e econômica.
Depois disso, houve a queima de
ativos.
A venda da parte educacional deixou a
família com caixa. Mas com pouca disposição de colocar dinheiro em uma empresa
inviável. Começou, então, um movimento de transferência de títulos para o grupo
argentino Caras. Foram transferidos dez títulos (http://migre.me/uqLwz).
Mas os tempos são outros. Apesar da
óbvia blindagem recebida do Ministério Público Federal no episódio Carlinhos
Cachoeira, a transferência poderia configurar evasão fiscal. A família voltou
atrás na estratégia e terminou aportando R$ 450 milhões, única maneira dos
credores toparem o refinanciamento das dívidas (http://migre.me/uqLyY),
mantendo com aparelhos os sinais vitais da empresa.
Por outro lado, a morte de Roberto
Civita impediu que fossem feitos ajustes na linha da Veja. Apenas na
véspera do fim, a família tomou medidas para tentar restaurar o jornalismo da
revista, tarefa impossível: a revista tornou-se refém da malta que ajudou a criar.
Há, portanto, um ponto em comum entre
os Civita e o governo Dilma que eles ajudaram a derrubar: o de fazer as
mudanças necessárias com anos de atraso, e quando o desastre se tornou
irreversível.
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