Chico Buarque e o vexame do
‘Roda Morta’
Altamiro Borges, no Blog do Renato
A vergonhosa “entrevista” – se é que
dá para chamar aquela bajulação chapa-branca de entrevista – de Michel Temer no
“Roda Viva” da TV Cultura, na última segunda-feira (14), segue gerando
polêmica. Nesta quinta-feira, o jornalista Paulo Pacheco, do UOL, informou que
o cantor e compositor Chico Buarque estuda pedir a retirada da sua música da
abertura do programa jornalístico – se é que dá para chamar aquele servilismo de
jornalismo. Já um grupo de artistas lançou um manifesto em que pede a mudança
do próprio nome do programa – que até poderia ser rebatizado de “Roda Morta”.
Segundo a matéria, a participação de
Michel Temer no programa “deixou ‘desconfortável’ o dono da trilha de abertura
que dá nome ao programa, Chico Buarque. O cantor apoia o movimento lançado pelo
site ‘Jornalistas Livres’ contra o uso da música na atração. ‘Chico tem
simpatia pela campanha, mas ele deu autorização para o uso da canção no
programa e vale o que está escrito’, informou a assessoria de imprensa do
cantor, que afirmou estar estudando se o documento que libera o uso da canção
lançada em 1967 para o programa de entrevistas da Cultura tem prazo de
validade”.
Ainda de acordo com a assessoria, Chico
Buarque não esconde “que tem um certo desconforto de ver a música dele em um
programa que, nas últimas edições e já há algum tempo, é bastante diferente e
desvirtuado do programa original”. Da conversa no Palácio da Alvorada, que o
próprio Judas chamou de “propaganda”, participaram os “bajuladores” Willian
Corrêa (coordenador geral de jornalismo da Cultura), João Caminoto (diretor de
jornalismo do Grupo Estado), Sérgio Dávila (editor executivo da Folha), Eliane
Cantanhêde (colunista da TV Globo) e Ricardo Noblat (colunista do jornal O
Globo).
Diante da péssima repercussão da
“entrevista”, um grupo de artistas divulgou no site do coletivo Jornalistas
Livres um manifesto que segue coletando adesões. Reproduzo o texto abaixo:
*****
S.O.S. Roda Viva
“Faz tempo que a gente cultiva a
mais lida roseira que há / mas eis que chega a Roda Viva e carrega a roseira
prá lá”
A TV Cultura, berço de iniciativas
inovadoras da TV nacional, há 30 anos exibe o programa Roda Viva. Originalmente
um espaço destinado ao bom jornalismo, palco de entrevistas históricas com
personalidades das mais diversas áreas, o programa transformou-se em um triste
aparato de propaganda do governo de SP e, agora, também do governo federal. A
crítica perdeu espaço para a bajulação; a pluralidade foi substituída pelo
pensamento único; o jornalismo, expulso do programa, agoniza perante o festival
de gentilezas e afagos entre os governos e os profissionais da notícia.
Ao romper descaradamente com a
democracia e o compromisso com a informação, assumindo o papel de agência de
publicidade, o programa não merece mais carregar como nome de batismo o título,
e como música de abertura a ilustre canção de um artista que jamais virou as
costas para a democracia e os interesses do povo brasileiro: Chico Buarque.
Roda Viva é um marco da luta contra
a ditadura militar. A canção, grito metafórico contra a censura vigente; a
peça, alvo de ataques fascistas, ícone da resistência cultural ao regime de
exceção. É uma afronta que sirva de batismo a uma sessão semanal de bárbara
tortura à democracia, tendo como verdugo principal o editor da ex-revista Veja,
há muito transformada em panfleto ideológico conservador e mitômano.
A entrevista com o presidente Michel
Temer, exibida no último dia 14 de novembro, foi, para citar outra canção de
Chico, a gota d’água. Em uma cena de realismo fantástico, o próprio presidente
agradece o “espaço de propaganda” do seu governo, em vídeo gravado pelo âncora
do programa e fartamente divulgado nas redes sociais. Tamanha promiscuidade não
poderia passar em branco; movidos pela indignação, nós, abaixo-assinados,
resolvemos dar um basta.
A gente toma a iniciativa, viola na
rua a cantar:
Exigimos a imediata mudança do nome
do programa, assim como a retirada de “Roda Viva” da abertura do mesmo.
Não aceitamos que afrontem nossa
História, esvaziando o significado de algo que nos é tão caro: a memória da
resistência democrática no Brasil.
Esta campanha conta com o aval do
próprio Chico, que já manifestou o desejo de procurar os meios legais para
impedir que sua obra seja atrelada ao servilismo indecente do programa. Mas nós
queremos mais: queremos transformar este manifesto em uma imensa campanha em
defesa da democracia e de denúncia da relação promíscua entre setores da
imprensa e segmentos políticos e empresariais.
Convidamos todos e todas a também
assinar este texto, “pois quem tiver nada pra perder, vai formar comigo o
imenso cordão”!
Leia mais sobre temas da
atualidade: http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário