Estresse
no mercado escancara temor com descontrole fiscal
Valor
Econômico
Em um momento de extrema incerteza sobre os rumos
das contas públicas no Brasil, os investidores foram surpreendidos por novos
sinais de atrito entre o presidente Jair Bolsonaro e as diretrizes da equipe
econômica de Paulo Guedes. E o centro do embate foi justamente a questão fiscal
- de modo mais específico, os meios de financiamento do Renda Brasil -, o que
agravou as preocupações no mercado desencadeando uma forte queda do Ibovespa e
a disparada do dólar. Diante da busca por proteção, a moeda americana chegou a
bater R$ 5,63 no momento mais tenso do dia, para depois se acomodar e fechar em
R$ 5,6164, alta de 1,62%. Esse é o maior valor de fechamento desde 20 de maio,
quando encerrou em R$ 5,6875.
Já o principal índice da bolsa de valores fechou em
queda de 1,46%, aos 100.627 pontos, depois de tocar 99.359 pontos na mínima do
dia. Apenas nove ações que compõem o Ibovespa escaparam, todas as demais
caíram. Além disso, o volume financeiro acusa que o susto foi grande. Depois de
pregões mais mornos, o giro foi de R$ 22,8 bilhões - acima da média diária em
2020, de R$ 20,7 bilhões.
Além de todo o nervosismo vindo das declarações de
Bolsonaro, os comentários da assessora especial do Ministério da Economia,
Vanessa Canado, durante evento promovido pelos jornais Valor e O Globo, caíram
mal no mercado, principalmente nas ações de bancos. Ela disse que a chamada
“nova CPMF”, eventual tributo em análise pelo governo, não será aplicada
somente para meios digitais, tendo um alcance mais amplo. Com isso, o principal
segmento do Ibovespa sofreu com forte queda de BB ON (-2,41%), Bradesco (-2,24%
a ON e -2,08% a PN), Itaú PN (-2,10%) e das units do Santander (-2,54%).
Parte do mercado vê a forte depreciação dos ativos
locais, após declarações do presidente Jair Bolsonaro, como “exagerada”. No
entanto, a magnitude do movimento evidencia o momento de insegurança dada a
fragilidade das contas públicas.
Na visão de Patricia Pereira, estrategista da MAG
Investimentos, a declaração de Bolsonaro “caiu como uma bomba” por externalizar
as discussões internas do governo. “Nós até esperávamos que ele pudesse falar
aquilo para a equipe econômica, mas não que fosse lavar a roupa suja em
público”, afirma. Para ela, o mercado nota que o trabalho de Guedes e de sua
equipe fica, assim, mais difícil. “Bolsonaro não tem ajudado na comunicação,
além de ter rumado para um lado mais populista. Colocar o valor do programa em
torno de R$ 300 e não aceitar o fim do abono salarial deixa a situação ainda
mais complexa”, afirma.
Ontem, o presidente criticou publicamente a
proposta apresentada pela equipe econômica para o benefício que deve substituir
o Bolsa Família. Bolsonaro é contra o fim do abono salarial, o benefício
concedido a trabalhadores que recebem menos de dois salários mínimos por mês.
Mas, a extinção do programa e a transferência de seus recursos era uma das
principais apostas de Guedes para “turbinar” o valor do próximo benefício.
Assim, aumentaram as dúvidas entre os investidores sobre as alternativas para financiar
o Renda Brasil e, consequentemente, os temores sobre a elevação de gastos
públicos sem contrapartidas suficientes para amenizar o rombo orçamentário.
“De um lado, há a pressão para a criação de um
benefício permanente com elevado impacto fiscal. De outro, o presidente
demonstrou não apoiar a solução da área econômica de fazer a consolidação dos
programas atuais. Assim, fica complicado encontrar uma saída para acomodar o
gasto do Renda Brasil sem o estouro do teto. Será preciso buscar uma solução, mas
até lá será normal os mercados adotarem uma postura cautelosa”, explica Silvio
Campos Neto, economista da Tendências.
Não à toa, prevalece a apreensão diante do equilíbrio delicado entre estímulos
ficais que ajudam a evitar uma crise maior e a necessidade de ajuste de contas
públicas. Alguns profissionais afirmam, inclusive, que a ideia ventilada nos
últimos dias de ampliar os gastos públicos e aprovar reformas estruturais na
contrapartida não convence, uma vez que não há garantia de que a compensação fiscal
ocorrerá.
Para Pedro Dreux, gestor da Occam, o mercado não
exagerou na reação. “O presidente deseja continuar com os auxílios e isso pega
de frente a nossa maior fragilidade no momento. O fiscal é o nosso ponto fraco.
Cada vez está mais claro que o teto de gastos em 2021 está ameaçado e, por mais
que se fale em aumento de impostos, a questão do teto não seria resolvida por
isso. O movimento não está exagerado e, pelos riscos, os preços estão até bem
comportados.” Talvez mais que o conteúdo em si, o tom das declarações de
Bolsonaro - escancarando a divergência de opiniões com Guedes - ajudou a
reviver as especulações de “fritura” do ministro.
O burburinho foi tamanho que o Ministério da
Economia divulgou nota negando que uma coletiva de imprensa estaria sendo
organizada para anunciar sua demissão. “O Ministro continua despachando
normalmente”, informou a pasta. “A notícia em si não é boa, mas não é ruim
também. Bolsonaro não sinalizou que ia gastar mais ou coisa do tipo”, diz
Victor Candido, economista da Journey Capital. “Mas o mercado está com medo de
um Guedes mais fraco, então não está topando nenhuma surpresa. Qualquer notícia
que envolva o programa ou a parte fiscal assusta.” O mercado de juros, por
exemplo, viu motivo para a forte incorporação de prêmio de risco. A taxa do
contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 - a mais
negociada do dia - avançou de 3,95% para 4,11% no fechamento. Já a do DI para
janeiro de 2027 saltou de 6,77% para 6,98%.
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