Voltando ao telhado?
Luciano Siqueira
Dizer que havia
subido ao telhado certamente foi um exagero, mas a imagem em certa medida é
apropriada para caracterizar momentos de dificuldade do presidente Jair
Bolsonaro e seu governo.
Quando fazia um ano e
meio no cargo, o ex-capitão se viu literalmente “nas cordas”, acossado por um
rol de golpes cruzados: a prisão do tal Queiroz e toda uma carga de ameaças em
decorrência das ligações suspeitas desse cidadão com a família Bolsonaro; as
derrotas sucessivas no STF; as adversidades corridas no Congresso Nacional; o
isolamento político crescente atestado nas pesquisas; o agravamento da pandemia
do novo coronavírus e da crise social, tendo o desemprego como vetor.
Foi quando a turma
que atua por trás das cortinas em favor de poderosos interesses concentrados no
governo — do chamado mercado, sobretudo — impôs ao presidente dois meses de
jejum de suas costumeiras provocações e diatribes.
Calado e favorecido
pela dispersão do campo oposicionista, e ainda de quebra beneficiado pela
percepção distorcida de milhões de brasileiros beneficiários do auxílio
emergencial (que erroneamente supõem ser uma benesse do presidente), pôde
respirar.
Até melhorou seu
desempenho em pesquisas.
Acenou com a bandeira
branca a ministros do STF e a parcelas do Congresso Nacional, especialmente a parlamentares
do chamado centrão. Saiu do Palácio agora não mais para confraternizar com
manifestantes fascistas na Praça dos Três Poderes, mas em viagens ao Nordeste para
festejar obras que não são originariamente suas e que promete concluir.
Também assumiu uma agenda de anúncios de programas adotados desde Lula, agora com rótulos diferente e restrições financeiras — como o Minha casa, minha vida, agora convertido em Casa verde e amarela.
A um governo auto-aprisionado
na fórmula ultraliberal de gerir a economia, em que se sobressai o fiscalismo
fundamentalista, cada passo que o presidente tenta dar nessa direção implica em
conflitos com ex-superministro Paulo Guedes e a sua agora desfalcada equipe.
E eis que um repórter
pergunta ao presidente sobre os estranhos depósitos feitos pelo tal Queiroz na
conta bancária da primeira dama. O suficiente para uma agressão grosseira e
para em seguida tratar jornalistas com epítetos do tipo “bundões”.
Ou seja, Bolsonaro
parece voltar a ser o autêntico Bolsonaro e romper com o jejum que lhe fora
imposto.
Coincidentemente, a
apuração do caso denominado “rachadinhas”, que envolve seu filho ex-deputado e
atual senador Flavio, agora ganha o tempero de “pagamentos” relativamente
volumosos, em espécie, na tal loja de chocolates de um shopping, feitos pelo
Queiroz, valores em seguida apropriados pelo dono da loja, o mesmo Flavio, sem
os devidos registros contábeis.
Tem gente que chama
isso de lavagem de dinheiro escuso. Será?
Entrementes, corroendo
a sociedade pela base, segue a mazela social puxada pelo desemprego, que tende
a se agravar nos próximos meses.
Nas circunstâncias de
um governo reacionário e contraditório, de um presidente destrambelhado e de
crises sanitária, econômica, social e institucional entrelaçadas, será que o
presidente ensaia uma volta ao tal telhado?
Talvez ainda não,
pois falta o contraponto de uma oposição coesa e atuante e que, por enquanto,
permanece dispersa.
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