Declaração de Mourão sobre Ustra presta um serviço ao esclarecer como o Exército pensa
Vice-presidente elogiou símbolo da criminalidade
militar em torturas e assassinatos
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Os generais
Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello, vice de Bolsonaro e ministro da Saúde,
prestaram serviço muito apropriado à sociedade em geral, e à imprensa em
particular, com suas mais recentes revelações.
Ao mesmo tempo pessoais e
funcionais, as palavras de ambos despencam, talvez inadvertidas, sobre a
assimilação de Bolsonaro e do bolsonarismo pelos meios de comunicação, outros
setores antes eriçados como os atores e escritores, e muitas eminências, a
ponto de no recuo a ombudsman da Folha, Flavia Lima, apontar
também “amarelamento”.
A intervenção do vice
consistiu em repentino elogio ao
coronel Brilhante Ustra,
que passou das masmorras da ditadura para a memória nacional como símbolo da
criminalidade militar em torturas e assassinatos. Mourão sempre provocou
interrupções na escalada da sua imagem de mais lúcido dos centuriões de
Bolsonaro. O general dialogável, o general alternativo. Agora foi mais
decisivo.
O elogio a Ustra foi
como Mourão dizendo-nos: Não se iludam. Nunca ouviram falar em pensamento
único? É o nosso no Exército. Como vocês diziam “somos todos Marielle”, nós
podemos dizer “somos todos Ustra”. E é assim que estamos aqui, para nossos
objetivos, não para os de vocês.
O general Pazuello fez, na verdade, um complemento ao que
comunicou quando interino na Saúde: “Eu não entendo nada disso aqui”. Agora
reconhece que, “até esse [aquele] momento da vida, desconhecia o que era SUS”. A frase mostra
tanto do próprio Pazuello quanto de quem o nomeou e dos generais que sugeriram
ou apoiaram a nomeação. Iguais todos, iguais no pensamento e sobretudo na falta
de, como Mourão levou a entender.
Mas por que e
como é possível chegar ao generalato sem saber sequer o que é um serviço
nacional, tão falado, com duas décadas e reconhecimento internacional de
sistema exemplar? O que se pode esperar dessa formação é só o alto custo e as
deformações impostas à vida nacional.
Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello falaram para não serem esquecidos.
Dias Toffoli e Gilmar Mendes,
convém ressalvar, não estão no segmento dos que não devem esquecer. O seu é o
dos que não devem ser esquecidos no Judiciário. São aqueles incapazes de
resistir à atração do poder.
Sucedem-se seus
almoços e jantares nas residências oficiais, os abraços, as
confabulações nessas oportunidades com Bolsonaro e outros políticos e
militares-políticos. Mas não suscitam dúvidas sobre o decoro pessoal e a
circunspecção funcional dos dois: em vez disso, lançam certezas sobre a
suspeição que, em julgamentos honestos, deve dispensá-los de votar em causas do
interesse de Bolsonaro.
Dias Toffoli e Gilmar Mendes
tornaram-se tão políticos, por ação atual , quanto ministros do Supremo, por
velhas circunstâncias.
TEMPO DE GRITAR
Vista sem paixão, é bastante
complicada a divergência entre liberdade de expressão e manifestação política
no esporte. O direito à liberdade é posto sob o risco de degenerar em
exploração deplorável, como tem acontecido a tantas atividades.
Apesar disso, é falacioso o
argumento do Comitê Olímpico Internacional contra manifestações de atletas. Diz
que a proibição de ato
como o grito “Fora Bolsonaro”, da campeã brasileira Carol ao fim de
uma competição, é para “proteger a neutralidade do esporte e dos Jogos
Olímpicos”.
Desde 1936, na Olimpíada da
Alemanha nazista, esses jogos se tornaram eventos de política nacional. Os
países querem sediá-los pela elevação de prestígio diplomático e comercial que
podem proporcionar. Isso é política, não esporte.
Para não colaborar com tal
finalidade em benefício da União Soviética, na Guerra Fria os Estados Unidos
chegaram a boicotar e ausentar-se da Olimpíada de Moscou. Esse e os demais
jogos políticos foram dirigidos pelo COI.
As manifestações políticas de
atletas sucedem-se porque são necessárias. Há pouco o basquete americano teve
que suspender uma rodada. Jogadores de futebol têm adotado, antes dos jogos,
uma posição de protesto contra o racismo e a violência policial. Hamilton e
outros fazem o mesmo na F-1. A Mercedes Benz pintou de preto os seus carros, em
apoio aos negros. Carol Solberg, além de fora Bolsonaro, fora as farsas.
As
múltiplas trincheiras da resistência https://bit.ly/3lg3rl8
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