Entra um instrumento, sai outro
Ruy Castro, Folha de S.
Paulo
Em
coluna recente ("Gênio apesar da droga", 6/9), sobre o saxofonista
Charlie Parker, comentei que um dos motivos para a aversão a ele pelos
jazzófilos conservadores nos anos 40 e 50 era o fato de seu instrumento, o
sax-alto, ter alijado de cena o clarinete, até então onipresente no jazz. De
fato, depois dele nunca mais surgiram clarinetistas como Sidney Bechet e Benny
Goodman. As revoluções futuras seriam comandadas por saxofonistas como Sonny
Rollins, John Coltrane, Ornette Coleman.
Mas
isso sempre aconteceu — a superação de um instrumento pela erupção de um gênio
num instrumento similar. A pré-história do jazz, por exemplo, foi escrita pelo
cornet, e um de seus virtuoses era King Oliver, mentor de Louis Armstrong. Pois
foi o trompete de Louis, cortante e cristalino, que, em 1925, aposentou o
cornet e o próprio King Oliver.
A
seção rítmica dos grupos de New Orleans se baseava na tuba, até que, em 1926,
um praticante do instrumento, Wellman Braud, músico de Duke Ellington, trocou-o
pelo contrabaixo, e só restaram à tuba as bandas militares. Outro sustentáculo
daqueles grupos era o banjo, substituído a partir de 1927 pelo violão de Eddie
Lang. E, com Lionel Hampton, em 1935, o vibrafone enterrou o xilofone.
Com
os cantores foi a mesma coisa. A chegada do microfone, em 1926, não veio para
salvar os cantores sem voz, como se pensa, mas para valorizar os que tinham voz
e aprenderam a usá-lo, como Bing Crosby e Ethel Waters. Em 1930, eles já tinham
feito os altissonantes Al Jolson e Bessie Smith parecerem antediluvianos.
Durante
todo o século 20, a música popular se beneficiou dessa dinâmica. Os
instrumentos iam sendo superados, mas o processo não parava. Isso acabou. Há 30
anos a instrumentação reduziu-se a guitarra, teclados e percussão e estacionou
por aí. O resto é figuração e pode ser gerado em chocadeira elétrica, digo,
computador.
Múltiplos
são os caminhos da resistência https://bit.ly/3lg3rl8
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