Brasileiros apoiam desenvolvimento da Amazônia, mas rejeitam atos de Bolsonaro
O Globo
É quase um consenso a possibilidade de promover o desenvolvimento econômico da Amazônia sem afetar o meio ambiente, segundo um levantamento divulgado hoje pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com a pesquisa, 95% dos entrevistados concordam com este alinhamento. No entanto, a atuação do poder público é alvo de críticas. Os participantes da enquete exigem mais cuidado com unidades de conservação, discordam dos problemas que a União considera prioritários e, também, de seu discurso belicoso com outros atores presentes na floresta.
A pesquisa da CNI foi feita por telefone com 2 mil
entrevistados entre 16 e 27 de outubro, sendo metade deles habitantes dos nove
estados que compõem a Amazônia Legal, e a outra metade das demais unidades da
federação. Seus resultados serão apresentados no Fórum Mundial Amazônia+21, um
fórum on-line e gratuito que ocorrerá de amanhã até sexta-feira, onde
especialistas de diversas áreas, além de empresários e gestores públicos,
debaterão como promover o desenvolvimento sustentável. Outra pesquisa,
conduzida pelo Datafolha a pedido da ONG Greenpeace, concluiu que 87% dos
brasileiros acham de extrema importância manter a floresta amazônica de pé. O
instituto perguntou a mais de 1.500 donos de celular qual é a importância de
preservar a Amazônia, numa escala de zero a dez, e a média geral foi 9,7. Dos
entrevistados pela CNI, 77% acreditam que o país deveria destinar mais áreas
para a preservação do meio ambiente. O presidente Jair Bolsonaro, porém,
prometeu antes mesmo de sua posse que faria uma revisão de todas as unidades de
conservação, alarmando ambientalistas. Apenas 30% dos participantes da pesquisa
consideram que o governo federal tem desempenho bom ou ótimo em iniciativas de
preservação da Amazônia. Indígenas, ribeirinhos e quilombolas obtiveram quase o
dobro da aprovação (58%). ONGs e ambientalistas receberam o mesmo aval de 47%
dos entrevistados. Bolsonaro já se comprometeu a não demarcar “nenhum
centímetro” de terra indígena, arquivando processos em homologação. As ONGs,
porém, são o maior alvo de sua ira na política ambiental. Em uma transmissão ao
vivo em uma rede social, o presidente afirmou: “Não consigo matar esse câncer,
em grande parte, chamado ONG, que tem na Amazônia”. Metade dos brasileiros se
dizem afetados por algum problema ambiental — o índice chegou a 57% entre os
entrevistados da Amazônia Legal. Para 60%, a maior ameaça são as queimadas e os
incêndios florestais, seguidos por desmatamento (28%), poluição das águas
(15%), descarte inadequado de lixo e poluição atmosférica (9% cada uma), entre
outros. Os participantes da pesquisa podiam escolher duas opções.
Agenda urbana
O resultado mostra como os entrevistados discordam da chamada
agenda ambiental urbana adotada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
que tenta priorizar programas ligados a saneamento básico e combate ao lixo no
mar, tirando os holofotes sobre os problemas do campo. Para Marcelo Thomé,
coordenador do Fórum Amazônia+21, a população deveria justamente priorizar os
cuidados às cidades, e não a “temas negativos” sobre a floresta.
— Poucas pessoas citam o saneamento, a poluição das águas e a
urbana como problema. Parece que a degradação, que é o que efetivamente
impacta, não está em seu cotidiano. O estímulo é muito mais voltado para a
informação sobre temas negativos da Amazônia — avalia Thomé, que é presidente
da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero).
Na visão de Thomé, o governo federal tem uma “agenda correta”
em pontos sobre o desmatamento ilegal e o combate às queimadas:
— Tem muita coisa certa e outras que precisam ser melhoradas.
Não se pode tratar esse assunto como torcidas opostas, não é um Fla-Flu.
O coordenador da Fiero considera ainda que uma maneira de
assegurar e desenvolver a Amazônia é flexibilizar atividades econômicas em
unidades protegidas por lei, como terras indígenas. Presidente do Instituto
Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy discorda das
iniciativas aventadas por Thomé.
— A vocação da floresta é para atividades como o pagamento de
serviços ambientais, ecoturismo e navegação. Não podemos achar que a Amazônia é
São Paulo — ressalta. — O governo tem recursos tecnológicos para fazer uma
fiscalização muito melhor do que a realizada atualmente, mas não o faz porque
sua base eleitoral se beneficia de questões como mineração e pecuária. Está
jogando para a torcida, o que é uma estupidez, porque vai ser derrotada em
processos de improbidade administrativa.
‘Sistema hídrico’
Bocuhy justifica a preocupação da Amazônia mesmo em centros urbanos
distantes no país. A floresta, ressalta, serve para impulsionar o “sistema
hídrico” da América do Sul, sendo responsável por 40% da umidade que chega ao
Rio e São Paulo. Sua preservação também é fundamental para evitar o agravamento
das mudanças climáticas.
— O desenvolvimento econômico deve ser adaptado ao meio
ambiente, e não o contrário. Mas as informações sobre esses programas ainda não
chegaram à Amazônia em um modo formal ou pragmático. Dependem do
desenvolvimento de políticas públicas.
Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos
Avançados da USP, também justifica a preocupação popular com a Amazônia,
apontando o avanço do Arco do Desmatamento — as áreas fronteiriças do bioma
onde há devastação ambiental —, além do apoio político para práticas
criminosas, como a grilagem.
— As democracias representativas estão sendo rendidas ao
autoritarismo. Na última eleição, 55% elegeram o atual presidente, mas ele quer
acabar com a floresta, e 95% dos brasileiros não concordam com isso. É como se
o pensamento fosse: “você votou em mim, é a minha visão que vale para tudo”.
Nobre atenta que o valor da floresta é muito maior quando
está de pé. O açaí, diz, já rende US$ 1 bilhão por ano ao país, quase o
equivalente à indústria da madeira (US$ 1,1 bilhão), sendo que 80% dos
dividendos desta atividade econômica tem origem ilegal.
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